Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como pulverizar R$ 49 bi

Desde 2010, o governo federal se tomou de amores pela banda larga. O projeto dá ibope e dividendos eleitorais. Transformar esse tema em prioridade nacional é algo que só pode merecer aplausos. Especialmente se for para valer. Antes tarde do que nunca.

Melhor seria que o governo deixasse de lado as promessas e implementasse um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) realmente sério e ambicioso, numa grande parceria público-privada. A Telebrás ainda promete banda larga com a velocidade de 1 Megabit por segundo, que não é banda larga em nenhum lugar do mundo.

Está na hora de o governo mudar seu comportamento em relação ao confisco dos fundos setoriais, cujos recursos são destinados, por lei, às telecomunicações. Para se ter uma ideia do absurdo desse confisco, é bom lembrar que, segundo dados oficiais da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), ao longo dos últimos dez anos, a União confiscou a impressionante soma de R$ 49,009 bilhões, que eram destinados, por lei, aos fundos setoriais de telecomunicações, nas áreas de fiscalização, universalização e pesquisa tecnológica.

Não somos um país pobre, mas, sim, perdulário, que gasta muito e gasta mal. Imagine, leitor, que salto extraordinário ocorreria neste País se, apenas nos últimos 10 anos, seus governos tivessem investido essa montanha de recursos em banda larga: o Brasil poderia dispor hoje de uma das mais modernas infraestruturas de internet rápida do mundo. No entanto, em lugar de combater a corrupção cada dia maior e cortar a gastança descontrolada, os sucessivos governos têm preferido meter a mão nos bilhões reservados por lei projetos e investimentos de muito maior valor social e econômico.

Velho vício

Esse confisco de R$ 49 bilhões não é de responsabilidade exclusiva deste governo, que não completou sequer seu primeiro ano, mas, sim, de todos os governos de 2001 até hoje, período que abrange dois anos de governo FHC, oito anos de Lula e 9 meses de Dilma Rousseff. Não se trata, portanto, de nenhuma má vontade contra os governos do PT ou do PSDB, mas de uma crítica a uma atitude hipócrita de todos os governantes.

É por isso, leitor, que o governo federal tem brigado pela desvinculação total de suas receitas. Quem entrar no site www.tesouro.receita.gov.br/serviços/glossario, encontrará lá a definição de receita vinculada, como sendo aquela, cuja destinação específica é estabelecida pela legislação vigente. Não há nada mais desmoralizado na área orçamentária deste País do que as vinculações previstas na “legislação vigente”. Por isso, o governo quer gastar a seu bel prazer, sem qualquer restrição. Nem os R$ 40 bilhões anuais da antiga CPMF, contribuição criada especificamente para investimentos em saúde, foram efetivamente aplicados nesse setor.

A vaca leiteira

As telecomunicações têm sido a vaca leiteira (ou cash cow, na expressão inglesa) de todos os governos, porque a cobrança dos impostos sobre as contas telefônicas é uma das mais fáceis, mais simples e mais seguras. O governo chega a exigir o recolhimento do imposto mesmo que o assinante do telefone fixo ou celular não tenha quitado sua conta.

Além de ter recolhido aos cofres públicos mais de R$ 300 bilhões de impostos, o confisco dos fundos setoriais se distribuiu da seguinte maneira ao longo dos últimos 10 anos e 9 meses de vigência da arrecadação: a) R$ 35,267 bilhões do Fundo de Fiscalização (Fistel); b) R$ 10,802 bilhões do Fundo de Universalização (Fust); c) R$ 2,935 bilhões do Fundo de Tecnologia (Funttel).

Se a prioridade da banda larga fosse verdadeira, o governo poderia destinar o total desses recursos a coisas prioritárias do setor, como o PNBL, especialmente depois de desviar esses R$ 49 bilhões de suas finalidades específicas.

Bernardo e o Confaz

Na semana passada, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse que vai dialogar com os secretários da Fazenda estaduais integrantes do Conselheiro Fazendário (Confaz), propondo a isenção de ICMS que incide hoje sobre a banda larga popular. O ministro entregou uma carta aos membros do Confaz em que argumenta que os Estados terão maiores benefícios se aderirem e regulamentarem o convênio que isenta a banda larga popular do ICMS. A carta foi levada pelo secretário de finanças do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, presidente em exercício do Confaz, para entregar aos integrantes do Conselho, que tinha reunião na quinta-feira passada, em Manaus.

Por que não discutir uma estratégia específica para o ICMS, propondo a redução progressiva da carga brutal desse imposto que hoje onera todas as telecomunicações? Diante de uma pergunta dos jornalistas nessa mesma linha, o ministro disse: “Quando eu falo nisso (redução do ICMS para todos os serviços de telecomunicações), eles (secretários da Fazenda) retrucam: E como eu pago minhas contas?”

Se depender desses argumentos e do poder do Confaz de fixar as alíquotas do interesse dos Estados, o Brasil nunca mudará a essência de sua política tributária – tão irracional que coloca o País entre os campeões mundiais de taxação de itens essenciais como telecomunicações, combustíveis, energia elétrica e água, com alíquotas que superam os 40% sobre o valor dos produtos e serviços.

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[Ethevaldo Siqueira é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]