A recente venda de parte do controle acionário da operadora Oi para a Portugal Telecom e a compra da Vivo pela Telefonica evidenciaram ainda mais a tendência de oligopolização que passa esse setor. Seguindo a tendência do capitalismo, grupos econômicos fortes estão ficando cada vez maiores.
Nesta entrevista, o engenheiro e presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Brígido Ramos, faz uma análise crítica dessa recente movimentação e de seu impacto na vida dos cidadãos.
A Oi não vai competir com a Telefonica e a Telefonica não vai ameaçar a Oi
Você acredita que há uma contradição no discurso do governo em aceitar a venda da Oi para a Portugal Telecom sendo que na compra da Brasil Telecom o argumento usado era do fortalecimento de uma tele nacional para competir com as outras? Na sua avaliação, porque houve essa mudança do Executivo?
Brígido Ramos – Mais do que isso. Além de contraditório, o discurso do governo foi enganoso. Não sei se foi ato premeditado da parte do governo, com o intuito de desmobilizar a sociedade organizada e os trabalhadores da Brasil Telecom, mas o fato é que o discurso nacionalista não foi sincero, foi propaganda. Quanto à mudança de postura do governo, não é de hoje que denunciamos a promiscuidade entre as autoridades e as operadoras de telefonia. Essas empresas tem influência e poder entre políticos e autoridades reguladoras. Isso começou já na privatização (o último presidente da Telebrás foi o primeiro presidente da Telefonica) e se transformou em um padrão de relacionamento. A propósito: você já verificou no TSE qual o montante doado por empresas de telecomunicação aos candidatos do governo e da oposição nesta eleição? Pode verificar que você vai entender o que eu estou dizendo. As empresas possuem um ‘portfólio’ de políticos.
Acredita que com esse movimento a Oi vai mudar o rumo de seus negócios no país? A sua internacionalização causa alguma consequência negativa para o Brasil?
B.R. – Não acredito que esta fusão vá mudar o panorama do mercado. Permanecerá a reserva de mercado informal, materializada na divisão territorial entre a Telefonica e a Oi, pois isso é a base do sistema de telecomunicações implantado pelo governo FHC. A Oi não vai competir com a Telefonica em São Paulo e a Telefonica também não vai ameaçar a Oi no resto do país. Os tucanos abdicaram da formulação de uma política nacional de telecomunicações e deixaram que as operadoras privadas se encarregassem desta tarefa. O resultado é que elas organizassem uma política à sua imagem e semelhança. O governo Lula não mudou esse estado de coisas.
O brasileiro consumiu 7,5% da sua renda com o celular
Na sua opinião, a movimentação recente das empresas Oi, PT, Vivo e Telefonica pode aumentar o oligopólio do setor?
B.R. – Como disse anteriormente, o oligopólio é a base que sustenta o sistema. A política de telecomunicações em vigor só tem uma preocupação: a saúde financeira da concessão. A competição entre operadoras é vista na Anatel como um inconveniente maior, capaz de colocar em risco o objetivo principal. Sendo assim, todo o resto é acessório, inclusive o direito que todo o cidadão tem ao acesso aos serviços de telecomunicações. Para verificar na prática o que estou dizendo, basta ir a São Sebastião, periferia de Brasília, para constatar que a 15 Km da Anatel e do Ministério das Comunicações nenhuma empresa oferece banda larga.
O que essa fusão pode significar para os consumidores/cidadãos? Haverá expansão e barateamento dos serviços?
B.R. – O país está crescendo muito e haverá certamente expansão e um certo barateamento dos serviços, advindo dos ganhos de escala. Mas a questão não é essa. O fato é que os brasileiros pagam muito mais por um serviço do que a maioria dos habitantes do planeta. Pesquisa da UIT/ONU feita no ano passado revela que o país é o 114º colocado entre 150, no que diz respeito ao comprometimento da renda com serviços de telecomunicações. No índice de Desenvolvimento de Tecnologia da Informação e Comunicação somos o 60º, atrás de países como Costa Rica ou Sri Lanka. Para se ter uma ideia do disparate, enquanto o brasileiro consumiu, em 2009, 7,5% da sua renda com o pagamento da conta do celular, consumidores de Hong Kong, Dinamarca ou Cingapura, gastaram 0,1% (75 vezes menos!). O celular é mais caro aqui do que na Faixa de Gaza onde, vez por outra, a aviação israelense derruba torres das operadoras locais.
Trata-se de um mercado naturalmente oligopolista
Será que o fato de a Oi vender parte de seu capital para um investidor externo tem algo a ver com a negativa do governo de que ela participasse mais ativamente no PNBL?
B.R. – As empresas tiveram 12 anos para oferecer banda larga para a população e não fizeram nada. Não sei se a autorização para a compra da BrT faz parte de alguma negociação envolvendo o PNBL e a Telebrás. Isso seria terrível, uma vez que ficaria comprovado que o governo colocou na mesa de negociação o interesse da população brasileira. De qualquer maneira, apóio sem reservas a retomada da Telebrás. Como já te disse, tem escola pública a 15 Km do Palácio do Planalto que não tem acesso à banda larga. Isso é uma vergonha nacional que vai manchar a imagem deste governo e a biografia de todos aqueles que compactuaram com essa situação.
Você acredita que a liberação para a entrada das teles no mercado de TV por assinatura e também a permissão para entrada de capital estrangeiro no setor de cabo previstos pelo PLC 116/2010 (antigo PL 29) serão positivos para o país?
B.R. – Tem mais assinante de TV por assinatura em Buenos Aires do que em todo o país. Esse serviço é outra caixa preta que ninguém, no governo ou na Anatel, quer abrir. As empresas de TV por assinatura cobram os olhos da cara e empurram um lixo cultural que os consumidores não querem, não pediram, mas têm que pagar por ele. Você compra o campeonato brasileiro, mas tem que levar junto mais de 50 canais, até aqueles que fazem proselitismo religioso. Parece que as operadoras de TV a cabo têm um salvo-conduto para descumprir o Código do Consumidor e fazer venda casada. Não é a toa que TV a cabo pirata é um dos principais ramos de negócio da bandidagem nas favelas. A população dessas comunidades paga menos de 1/3 do preço e esta receita engorda bastante o faturamento da venda de drogas e do tráfico de armas desse pessoal. Se a permissão do capital estrangeiro ou das teles neste negócio vai mudar a situação? Duvido muito. Empresas de telecomunicações não competem entre si, elas se acertam e dividem o mercado. Trata-se de um mercado naturalmente oligopolista, especialmente no que se refere a telefonia fixa. Nenhuma operadora monta uma rede de cabos de telefonia paralela à sua concorrente. Além do mais, as empresas de TV a cabo pertencem, em sua maioria, aos mesmos grupos que controlam as operadoras de telefonia. Como o povo diz: tá tudo dominado.
Trabalhador ganha metade do que ganhava 12 anos atrás
Você acredita que o Cade deve aprovar a transação no mercado das teles?
B.R. – O Cade aprovou a fusão entre Brahma e Antártica, entre Sadia e Perdigão. Por que faria diferente dessa vez?
O que a fusão da Brasil Telecom com a Oi gerou de positivo para a população brasileira?
B.R. – Até agora nada. Não houve, e certamente não haverá, geração de empregos, barateamento dos serviços ou universalização. Também não vimos aumento dos investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, muito menos no apoio e fomento à indústria nacional. Para nós, representantes dos trabalhadores em telecomunicações, são esses os parâmetros para verificar se houve ou não melhora para a população brasileira.
Essa movimentação das teles pode afetar negativamente os trabalhadores das empresas envolvidas?
B.R. – Já afetou. Muitos já foram demitidos e outros ainda o serão. Sem falar no aprofundamento da terceirização, que é uma praga do nosso setor e de todos os outros setores, diga-se de passagem. As operadoras se transformaram em cartórios e transferiram a operação, manutenção e instalação para empresas terceirizadas. Um instalador/reparador da Telebrasília, por exemplo, ganhava, 12 anos atrás, o dobro do que ganham atualmente os profissionais que realizam a mesma atividade. Também pioraram as condições de segurança e salubridade.
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Da Redação do Observatório do Direito à Comunicação