Dize-me com quem andas e te direi quem és, ensina a sabedoria popular. Cada vez mais ando com cidadãos simples e suas instituições representativas, à distância do poder institucional. Minha relação é travada com pessoas do povo e o critério que a mantém é o da verdade, do respeito mútuo, da força da inteligência. Os parâmetros do conhecimento, do saber e da informação delimitam esse relacionamento.
Por isso, recebi com muita honra e alegria a inclusão do meu nome entre cidadãos de quatro continentes premiados pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, cujos nomes foram anunciados na semana passada. Fui o primeiro brasileiro contemplado com essa premiação. O CPJ, com sede em Nova York, é uma organização civil sem fins lucrativos. Seu objetivo é defender a liberdade de imprensa em todo o mundo, denunciando os que a violam e premiando aqueles que a exercitam ou a defendem.
Na nota que justificou a seleção, o CPJ diz a meu respeito: ‘Lúcio Flávio Pinto, como proprietário e editor da publicação quinzenal Jornal Pessoal, cobre uma área que é quase duas vezes o tamanho do Texas. Ele tem corajosamente informado sobre o tráfico de drogas, a devastação ambiental e a corrupção política e empresarial na vasta e remota região amazônica brasileira, um dos locais mais perigosos da América Latina. Fisicamente agredido e ameaçado de morte, ele também enfrenta uma constante enxurrada de ações civis e criminais com o propósito de silenciá-lo’.
Direitos violados
Devido a essa atuação, diz a nota, divulgada em várias línguas simultaneamente, o editor do Jornal Pessoal ‘tem sido ameaçado e submetido a uma onda de processos espúrios. Um poderoso proprietário de mídia local [Ronaldo Maiorana] agrediu Pinto em um restaurante em janeiro, com socos e chutes. Os guarda-costas do agressor deram cobertura durante o ataque. Em seu pequeno jornal quinzenal, Pinto desafiou a dominação do proeminente grupo de mídia. Em retaliação, os diretores da empresa lançaram uma onda de processos contra ele’.
Informa ainda a nota do CPJ que ‘juízes, políticos e empresários também entraram com ações civis e criminais contra Pinto, que expôs a grilagem de terra rica em madeira nobre por corporações, assim como a corrupção envolvendo títulos de terra’.
Meu nome foi incorporado a uma relação de premiados que inclui outros dois jornalistas e uma advogada da China, Uzbequistão e Zimbábue. Segundo as informações fornecidas pelo CPJ, o jornalista chinês Shi Tao é editor do Dangdai Shang Bao, um jornal de economia chinês. Por ter divulgado seus ensaios sobre reforma política, publicados em sites de notícias originários de outros países, ele foi condenado e cumpre atualmente uma pena de 10 anos de prisão por ‘vazar segredos de Estado para o exterior’.
Já Galima Bukharbaeva foi correspondente no Uzbequistão do Institute for War & Peace Reporting (Instituto de Informação para a Guerra e a Paz). Em maio, ela arriscou sua vida cobrindo o assassinato, pelas tropas do governo, de centenas de manifestantes na cidade de Andijan, Bukharbaeva. Agora, exilada nos Estados Unidos, enfrenta processos criminais por suas reportagens sobre a crise de Andijan, a tortura policial e a repressão a ativistas islâmicos.
Beatrice Mtetwa é advogada especializada em mídia. Atua há vários anos como defensora da liberdade de imprensa no Zimbábue, país africano no qual as violações aos direitos fundamentais são constantes, inclusive contra jornalistas. Apesar de já ter sido presa e agredida, ela se manteve no seu ofício. Recentemente, conseguiu a libertação de vários jornalistas que enfrentavam acusações criminais no Zimbábue, dentre os quais dois repórteres londrinos presos durante a fortemente controlada eleição presidencial em abril.
Silêncio eloqüente
O CPJ também vai homenagear Peter Jennings, durante vários anos âncora do ABC News, conferindo-lhe o Burton Benjamin Memorial Award. O pessoal do comitê o comunicou sobre sua indicação poucas semanas antes de sua morte, em agosto (registrando-a aqui, disse que era meu âncora favorito). Em 41 anos como correspondente e comentarista, Jennings cobriu quase todos os momentos históricos marcantes da história recente em muitos pontos do mundo, tornando-se credor de admiração por sua competência e seriedade.
Paul Steiger, presidente da diretoria do CPJ e editor-executivo do The Wall Street Journal, o mais influente no mundo dos negócios, disse em sua mensagem que as pessoas premiadas ‘nos inspiram a todos’: ‘Enfrentando grandes perigos, eles mostraram extraordinária bravura, tenacidade e dedicação em defender o livre trânsito de informações’. A diretora-executiva do CPJ, Ann Cooper, completou: ‘Por seu trabalho, esses jornalistas foram atacados de várias maneiras por pessoas poderosas determinadas a esconder suas ações’.
Os prêmios serão entregues em 22 de novembro, durante o 15º jantar anual de premiação do CPJ no Waldorf-Astoria em Nova York.
A propósito da premiação, dei a Elias Ribeiro Pinto uma entrevista, publicada na sua coluna no Diário do Pará, que pode ser lida aqui. A coluna do meu irmão foi um dos poucos espaços da grande imprensa que registraram o fato. O silêncio foi quase total, o que não me abate, mas me mostra com crueza o tamanho do desafio que ainda me espera.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)