Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Nós vamos ficar cada vez mais distraídos’

Escritor, ex-editor-executivo da revista Harvard Business Review e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Nicholas Carr adora colecionar polêmicas. Em dois livros – The big switch: rewiring the world, from Edison to Google e It doesn’t matter – ele chama a atenção para a inutilidade das equipes de Tecnologia da Informação (TI) nas empresas. E defende a tese da computação em nuvem, na qual as companhias não serão mais donas de softwares e bancos de dados (administrados por equipes de TI) e tudo ficará hospedado no ciberespaço. Em um artigo publicado em 2008 na revista The Atlantic, ele perguntava se o Google estaria nos tornando estúpidos. Recebeu uma saraivada de críticas em seu blog, Rough Type. Afinal, ele insinuava que as distrações multimídias da internet serviam a tudo, menos ao conhecimento, porque limitavam seriamente nossa capacidade de atenção e foco – e, consequentemente, de aprendizado.

Semana passada, Carr esteve no Brasil para o Info Summit 2010. Em pauta, o seu novo livro, The shallows: what the internet is doing to our brains (algo como Os superficiais, o que a internet tem feito com nossos cérebros), em que desenvolve o artigo da Atlantic e defende a tese de que a internet pode, sim, emburrecer e dificultar o aprendizado — logo ela, que chegou a ser considerada a revolução na área educacional. Após o evento, o escritor falou com exclusividade ao Globo.

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‘Uma obsessão de estar no topo do conhecimento de tudo’

No livro Where good ideas come from (De onde vêm as boas ideias), o escritor Steven Johnson afirma que o ambiente caótico da internet e suas conexões são fundamentais para a inovação e ainda ajudam as pessoas a serem mais criativas. Em seu novo livro, The Shallows (Os superficiais), o senhor afirma que a internet e o excesso de informações sem profundidade que ela despeja nas pessoas estão encolhendo nossa capacidade de pensar. Quem está correto, afinal?

Nicholas Carr – É totalmente verdade que a internet permite ter a acesso a informações tão ampla e rapidamente que o compartilhamento, a pesquisa e a colaboração ficam mais fáceis. Mas o que pessoas como Steven Johnson podem estar desconsiderando é que estas tecnologias nos fazem pensar de maneira diferente, nem sempre positiva. Ou seja: o que vemos com a internet e as tecnologias digitais em geral é que toda a ênfase está no ritmo rápido de troca de informação e na capacidade de achar toneladas de conteúdo. Os aspectos básicos da tecnologia são esses: links, mecanismos de buscas, alertas, interrupções, multitarefas, multifuncionamento. Este sistema não nos encoraja nem nos dá oportunidade para fazer coisas que necessitam de atenção mais profunda.

Por exemplo…

N.C. – As coisas que, no passado, sempre foram consideradas essenciais para uma vida intelectual rica, como contemplação, reflexão e introspecção. Se você é constantemente interrompido, você nunca consegue exercitar estas formas de pensamento mais atentas e focadas. Uma das coisas que sabemos sobre a mente é que a habilidade para prestar atenção, pensar profundamente sobre algo, focar e concentrar-se de fato ativam muitos dos nossos processos cognitivos, como pensamento crítico, memória, lógica, pensamento conceitual e algumas formas de criatividade. Meu medo é que estamos perdendo nossa capacidade e habilidade para esse tipo de pensamento.

Seres humanos adoram obter novas informações, e há uma espécie de obsessão de estar no topo do conhecimento de tudo, mas isso nos empurra a uma forma de pensamento mais primitiva na qual estamos constantemente mudando o nosso foco.

‘Quanto mais focado, maior a compreensão e o aprendizado’

A ideia é que a maioria das pessoas, obcecadas em obter informações, acaba ouvindo falar um pouco de tudo, mas nada profundamente. E a maioria, fora de contexto, é isso?

N.C. – Exato. E é por isso que os chamo de superficiais: você circula com muita rapidez, obtém informações rapidamente, mas nunca vai fundo em nada.

Quais são as evidências de que a forma como obtemos informação pelas mídias digitais impede a compreensão e o aprendizado?

N.C. – Há muitos estudos sobre vários aspectos da rede, como os que comparam hipertexto a texto. Há 30 anos, quando os textos na internet começaram a usar os hipertextos, acreditava-se que estes pedaços de informação de acesso rápido complementariam o entendimento do que estava sendo dito e ajudariam a ampliar a compreensão geral. Mas o que os estudos começaram a mostrar é que a compreensão e interpretação do texto estavam mais fracas com os hipertextos, comparadas com o texto linear tradicional. E parece estar relacionado com a qualidade dispersiva do link. Mais que isso. Só na percepção, durante a leitura de que há ali um link, o seu cérebro começa a se perguntar se vale a pena ir até o hipertexto e se aquela informação fará ou não falta na leitura. Aquilo quebra o ritmo de leitura e acaba afetando a compreensão do texto. E isso só reforça a tese de que, quanto mais você está focado, maior a compreensão e o aprendizado.

‘Vamos adicionar distração e dispersão mais e mais’

Mas os educadores acham que uma das ferramentas mais preciosas para o aprendizado são os recursos multimídia…

N.C. – Os estudos não mostram isso. Multimídia requer que a pessoa mude o tempo todo o seu foco. E o fato é que, se você está o tempo todo mudando o seu foco, a sua habilidade de aprender se reduz. O que não significa que multimídia seja sempre ruim, se ela for preparada com fins específicos. Mas o problema com a internet é que ela não é desenhada por experts em educação, e você tem constantes mudanças de foco. Se você olha para o modelo básico de webdesign de mídias sociais, como Facebook, percebe que ele não é feito com a ideia de otimizar a compreensão e o entendimento. É feito com a ideia de manter a visão grudada na tela em focos de conteúdos constantemente variados e atualizados.

Ou seja, é uma tecnologia que encoraja a dispersão. E o que deixaria a rede ser menos dispersiva?

N.C. – A internet é uma ferramenta multimídia tão poderosa que ela encoraja as pessoas, sejam produtores ou consumidores de conteúdo, a ter e fazer mais e mais sem o necessário questionamento sobre qualidade, interesse e utilidade do que está ali. Você pode imaginar a internet desenvolvida de uma forma diferente, onde são filtrados todos os componentes dispersivos da maneira que um bom livro. Certas plataformas caminham para isso. O iPad, por exemplo, é um tipo mais comum de apresentação de informações até porque suas habilidades multimídias não são tão fortes. Há alguns indicativos de que talvez as pessoas queiram mais foco. Mas a tendência geral continua em direção a mais e mais dispersão.

E a tendência não teria volta…

N.C. – Exato. O que a gente sabe de empresas que produzem novos aparelhos eletrônicos é que elas competem entre si adicionando novas funções. Mesmo o Kindle, que começou como um leitor de livros, já permite algum tipo serviço de rede. O iPad já evolui para um sistema de multitarefa. Meu medo é que mesmo estes produtos que incentivam a atenção continuem a se desenvolver na direção de ter mais funções. E a realidade crua é: nós vamos adicionar distração e dispersão mais e mais. Eterna implicância com a tecnologia. Ou, pelo menos, com os profissionais do setor…

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Google vs. telefonia: uma briga dura

O entusiasta da computação em nuvem acertou em cheio quando viu na rede o habitat natural dos serviços de tecnologia que as companhias de diferentes segmentos econômicos lutam para administrar – e entender – com seus próprios recursos. De fato, a migração destes serviços para a rede tem sido intensa em mercados maduros, como EUA e Europa, mas avança devagar nos mercados emergentes, Brasil incluído, que ainda não se convenceram de que questões como segurança e privacidade estão equacionadas de modo satisfatório, a ponto de compensar os ganhos financeiros. Mas a nuvem avança, especialmente em setores que não significam o núcleo de negócios na rede – como recursos humanos ou e-mail – e só não andam mais rápido pelo temor de segurança das cúpulas das empresas e pelo temor da irrelevância das equipes de tecnologia da informação das companhias. ‘À medida que você deixa de ser dono de bancos de dados ou de programas próprios de finanças, e estas tarefas passam a ser realizadas na internet, as equipes de TI vão ficando menos e menos importantes. Daí a relutância em aceitar uma mudança nos modelos de negócios’, afirmou Nicholas Carr.

O escritor se disse surpreso com a lentidão das empresas de telefonia em responderem às necessidades da computação em rede. Para ele, estas empresas (em todo mundo) ainda não enxergam com clareza se querem ser apenas provedores do meio físico de conexão (cabos e fios), do acesso, ou do próprio conteúdo da internet. Ele disse que essa demora está colocando a saúde das telefônicas em risco porque outros atores estão entrando no palco do negócio. ‘O Google está construindo uma rede de banda larga super rápida nos EUA. Eles querem ter o domínio da infraestrutura e garantir a oferta de serviços, caso as teles usem o poder de conectividade que possuem para interferir no tráfego de dados na internet. A briga será dura’, afirmou.

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Jornalista