Está na imprensa: aquele menino de dez anos que atirou na professora e se matou teve a foto publicada, com nome e tudo. Outra professora disse que ouviu de algum aluno que o garoto tinha dito que ia matar alguém. Depois disse que não era bem isso. A professora fofoqueira foi desrespeitosa, os meios de comunicação foram desrespeitosos. E, mais do que desrespeitosos, foram fúteis em assunto que não admitia futilidade. Divulgaram informações falsas e não é porque foram induzidos a erro: queriam publicar alguma coisa, fosse verdadeira ou não.
Está na imprensa: o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, disse que os executivos da Globo eram gângsteres. Isso está no título, em letras maiores e que mais gente lê. No texto, em letras menores e que menos gente lê, a verdade (que, portanto, era conhecida, mas foi ignorada para atingir alguém de quem o repórter não gosta): “Eles são gângsteres, disparou Andrés Sanchez em tom de brincadeira”. Transforma-se uma brincadeira entre amigos numa frase ofensiva com objetivos específicos: influir na política do futebol. Sanchez, aliás, é vítima constante: outro cavalheiro, referindo-se a um problema de plástico contaminado produzido e distribuído por uma gigante do ramo petroquímico, insinuou que o presidente do Corinthians, dono de uma pequena empresa de sacos plásticos do outro lado do país, poderia estar envolvido.
Está na imprensa: o PSD, o 28º partido político brasileiro, teve o registro aprovado pela Justiça apesar das suspeitas de falsificação de assinaturas. O PSD provocou muita ira: alguma justificada (é partido demais, é uma legenda que tende a apoiar governos diversos, é um partido que se intitula social-democrático mas que não definiu sua ideologia), boa parte injustificada (um jornal chegou a mandar repórter para uma cidadezinha no interior do Tocantins só para apurar se ali havia assinaturas falsas – algumas dezenas, quando a exigência envolve centenas de milhares espalhadas pelo país). Pois bem:
1. Entre as assinaturas postas em dúvida, estavam as de três fundadores do partido, o vice-governador paulista Guilherme Afif Domingos, o secretário da Justiça paulistano Cláudio Lembo, o secretário de Finanças paulistano Marcos Cintra, os três tão responsáveis pelo PSD quanto o prefeito Gilberto Kassab.
2. Se a Justiça aprovou a criação dos partidos, isso significa que as assinaturas não eram irregulares.
A propósito, as assinaturas não significam adesão ao partido: significam apenas apoio à sua criação. É possível apoiá-lo por achar que terá uma contribuição a dar ao país, mas nele não ingressar por discordar de suas propostas. Isso é outro ponto que faltou nas matérias publicadas sobre o tema: quem assinou foi tratado como membro do partido, não como simples apoiador. Sempre haverá quem seja apoiador e integrante, mas isso não é obrigatório, nem comum. Alguém acha que um daqueles partidos naniquinhos tem 500 mil integrantes – que, aliás, nem votam neles?
Os grandes meios de comunicação são essenciais e, por enquanto, insubstituíveis. Blogs e outras formas alternativas são úteis, mas trabalham na interpretação dos fatos levantados pela grande imprensa, ou em nichos que a grande imprensa deixou inexplorados. Mas isso não dá aos grandes meios de comunicação o direito de ser imprecisos, tendenciosos ou desrespeitosos, a menos que queiram igualar-se aos tablóides tipo Bild ou News of the World, que não prestam.
Onde está a OAB?
O promotor Fernando Albuquerque de Souza, após uma dura troca de acusações com o advogado Cláudio Márcio de Oliveira, agrediu-o fisicamente. Terá o fato ocorrido na comarca de Xiririca do Extremo Oeste? Não: ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, o mais movimentado do país.
Não há dúvida sobre o início da agressão: a cena foi gravada e a própria juíza informou que as agressões foram iniciadas pelo promotor. A Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo, declarou que os fatos são “inadmissíveis”, que “não serão tolerados” etc., etc. E daí? Daí, nada. Quando escritórios de advocacia foram invadidos e seus titulares presos (desnecessariamente, tanto que pouco depois foram libertados pela Justiça; bastava chamá-los para interrogatório, sem o show de mídia), a OAB discutia seu direito a celas especiais, não à liberdade. Aceita-se como normal que o promotor fique ao lado do juiz, num ponto mais alto da sala, enquanto o advogado fica em nível inferior. Admite-se que o advogado seja revistado ao entrar no fórum – no fórum, não numa cadeia de segurança máxima – enquanto promotores não sofrem revista. Admite-se que as conversas entre advogado e cliente, invioláveis por força de lei, sejam interceptadas e gravadas.
É complicado. Não basta o uso dos meios de comunicação por promotores desejosos de ganhar a causa fora dos tribunais, agora vale bater em advogado? E a OAB-SP vai limitar-se a acompanhar o inquérito – quer dizer, “o rigoroso inquérito” – sem verificar se há alternativas viáveis de proteção a seus sócios?
A brasileira no topo
Um livro que em pouco tempo se tornou clássico, Jurisdições Militares e Tribunais de Exceção em Mutação, lançado na França sob a coordenação de Elisabeth Lambert Abdelgawad, editado pela Archives Contemporaines, destaca o trabalho nesta área de um único nome brasileiro, de um único nome latino-americano: o da advogada Tânia Liz Tizzoni Nogueira, criminalista com escritório em São José dos Campos, SP. Uma ação movida por Tania Liz Tizzoni Nogueira que chegou ao Supremo Tribunal Federal e foi julgada pelo ministro Celso de Mello levou o STF a regulamentar o crime de tortura, separando-o claramente do de lesão corporal. O capítulo sobre “Tribunais Militares e Jurisdição de Exceção no Brasil” é de autoria de Kathia Martin-Chenut.
Mais informações sobre o livro, em francês (ainda não há tradução para o Português) estão no endereço eletrônico Juridictions militaires et tribunaux d’exception en mutation, perspectives comparées et internationales.
Mais informações sobre Tania Liz Tizzoni Nogueira com este colunista, que tem a sorte de tê-la como advogada.
A vitória burrocrática
Faz calor, não chove, é temporada de queimadas. Até este colunista, um ser urbano que não sabe a diferença entre uma capivara e uma anta não-eleita, sabe que é época de queimadas. E como é que o país se prepara para isso?
Simplesmente não se prepara. Mas não espere ver essas notícias na imprensa. Este colunista encontrou algo interessantíssimo no ótimo blog de Ricardo Setti: o Brasil não tem sequer um avião especialmente desenhado para combater incêndios. Setti mostra a foto de um modelo de combate ao fogo: o Canadair CL-415, que até hoje o Brasil não possui. Até aí, tudo normal: mas é muito pior saber que existem substâncias específicas para retardar incêndios florestais, mas o Brasil não as fabrica nem importa por falta de autorização do Ibama – sabe como é, essas substâncias podem ser prejudiciais ao solo ou à vegetação. Mas certamente o fogo é mais prejudicial ao solo e à vegetação do que esse produto. E daí? Daí, ao que tudo indica, o fogo será vencido quando vierem as chuvas, e no ano que vem tudo recomeçará.
Alô, Setti! Guarde as fotos que em 2012 serão necessárias de novo!
Los hermanos
Por falar em assuntos recorrentes, lembremos a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Desde o início do governo Lula, em 2003, o presidente venezuelano Hugo Chávez anunciou que gostaria de investir no Brasil. O principal investimento seria a construção da refinaria, na qual a Petróleos de Venezuela S/A, PDVSA, entraria com 40%. E o dinheiro não saiu. A Petrobras começou a obra sozinha. A PDVSA mudou então o discurso: iria associar-se se o BNDES lhe fornecesse o dinheiro para os investimentos. No governo brasileiro, a Venezuela manda e não pede: apesar de ser uma das maiores produtoras mundiais de petróleo, com divisas entrando nos cofres públicos dia após dia, o BNDES concordou em financiá-la. Só que até hoje a PDVSA não conseguiu as garantias normalmente pedidas para o financiamento. A Petrobras está sozinha na obra.
Imprensa? De vez em quando, envergonhadinha, uma nota de uma coluna toca no tema. Tudo muito discreto, claro. E só falta aos hermanos pedir 40% da refinaria, porque, embora não tenham investido, sempre disseram que gostariam de fazê-lo. Só isso? Não: o sempre bem-informado colunista Aziz Ahmed, do Jornal do Commercio do Rio, conta que a PDVSA encomendou dez navios aos Estaleiros Eisa, e não pagou nenhum. Mas quer os barcos, porque diz que precisa deles.
Escondidinho
Não, caro colega: você não viu esta notícia em nenhum veículo de comunicação, a não ser que leia o blog Flit Paralisante, que trata de assuntos policiais. A notícia é que, na primeira fase do concurso para delegados na polícia paulista, houve quase 50% de faltas. Praticamente metade dos inscritos não apareceu.
Por quê? Como a notícia não foi publicada, ninguém foi atrás dela. Mas há fortes suspeitas de que o salário que São Paulo paga a delegados é pequeno demais para despertar interesse. Um delegado com 40 anos de serviço, classe especial, ganha menos de R$ 9 mil mensais. Imagine os iniciantes.
Livros, livros a mancheias
Há coisa fina na praça:
1. Adriana Carranca, ótima jornalista de O Estado de S.Paulo, lança na quarta-feira (5/10) O Afeganistão depois do Talibã. O livro é consequência de duas viagens de Adriana ao Afeganistão, uma em 2008, outra em 2011. Retrata a vida de onze pessoas, entre elas a primeira mulher candidata à Presidência, um talibã, um senhor da guerra, um evangelista brasileiro, um médico da Cruz Vermelha, uma lutadora de boxe. Adriana Carranca é famosa por sua capacidade de elaborar bons perfis. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP, loja pequena.
2. Domingos Pellegrini, escritor de primeiro time, dono de uma narrativa primorosa, colocou nas livrarias Herança de Maria. Personagem principal: sua própria mãe, que nasceu numa família pobre do interior do Paraná, foi dona de pensão, esbofeteou o militar que queria prender seu filho e, com as mãos, abaixou seu fuzil – em suma, uma mulher forte, um grande exemplo.
Um dilema: aos 80 anos, Maria está mal, em vida vegetativa. E o filho tem que decidir se a vida dela está em suas mãos ou nas mãos de Deus.
3. Antes de virar repórter, antes de criar a figura do repórter showman, Maurício Kubrusly foi um excelente chefe de Redação: comandou a notável sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, indo em seguida para o Jornal da Tarde. Conhece reportagem, conhece texto, conhece tudo. Aproveitando sua experiência de repórter do Fantástico, Kubrusly pôs nas livrarias seu Me Leva, Mundão. Há de tudo: de personagens e casos curiosos no Brasil até atrações internacionais, como uma loja de lingerie em Dubai (será que a secretária Iriny Lopes, aquela que reprova Giselle Bundchen, aprovaria a loja?); uma academia de boxe feminino em Tóquio. Quem conhece o estilo de Maurício Kubrusly sabe o que esperar: um livro agradável, bem escrito, com detalhes que a outros passariam despercebidos.
A viagem da vida
Há certas peças de teatro que não vale a pena perder. Esta, por exemplo; e por dois motivos, o primeiro sua qualidade, o segundo que foi montada sem nenhum dinheiro público (o que, no Brasil de hoje, é fenômeno único). Será exibida por seis dias (5, 6, 12, 13, 19 e 20 de outubro), em São Paulo, sempre às 20h, no teatro Anchieta, do Sesc Consolação, Rua Dr. Vila Nova, 245.
Depois Daquela Viagem, de Dib Carneiro, conta a história de uma menina que aprendeu a viver com Aids. Baseia-se na vida de Valéria Polizzi, que tem essa experiência e escreveu um belo livro sobre ela. E mostra que, com ou sem problemas, a vida continua e merece ser vivida. Roseli Tardelli, editora-executiva e motor da Agência de Notícias da Aids, é a responsável por colocar a peça de pé com patrocínios privados. Vale a pena.
Como…
De um grande jornal, sobre uma jovem que levou um tiro:
** “Não há previsão de alta de quando será o dia que ela deixará o hospital.”
…é…
Do mesmo jornal, na mesma notícia, tratando do mesmo caso:
** “Ela não corre risco de morrer.”
Descoberto, enfim, o elixir da vida eterna: um tiro que não seja letal.
…mesmo?
De um jornal de circulação nacional:
** “Pelas estimativas do Ministério do Trabalho, os cerca de sete milhões de domésticos com carteira assinada não representam 10% do total de pessoas que trabalham em residências no Brasil.”
Fazendo as contas (e não é difícil: é só colocar um zero à direita) isso significaria que há no Brasil 70 milhões de pessoas empregadas em trabalho doméstico. Quase metade da população do país.
Mundo, mundo
Acompanhe o julgamento do médico de Michael Jackson e ligue a memória: o anestésico que ele receitava era Propofol.
Lembrou? Exatamente aquele que o dr. Roger Abdelmassih dizia receitar a suas pacientes e que, segundo ele, era o responsável por fantasias eróticas que elas julgavam reais. Elas, e também a Justiça, que o condenou por julgar que as tais fantasias eróticas não eram exatamente fantasias.
E eu com isso?
A primavera está começando, os passarinhos da árvore em frente à janela deste colunista estão forrando os ninhos, as passarinhas estão botando. Hora de assuntos mais leves, pois.
** “Figo em calda e queijo branco formam a imagem da felicidade”
** “Veado furioso ataca mulher em parque”
** “Ke$ha deixa bumbum à mostra em passeio de barco no Guarujá”
Maldade: não aparece quase nada. Aquele rapaz dos cem mil dólares na cueca (aliás, por onde andará?) tinha muito mais a mostrar.
** “Daniele Suzuki paparica o filho em restaurante”
** “Sorridentes, Kate Middleton e príncipe William inauguram hospital”
** “Justin Bieber é flagrado com cueca roxa à mostra”
** “Ex-BBB Gyselle Soares pratica budokan em Paris”
** “Lucilene Caetano posa em Ibiza com seu biquíni rosa e bem pequenino”
Deixa a ministra ver as fotos, deixa!
** “Jaque Khury toma sol em Fortaleza”
** “Site lista as atrizes da indústria pornô que são viciadas em videogame”
Alguém poderia explicar a este obtuso colunista que é que uma coisa tem a ver com a outra?
O grande título
Esta é a semana dos títulos enigmáticos (e de um, o melhor de todos, que não chega a ser enigmático, desde que o leitor disponha de um dicionário ao lado):
** “Programa malicioso para Mac se disfarça de instalador do Flash”
Qualquer nerd saberá entender do que se trata. Se o caro leitor não entender, basta consultar seu filho ou neto mais novo (quanto mais novo, melhor)
** “Por massa, São Paulo cobra menos por ingresso do que em 2009”
Felipe Massa é são-paulino, mas o título não daria sentido. Ao que tudo indica, o tricolor está cobrando baratinho para ver se consegue mais público.
E o grande título, aquele que qualquer cultor do Direito, dos dicionários, de textos antigos ou de discursos de Jânio Quadros decifrará com facilidade:
** “Juiz deprecado pode suspender execução de carta precatória para aguardar manifestação do deprecante”
“Deprecar” não é o que o caro leitor com maldade na cabeça deve estar pensando. Pode ser implorar, suplicar; ou, em linguagem jurídica, solicitar. Jânio, num de seus famosos bilhetes, dizia: “São Paulo não depreca, São Paulo exige”.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]