Quando jornalistas se reúnem para debater a crise na imprensa, a discussão gira em torno de perdas publicitárias, quedas nas vendas, concorrência da internet e dos jornais gratuitos e sinergia. Afinal, apesar de não ser uma empresa como outra qualquer, um jornal é uma empresa e não pode acumular prejuízos sucessivos. Ao contrário, precisa dar lucro.
‘Todo jornal está condenado a dar lucro para continuar a existir amanhã’, resume o jornalista Jon Henley, do jornal inglês The Guardian, no debate organizado pela Associação dos Jornalistas Europeus (AJE) em torno da questão: ‘A imprensa européia está em perigo?’ A mesa-redonda era uma tentativa de entender a crise que paira sobretudo na imprensa diária francesa.
A discussão teve lugar na semana passada, quando o jornal Libération, que pertence em parte (38%) ao milionário Edouard de Rothschild desde o início do ano, anunciava uma revolução no seu site e criava um conceito batizado de bimídia para reativar o jornal-papel e o online, no ano em que a versão na internet completa 10 anos. O conceito não é novo, apenas o nome. Lançador de moda, em vez de falar de ‘multimídia’, Libération prefere batizar o jornal e o site de ‘bimídia’. Só para ser diferente.
Uma única redação deverá fazer as duas versões, online e papel. A ‘otimização da redação’, anunciada pelo diretor do jornal, Serge July, não passa de uma forma de exploração capitalista, muito conhecida dos jornalistas brasileiros, acostumados à mais-valia. Afinal, o patron Edouard de Rothschild não comprou 38% das ações do jornal para perder dinheiro e já pediu um plano de reestruturação que pode se traduzir na demissão de 40 a 80 jornalistas. Na redação do Libération, jornal fundado em 1973 por Jean-Paul Sartre e um punhado de intelectuais maoístas, uma parte dos jornalistas se recusa a trabalhar para o site, outra concorda com o princípio da redação única.
Para o cadafalso
Libération tem 27 milhões de páginas lidas na internet por mês e cerca de 200 mil internautas diferentes visitando o site por dia, o que o coloca em segundo lugar, depois do Le Monde. Segundo July, o novo formato do Libé online visa a dar aos internautas mais informação, mais rapidez, mais links dentro do jornal, mas também na internet, além de mais serviços. A partir do primeiro semestre de 2006, o jornal online terá uma zona reservada aos assinantes.
Na crise dos quotidianos franceses, quem não se renova anda para trás. Para não continuar perdendo leitores, Le Figaro fez uma reforma gráfica e editorial em outubro, Le Monde anunciou um lifting em novembro e Libération prevê uma reforma gráfica para o início de 2006.
Se o quadro da imprensa européia não é brilhante, também não é homogêneo. A imprensa quotidiana francesa vai mal, mas a inglesa não vive a mesma crise. Na França, os diários vão mal, mas as revistas vão de vento em popa. Na Inglaterra, 40% da população compram um jornal diário, enquanto na França apenas 17% da população compram jornal todo dia. Na França, Le Monde e Libération custam 1,20 euro, enquanto The Guardian custa menos de 0,90 euro.
Yves de Chaisemartin, diretor-geral da revista Marianne, uma news magazine de esquerda, acha que ‘a imprensa vai para o cadafalso se continuar a perder leitores e publicidade como hoje, sem uma verdadeira revolução do conteúdo e da distribuição’.
Problema francês
Em todos os debates e nos artigos da própria imprensa, os vilões da crise francesa são a internet e os jornais gratuitos. Mas Didier Pourquery, diretor-geral de Métro, um gratuito que já se implantou em 19 países, afirma que as vendas na imprensa francesa começaram a cair antes da chegada dos gratuitos. Na Espanha, El Pais e El Mundo viram o leitorado crescer mesmo depois da chegada dos jornais gratuitos, em 2000. Mas o que ele não nega é que a imprensa gratuita tira publicidade dos jornais pagos. Para compensar as perdas, o New York Times tornou-se acionista do Métro americano. Na França, o canal TF1, campeão de ibope entre as TVs francesas, é também acionista do Métro. Se você não pode vencer o inimigo, alie-se a ele, já dizia o provérbio.
Segundo Pourquery, seu jornal não quer dar opinião, apenas informar. E não se limita a dar notícia de agências, como acusam os jornalistas que criticam os gratuitos. Ele diz que apenas 10% do material redacional são de agências, pois a maioria de seus leitores – a faixa entre 25 e 35 anos – já leu algum site de notícias quando chega ao metrô e pega o jornal gratuito. Segundo ele, 90% do conteúdo de Métro são feitos por 430 jornalistas espalhados por 19 países, formando uma única redação.
Para o jornalista Jon Hanley, correspondente do Guardian em Paris, o problema da imprensa francesa é a falta de punch, falta de agressividade, sobretudo no noticiário político. Isso talvez seja explicado pelo fato de haver um único jornal em cada segmento de leitores. Na Inglaterra, cada segmento tem, pelo menos, dois jornais disputando leitores, o que os leva a fazer tudo para manter o leitorado fiel. Este ano, o Guardian viu sua tiragem passar de 340 mil exemplares a 415 mil exemplares, depois que mudou de formato.
O debate concluiu que não existe um problema da imprensa européia, mas um problema da imprensa francesa.
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Jornalista