Noite destas, um aluno me perguntou qual a palavra que, a meu ver, melhor definiria a internet. Nem pensaria duas vezes e arrisquei de imediato: ‘surpreendente’. Porque tudo na internet traz as digitais da surpresa e de outras variantes aninhadas no vocábulo encantamento. Porque a internet é como loja de doces para crianças, livraria que dobra quarteirões para quem ama livros, sala de música imprevisível para quem encontra nas canções o combustível para levar adiante a vida, cinema multivariado para os amantes de imagens e sons, além de imenso salão para a prática de jogos. Surpreendente como só poderia ser a vida humana. É também essa imensa redação a reunir toda espécie de jornalista, comentarista, cientistas político, radialista, economista, humorista. Redação que não exige diploma nem qualquer tipo de certificação profissional, nem qualquer observância a formalidade para ser o que bem entender.
A internet assemelha-se muito àquele mundo fantástico do professor inglês Lewis Carrol – autor de Alice no País das Maravilhas. É conhecido que foi num dia de verão de 1862 que Carrol, com seu amigo, o reverendo Duckworth, e mais as irmãs Lidell, fizeram um passeio de barco pelo rio Tâmisa. Uma das irmãs, então contando 10 anos de idade, chamava-se Alice. E foi nesse passeio que Carrol – com a mera intenção de divertir e agradar suas queridas crianças – inventou boa parte das aventuras de Alice no País das Maravilhas. O imaginativo professor de matemática as inventava enquanto, animadamente, remava e as contava para as meninas, para grande espanto do amigo, que chegou a perguntar-lhe se ele já não tinha elaborado antes aquela narrativa extraordinária.
Quando acessamos um computador conectado à rede mundial de computadores, conhecida como World Wide Web (WWW), é como se embarcássemos no mesmo barco remado pelo esforçado Lewis Carrol. Temos duas opções apenas: apreciamos as histórias mirabolantes, e com elas buscamos interagir, ou pedimos desde logo para descer do barco. Esta última opção é o mesmo que desligar o computador da tomada de energia.
‘Sujo’ aqui tem outra conotação
O mundo da internet nos leva a aventuras incríveis. Ou não. O leitor deve estar já inquieto, perguntando aonde vai dar este texto. Calma, que o mundo não foi feito em um só dia e muito menos escrito em apenas um texto de 30 ou 40 linhas. Comecei a pensar em Alice e no seu universo mágico quando fiquei sabendo do sucesso que foi, no dia 24/11/2010, a primeira entrevista coletiva de um presidente da República do Brasil com a blogosfera. A entrevista que teve início às 9 da manhã, foi transmitida ao vivo pelo Blog do Planalto e foi franqueada aos internautas através de chats para perguntas e comentários. Esta coletiva recebeu outros dois adjetivos como a demarcar hipotéticas fronteiras na internet: coletiva do presidente com os blogueiros progressistas e também auto-referida por estes como sendo ‘a coletiva de Lula com os blogues sujos’.
Se denominam progressistas para firmar contraponto aos veículos de comunicação mais vistosos, de maior circulação, com maior poder de fogo econômico e com raízes na tradição jornalística nacional. São progressistas se colocados em contraposição à mídia tradicional, à grande imprensa que passou a ser vista como oligárquica e monopolista, ponta-de-lança da campanha oposicionista de José Serra na guerra para conquistar corações e mentes de leitores, ouvintes, telespectadores e de internautas.
São denominados ‘sujos’ em recentes declarações de José Serra visando a desqualificá-los e acusá-los de alinhamento com a campanha de Dilma Rousseff. O ‘sujo’ aqui é referido como o contrário de limpo e de confiável. Seria jornalismo sujo por se posicionar sempre em oposição ao discurso midiático tradicional, que luta por manter o status quo do mapa da comunicação no Brasil. Seriam merecedores do adjetivo pejorativo por se atreverem a colocar de pé cobertura jornalística independente. No caso, independente do grande capital, do patrocínio de grandes empresas, de vínculo com os grandes jornais e revistas, conglomerados de rádios e emissoras de televisão. Acontece que o ‘sujo’ aqui tem outra conotação. São aqueles blogues que incensam políticas públicas que alavancam a mobilidade social de baixo para cima, que defendem os direitos humanos e a reforma agrária e que estão sempre a postos para desmascarar complôs golpistas.
‘Pois bem, Sr. Cloaca…’
Foi pensando em Alice e no inusitado dos personagens que habitavam seu mundo, gente como o Chapeleiro Maluco, o Coelho Branco, o Gato Risonho, a Tartaruga Fingida, a Rainha de Copas, a Lagarta, o Rato, Duquesa, Arganaz, Valete de Copas dentre outros. Tinha recentemente visto o filme de Tim Burton com minha filha Lara (12) e pensei que Alice, no dia 24/11/2010, era o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os demais personagens – sempre com nomes simpáticos e em sua maior parte, engraçados – bem poderiam ser estes convidados da blogosfera.
Confiram os nomes e seus respectivos links: Teresa abra os olhos, Aposentado Invocado, O Arauto do Rei, Abobrinhas Psicodélicas, Cão Uivador, Ficha Corrida, Flit Paralisante, Cloaca News, Abunda Canalha, La Vieja Bruja, Hipopótamo Zeno, Limpinho e cheiroso, Língua de Trapo, O Terror do Nordeste, Óleo do Diabo, Onipresente, Opinião Singela, Mulheres de Fibra, Algodão Hidrófilo, Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo!, Bemvindo, Amálgama, Briguilino, Buracos da Baltazar, Náufrago da Utopia, O Biscoito Fino e a Massa, Café & Aspirinas, Soldado no Front, Somos Andando, Sátiro-hupper, Tia Carmela e Zezinho, Tijolaço, Tomando na Cuia, Blog de um sem-mídia, O Partisan, Botecoterapia, Celeuma – Jornalismo Subverso, DoLaDoDeLá, Encalhe, Escreva Lola – escreva, Esquerdopata, Eu Quero Falar, Festival de Besteiras na Imprensa, Grupo Beatrice, Guerrilheiros Virtuais, Jornalismo B, Militantes Virtuais, Mães de Maio, NaMaria News, O Correio da Elite, O Incrível Exército Blogoleone, O PTrem das Treze, O que será que me dá?, Professor Hariovaldo, Rede Blogo, Tudo em Cima, Universae, Vermelho, Viva Babel, Viomundo.
Uma simples leitura dos nomes desses sítios virtuais nos faz sorrir a meia boca pelo muito que trazem de significado à memória afetiva. Eles falam de parte de nossa vida, como em ‘náufrago da utopia’; resgatam o sofrimento das mães da Praça de Maio, na Argentina; traçam os costumes dos jornalistas virtuais em inteligente paródia a D. Quixote de Cervantes, como este ótimo O incrível exército Blogoleone. São nomes de uma singeleza e de uma poesia que, pensava, achava-se perdida há muito tempo. O que dizer de um blogue chamado Teresa, abra os olhos? E nós que conhecíamos o clássico Óleo de Lorenzo, o que dizer de outro chamado Óleo do Diabo? E os trocadilhos sempre na medida, no ponto entre a inteligência e a fina ironia? Que tal Rede Blogo, Limpinho e cheiroso e o impagável Cloaca News? A propósito deste último, não há como não melhorar uma segunda-feira qualquer conferindo o vídeo no YouTube em que o presidente Lula inicia uma resposta com o inusitado vocativo: ‘Pois bem, Sr. Cloaca…’
Interlocução privilegiada ameaçada
Ao leitor desavisado, aquele que se trancafiou em casa com medo das repetitivas notícias da grande imprensa dando conta que a liberdade de expressão encontrava-se ameaçada no Brasil, resta compreender que quem se encontra ameaçado no Brasil é o narcotráfico nos morros cariocas, e não a liberdade de expressão. De quebra, também pode estar ameaçada essa interlocução privilegiada e de mão única que os principais veículos de comunicação do país tinham por dezenas de anos com o ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto.
P.S. Também foram convidados: Beto Bertagna, Ailton, Rovai, Bemvindo, Chicão, Alê, Altamiro Borges, Bentes, Fábio Rodrigues, Jefferson Marinho, Kayser, Saraiva, Gilberto de Azevedo, Júlio Garcia, Kotscho, Júnior Miranda, Kayser, Mello, Saraiva, Edu, Baltazar, Carlos Latuff, Mario, Gilmar da Rosa, Guilherme Scalzilli, Jean Scharlau, Richard Jakubaszko, Rodrigo Vianna, Sergio Telles, Joel Santana, Juliana Weis, Leandro Fortes, Luis Nassif, Luizmuller, Milton Ribeiro…
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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter