Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Heróis e vilões do sistema

Não faz muito tempo, mais precisamente na década de 1980, surgiu um clamor no mundo ocidental, vocalizado pela mídia, pelo fim do socialismo como forma de governo. Valorizou-se, sobremaneira, a Perestroika – movimento de distinção e aniquilador do bolchevismo. Logo este movimento se estendeu à Polônia, onde havia forte resistência do governo. Precisava-se, urgentemente, de um ‘herói’ para quebrar aquela resistência polonesa. Foi então que a mídia se encarregou de fabricar um: surgiu Lech Walesa, operário, presidente do sindicato, até então recôndito, Solidariedade. De repente, a mídia mundial começou a festejá-lo freneticamente, e muito além da razoabilidade. Parecia epidemia idolátrica. O mundo descobriu Walesa. Capas das maiores revistas do mundo: Time, Week, Newsweek, Spiegel, Veja e IstoÉ aqui no Brasil. Primeiras páginas em Le Monde, Financial Times, The New York Times, Washington Post, Globo, JB, Folha, Estadão aqui no Brasil. Fora as aparições na TV, várias vezes por dia. E sempre com manchetes favoráveis e efusivas.

A ‘grande agiotagem internacional’ precisava de um herói polonês para dirigir as reformas no país, que o mundo capitalista exigia; e Walesa se encaixava no perfil. Tinha credibilidade, carisma – era operário. Ninguém reunia melhores condições para o momento. Envaidecido com toda aquela pompa e aclamação, Walesa foi alçado ao poder e cumpriu ipsis litteris tudo que lhe foi proposto pelo FMI, entregando a Polônia nos braços ávidos do capitalismo voraz universal. Desgastou-se tanto com o resultado da ‘empreitada’ que na tentativa de reeleição obteve míseros 2% dos votos. Passou a ser rejeitado até pelos serviçais dos palácios onde era recebido, outrora, com galhardia. Mídia? Nem nas páginas policiais. Virou ‘laranja chupada’. Tal como leproso, ninguém queria mais estar próximo.

A preocupação é estarmos vivendo a versão tupiniquim do ‘herói’ polonês. A verdade é que hoje, depois de 500 anos de história, temos um presidente operário. O que tem o operário de especial dentre os seres humanos? Talvez a esperança. Sentimento que acompanha todos os operários durante toda a vida. Talvez o fato de ter sido vítima de muitas injustiças ou tê-la presenciado, cotidianamente. Mas um fato chama a atenção: desta vez, os meios de comunicação, historicamente ligados às elites e ao poder econômico, não apresentaram ‘suas armas’ contra esta candidatura, como nas outras eleições. Mudaram as elites ou mudaram os líderes operários?

Catecismo alienígena

Na verdade nem tanto, nenhum dos dois. Esperávamos que as elites tivessem mudado, mas… Um exemplo claro vem da Venezuela, onde as elites locais tiveram seus interesses contrariados. E, como não poderia deixar de ser, a mídia, novamente a mídia, não só a venezuelana mas também a brasileira, logo se fizeram presentes nesta cruzada golpista, porque o presidente venezuelano não está na lista dos seus ‘heróis’.

A maior rede de TV do Brasil têm apoiado e prestigiado os atos deste nosso presidente operário. Todos sabem das dificuldades econômicas que esta rede atravessa. E aguarda ansiosa a liberação de empréstimo, ou seja lá que outro nome se lhe dê, pleiteado ao BNDES. Se esta verba não sair, ‘o pau vai comer’. Sabemos com sobras da vulnerabilidade das idéias do nosso povo quando bombardeadas pela grande mídia eletrônica. Não precisamos nem discutir este particular. Mas só o fato de a grande mídia brasileira ter apoiado a eleição deste presidente operário e estar agora a favor das propostas de reformas (da Previdência, com taxação dos aposentados, e Tributária, com privilegiamento de alguns estados) deixa-me profundamente preocupado. Esta grande mídia, principalmente a eletrônica, jamais apoiou qualquer mudança que favoreça o Brasil e seu povo. Ela reza, e muito bem rezado, no catecismo do capital alienígena. Vide a recente campanha em prol das privatizações.

Por que a grande mídia apóia o presidente operário? Tenho me perguntado. Patriotismo? Desejo de ver as coisas darem certo? Apreço pelo povo brasileiro? Duvideodó! Pelo menos por enquanto, a coisa gira em torno de interesses escusos.

Alguém pode basear-se no caso Waldomiro Diniz para contradizer o que digo, argumentando que a mídia não é tão complacente assim com o governo do ‘operário’. Ocorre que se procurarmos os sinais nas entrelinhas chegaremos a uma boa suspeita: o caso foi levantado em veículo secundário (revista Época). As grandes redes de TV só o ‘repetiram’, principalmente a Globo. Mas mantiveram o escândalo sob controle, não deixando que houvesse expansão da denúncia, segurando os desdobramentos. Exatamente o contrário do que fizeram nos casos do Propinoduto e de Chiquinho da Mangueira, explorados à exaustão. Que suspeitas vêm à tona? Voltando à situação econômica de vários veículos de comunicação, principalmente o maior, não será este caso Waldomiro uma cobrança, velada, pela liberação do empréstimo/doação do BNDES?

Prestem atenção

Como lembrou no Observatório o leitor Marcel Leal:

‘Posso estar errado, mas o papel do grupo Globo no caso de Waldomiro Diniz parece o de quem envia um recado. Enquanto a Época escancarava sem dó o escândalo que vai marcar o PT para sempre, a TV Globo e o jornal O Globo diluíam o assunto no meio de várias notícias positivas para o governo, sempre procurando proteger José Dirceu e Lula do escândalo. A mim parece que o grupo mandava um recado: se não ficarmos satisfeitos, o que só a Época fez será feito também pelo Globo e a TV Globo. Se for isso, tem a ver com o desespero da Globopar, empresa com R$ 7 bilhões de dívidas que está, na prática, pré-falida. Não tem como pagar isso, a não ser que o BNDES a socorra, claro. Será paranóia minha?’

Vejam o que disse o sociólogo argentino Atílio Boron, do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, sobre o espaço e a direção que a mídia tem dado ao presidente operário, publicado da revista Cadernos do Terceiro Mundo, edição nº 248:

‘Vistas a partir da Argentina, as políticas que estão sendo seguidas agora no Brasil, com taxa de juros fenomenais, parecem inspirar-se nas mesmas idéias que provocaram o colapso econômico por aqui. Tomara que o Brasil reaja a tempo e evite a repetição do desastre argentino.

‘Relendo os jornais da época de Menem, nos anos 90, encontramos os mesmos elogios que hoje são cantados a Lula. Os aduladores eram os mesmos: os especuladores financeiros, o diretor-gerente do FMI, o presidente do Banco Mundial, o secretário do Tesouro dos EUA, a Casa Branca, os líderes do G-7, a imprensa internacional. O que hoje dizem de Lula é o mesmo que diziam de Menem: um governo sério, que havia abandonado suas idéias populistas e estatistas, e agora demonstrava prudência e sensatez no manejo do orçamento público. Que havia aprendido a ler corretamente os sinais dos mercados e que havia superado a irracional aversão populista ao neoliberalismo. Também elogiavam seus pedidos para ‘modernizar’ o sindicalismo e ‘desideologizar’ as negociações entre patrões e empregados. São os mesmos elogios remetidos hoje a Lula e ao PT’.

Será que a Argentina também é aqui?

Na Argentina, no Brasil, na Polônia, na Venezuela ou em qualquer lugar do mundo, ‘heróis’ e ‘vilões’ serão sempre reféns da grande mídia e de seus interesses inconfessáveis. Prestem atenção. Aproveitando a diretiva deste Observatório, vocês nunca mais receberão as notícias do mesmo jeito.

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Dirigente sindical