Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Passaporte para a cobertura internacional

‘Um morto na esquina pode ser mais importante do que cem mortos no outro lado do mundo.’ Com este axioma repetido nas redações ao longo de quase um século, a imprensa construiu um modelo paroquial de cobertura e cidadania interrompido apenas no caso das grandes guerras ou catástrofes.


Os vazamentos do Wikileaks estão forçando a mídia a alargar os seus horizontes. Os editores de Internacional deveriam retribuir e eleger Julian Assange como o seu grande benfeitor, porque obrigou os veículos a ampliar o espaço e o tempo que a mídia concede à política internacional.


É inacreditável e inaceitável que um país com pretensões de grande potência como o Brasil não tenha percebido a importância do acompanhamento regular dos acontecimentos nos quatro cantos do mundo. A globalização da economia multiplica os interesses, o país dos imigrantes transforma-se rapidamente em país de emigrantes, o turismo de massas converte o mundo em parques temáticos, mas nossa mídia continua olhando para o umbigo. Sai mais barato.


Olhos no mundo


Grandes cadeias de rádio têm programas sobre restaurantes, vinhos, shows, informática, medicina, psicologia e até moda, mas não se lembram de acompanhar regularmente o que se passa no exterior. Não fosse o serviço em português da BBC, o cidadão engarrafado no trânsito não teria qualquer chance de saber que Angola – a parceira estratégica do Brasil na África – aboliu as eleições e voltou a ser um regime totalitário. Como sempre foi desde a sua independência.


É verdade que o público consumidor de informações também não sabe o que se passa no Recife, Porto Alegre ou Belo Horizonte. De Brasília temos notícias sobre a Praça dos Três Poderes, o Quarto Poder raramente vai à Esplanada dos Ministérios. Nossos turistas enchem as lojas de Buenos Aires, mas não se interessam em saber como está se saindo a enlutada Cristina Kirchner.


Nem sempre foi assim: no passado nossa mídia alcançava um público menor, em compensação oferecia-lhe mais substância. Este observador, recentemente, ao examinar as primeiras páginas dos principais jornais do Rio, então capital federal, do dia 30 de janeiro de 1933 – quando Adolf Hitler seria empossado chanceler –, teve a grata surpresa de encontrar um fartíssimo material sobre a política alemã. Sem internet, televisão ou diários globais, os editores dos jornalões de então perceberam a importância da troca de governo na República de Weimar e sentiram-se compelidos a compartilhar este material com os leitores.


A Guerra Civil espanhola mobilizou nosso país entre 1936 e 1939, hoje ninguém quer saber o que está acontecendo com o juiz Baltazar Garzón ameaçado de ser cassado porque o judiciário quer manter enterrados todos os crimes que então foram cometidos.


Compulsão novidadeira


Hoje, com o acesso facilitado às novas tecnologias e o número cada vez maior de jornalistas brasileiros residentes no exterior, chama a atenção a pobreza dos nossos telejornais em matéria internacional. A portentosa Globo continua olhando o mundo por intermédio dos repórteres da sua sucursal em Nova York. As demais redes, nem isso.


Julian Assange arrombou as pautas convencionais e está obrigando a mídia a sair da província. Mesmo com revelações pouco relevantes, fragmentadas, este anarquista digital está forçando novos horizontes, abrindo fronteiras, criando novos mercados, estimulando novos interesses.


É possível que não fique muito tempo em evidência, a compulsão novidadeira do ciberespaço certamente o tirará do foco dos holofotes. O Wikileaks, porém, serviu para tirar os passaportes da gaveta.


 


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Análises na página da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (em espanhol)