O objetivo deste trabalho é apresentar alguns desafios do jornalismo no que diz respeito ao processo de produção e difusão da notícia por meio das tecnologias digitais, dentro do contexto da convergência midiática. O impacto das tecnologias digitais está transformando o jornalismo e o papel do jornalista, apontando para a necessidade de uma mudança na formação do jornalista profissional para que possa atuar com ética e responsabilidade dentro de uma sociedade democrática cada vez mais participativa.
A queda de circulação dos jornais impressos vem sendo percebida desde meados do século 20 em todo o mundo. As causas para a redução de leitores são muitas, como apontam Righetti e Quadros (2008), baseados em autores como Meyer (2004) e Boczkowski (2004), e ‘variam desde a concorrência de outros meios de comunicação mais `atraentes´, como a própria TV, à queda do hábito de leitura e seu incentivo nas escolas’, além de apontarem para o fato de que a ‘internet acelerou uma crise já existente’.
Apesar disso, a última década do século 20 foi positiva para a mídia nacional, uma vez que jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão se modernizaram, tanto no aspecto tecnológico, como no editorial. O contexto da década de 1990 apresentou condições econômicas favoráveis e as empresas de comunicação desenvolveram mega projetos e se modernizaram, contraindo dívidas em moeda estrangeira, o que, no início deste século, acabou comprometendo o sucesso e os planos de expansão que vinham sendo obtidos na década passada (MATTOS, 2005).
Em meados da década de 1990, a mídia festejava, com lucros, o Plano Real e o aumento da circulação média dos jornais, que cresceu de 4,3 milhões em 1990 para 6,6 milhões de exemplares em 1995, até atingir o pico de 7,9 milhões de exemplares/dia em 2000. De acordo com a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entre 1990 e 1999, o crescimento foi da ordem de 69,43%, registrando uma média anual de 7,5%. No ano de 2001, o Brasil tinha 1.980 jornais, sendo 491 deles diários. Em 2008, de acordo com as estatísticas da ANJ [o número total de jornais brasileiros em circulação, tomando por base as informações da ANJ, ABRE, ADJORI/SC, ADJORI/RS, ADI/Brasil e Mídia Dados, inclui também jornais com circulação semanal, quinzenal, mensal, bissemanal, trissemanal e de outros tipos de periodicidade. Em 2006, por exemplo, existiam no país, em circulação: 532 jornais diários, 1.531 jornais semanais, 420 quinzenais e 378 mensais entre outros], o número de jornais em circulação no país registrou um crescimento significativo em relação ao total existente em 2001. Em 2008 a ANJ contabilizou 4.103, sendo 673 deles jornais diários.
Em meados da década de 1990, a mídia festejava a televisão paga, os avanços tecnológicos, a internet, a abertura do mercado de telecomunicações, o surgimento de novos serviços e o fim do monopólio estatal da telefonia. A partir de 1995, a maioria dos jornais investiu na informatização das redações e na compra de novas impressoras, quando foram investidos cerca de 700 milhões de dólares (MATTOS, 2005). Em 1995, os quatro mais influentes jornais do país (O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo) aumentaram a circulação paga de 490,2 milhões em 1994 para 535,5 milhões de exemplares/ano em 1995. O faturamento em publicidade aumentou 67%, de 900 milhões de dólares para 1,5 bilhão de dólares.
O contexto econômico-financeiro positivo e a estabilidade cambial apontavam para novos investimentos, estimulando as empresas para a formação de conglomerados de mídia. O exemplo de sucesso era o padrão adotado pelas organizações Globo, com investimentos em jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, TV por assinatura, além de empresas de distribuição de conteúdo, de informação e serviços financeiros, e outros.
Exemplos dos investimentos feitos pelas empresas de comunicação foi o novo parque gráfico do grupo Folha, inaugurado em 1995, em Tamboré, São Paulo, no qual foi investido um total de 120 milhões de dólares. Em 1996, o grupo inaugurou o provedor de acesso à internet UOL (Universo Online) e criou a Plural, gráfica comercial, em parceria com a norte-americana Quad Grafics. Em 1999, o grupo Folha lançou o jornal Agora e, em 2000, em parceria com as Organizações Globo, o jornal Valor Econômico. Por sua vez, as Organizações Globo lançaram, em 1998, simultaneamente, dois novos veículos: o jornal Extra, no Rio de Janeiro, e a revista semanal Época, em São Paulo. Em 2001, compraram e reformularam o Diário Popular, relançando-o como Diário de S. Paulo. Para garantir a qualidade gráfica e editorial de seus jornais, o grupo Globo inaugurou em 1998 o seu parque gráfico em Duque de Caxias, Rio de Janeiro (MATTOS, 2005).
Queda de circulação e de assinantes
No final do século 20, as empresas de comunicação amargaram alguns prejuízos e o novo século começou registrando uma queda na circulação da mídia impressa, retração no bolo publicitário e uma dívida acumulada de 10 bilhões de reais – e as Organizações Globo respondem por 60% deste total (LOBATO, 2004). O novo século começou registrando uma queda na circulação da mídia impressa, retração no bolo publicitário e crescimento das dívidas. Segundo dados divulgados pela Folha de S.Paulo, no período de 2000 a 2002, a circulação das revistas caiu de 17,1 milhões para 16,2 milhões de exemplares/ano, enquanto a de jornais caiu de 7,9 milhões de exemplares/dia para 7 milhões. O bolo publicitário decresceu de 9,8 bilhões de reais em 2000 para 9,6 bilhões de reais em 2002. Em 2003, segundo dados do Grupo de Mídia de São Paulo, o investimento em publicidade no país foi de 5 bilhões de dólares (MATTOS, 2005).
Em 2010, acompanhando a boa situação econômica do país no final desta década, a mídia impressa registra números positivos que indicam uma recuperação do setor. De acordo com números da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) referentes a 2008, o segmento de jornais impressos no Brasil é constituído por 4.103 jornais, dos quais 673 são diários. A circulação média diária dos jornais pagos atinge o total de 8 milhões 193 mil exemplares por dia, sendo que um pouco mais de 50% desse total, 4 milhões e 200 mil exemplares/dia são de responsabilidade de jornais afiliados ao IVC – Instituto de Verificação de Circulação, que atesta a circulação declarada pelos jornais, baseando-se em auditagens periódicas. Se considerarmos apenas os números absolutos constata-se que houve um crescimento na venda de exemplares: no ano 2000, quando a crise já atingia o segmento, a circulação nacional, de acordo com dados da ANJ e do IVC era de 7 milhões 883 mil exemplares/dia e em 2009 o total foi de 8 milhões 193 mil (Quadro I, mostra circulação diárias no período de 2000 a 2009).
Apesar de uma oscilação para menor ao longo dos primeiros três anos da primeira década deste terceiro milênio, o segmento aparentemente conseguiu se equilibrar e já registra evidencias positivas de reação. Esta perspectiva de melhora não é compartilhada por Righetti e Quadros (2008), que fazendo uma análise do setor a partir de um recorte, considerando dados estatísticos dos dois maiores jornais do país, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, que apontam para uma queda livre na circulação e na receita dos jornais, dizem:
‘Na Folha de S. Paulo, a média diária de exemplares caiu de 606 mil, em 1995, para 308 mil, em 2005, o que significa uma redução de 49%. Essa queda deve-se, sobretudo, à redução do número de assinantes, que diminuíram em 38% no período, passando de 440,3 mil , em 1995, para 272, 4 mil, em 2005. No jornal O Estado de S. Paulo, a circulação passou de 381 mil exemplares, em 1995 para 230,9 mil, em 2005, o que representa uma redução de 39%.Vemos que a redução também está associada à fuga de assinantes, que diminuíram em aproximadamente 45% em cinco anos, passando de 351, em 2000, para 195 mil, em 2005′ (RIGHETTI & QUADROS, 2008).
Eles apontam que a queda da circulação e do número de assinantes dos dois jornais está diretamente relacionada com o fato dos leitores terem acesso às informações via internet: ‘Se antes as assinaturas dos jornais possibilitaram que o consumidor deixasse de ir à banca, hoje ele não precisa ir sequer à garagem de sua casa ou à portaria do seu prédio. O jornal está disposto, eletronicamente, em seu computador. É, simplesmente, uma nova forma de distribuição da informação.’
A redistribuição do bolo publicitário
Na análise feita, Righetti e Quadros (2008) identificam possíveis causas para a queda de circulação e de assinantes dos dois jornais:
‘No início da grande e atual crise do jornalismo impresso, na década de 1990, uma das principais estratégias adotadas pelas empresas de comunicação para aumentar a circulação dos jornais foi os chamados `anabolizantes´ – fascículos que acompanham periodicamente o jornal, como enciclopédias e livros. Em curto prazo, houve resultados satisfatórios para jornais como a Folha de S.Paulo, que observou um crescimento de 50% nas vendas em banca em 1995 por causa dos anabolizantes. A venda de fascículos integrada ao jornal passou a ser considerada um novo modelo de negócios para as empresas de comunicação, já que alguns anabolizantes passaram a ser produzidos internamente pelos grupos de comunicação, como as publicações do Publifolha, a divisão de publicações do grupo criada em 1995. Mas a estratégia de venda de fascículos, adotada com objetivo de estimular as vendas, apesar de ser mantida até hoje em várias partes do mundo, não foi sustentável. O que se observa é que as vendas em bancas regridem a cada termino de campanha dos anabolizantes e as assinaturas – principal fonte de receita de vendas dos jornais (em média correspondem a 80% da receita de vendas) – continuam em queda’ (RIGHETTI e QUADROS, 2008).
As observações de Sabine Righetti e Ruy Quadros são relevantes, mas de acordo com a tendência apontada pelos dados do IVC – Instituto Verificador de Circulação para esta década, está havendo um equilíbrio entre venda avulsa e assinatura dos jornais diários brasileiros. Ao longo desta década, alguns jornais cujas tiragens despencaram em função da crise, estão sendo recuperadas, aos poucos, por meio de campanhas de assinaturas e não mais por meio dos chamados anabolizantes, apesar de alguns brindes ainda serem oferecidos a novos assinantes. Os dados do Quadro II (o Quadro II apresenta um perfil percentual das vendas dos jornais diário por ano) apontam, por exemplo, que no ano de 2009 os jornais estavam conseguindo vender diretamente ao consumidor em banca 50,82% da tiragem e que as assinaturas representavam 49,18% das vendas.
Complementando esta perspectiva de crescimento do segmento, Marcio Renato dos Santos (2009) diz que ‘a circulação de jornais no país, diferentemente do que acontece nos EUA, pulsa em outra vibração. Em 2005, o crescimento em relação ao ano anterior foi de 4,1%. Em 2006, 6,5%; em 2007, 11,8%; e, em 2008, 5%’.
Os dez maiores jornais do Brasil foram responsáveis, no ano de 2009, pela circulação aproximada de 25% do total de jornais vendidos por dia, englobando-se aqui a venda avulsa e as assinaturas. Em 2009, de acordo com dados do Projeto Inter-meios, o segmento jornal absorveu 14,08% do bolo publicitário, correspondendo a R$ 3.134.937.206,00. Isto significa que o segmento perdeu o equivalente a 7,6% do total do bolo publicitário entre os anos de 2001 e 2009. A partir de 2001, quando o segmento jornal teve uma participação de 21,7% e o segmento revista 10,8% nos dispêndios publicitários, a mídia impressa tem registrado uma queda no faturamento. Considerando que os segmentos TV e Rádio apresentaram pouca oscilação, a mídia impressa diminuiu sua participação devido ao crescimento do investimento publicitário alocado, ao longo desta década, nos segmento de TV por assinatura e Internet, como pode ser verificado no Quadro III (o Quadro III apresenta o percentual de investimentos publicitários alocados por segmento). A multiplicidade da oferta de novos veículos de comunicação (BRITTOS, 2000) está sendo diretamente responsável, portanto, pela redistribuição do bolo publicitário.
‘Um vínculo de cumplicidade com o leitor’
‘O mercado publicitário tende a caminhar para onde está o maior número de pessoas (receptores da publicidade). Por essa lógica, se a internet continuar atraindo cada vez mais usuários, é possível esperar uma movimentação da receita publicitária para a mídia online. No Brasil, a audiência da internet ainda deixa a desejar. Os números otimistas do Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br) mostram que, aproximadamente, 30% da população tem acesso à rede, sendo grande parte dos acessos realizados na região Sudeste – a título de comparação, temos que, nos Estados Unidos, cerca de 90% da população tem internet. Vale, no entanto, destacar que o número de usuários de internet no Brasil aumentou cerca de 46% durante os cinco anos analisados (2001-2005). Esse número tende a crescer com iniciativas publicadas e privadas de inclusão digital, com a inserção do computador na escola e com um relativo barateamento que tem sido observado na aquisição de computadores domiciliares’ ( RIGHETTI e QUADROS, 2008).
Em meados desta primeira década do século 21, as alternativas de sobrevivência da mídia impressa apontavam para parcerias, fusões e o aporte de capital estrangeiro com o objetivo de enfrentar as mudanças que estavam sendo impostas pelo próprio mercado. Nesse período foram processadas algumas parcerias bem sucedidas, a exemplo das Organizações Globo e do grupo Folha que lançaram o Valor Econômico, enquanto O Dia e o Jornal do Brasil passaram a imprimir os dois jornais no mesmo parque gráfico. No final da década, o Jornal do Brasil, que foi o primeiro a lançar o jornal online no país, foi também o primeiro a deixar de circular na versão impressa, o que ocorreu no dia 31 de agosto de 2010, quando o JB passou a ser lido apenas na versão eletrônica [em 2006, o Jornal do Brasil abandonou o formato standard tradicional, adotando o formato europeu, também conhecido como berlinense, um pouco maior do que o tabloide. A partir de 1º de setembro de 2010, o JB passou a ter apenas a versão eletrônica. O JB Digital foi priorizado como recurso para resolver problemas financeiros que vinham se acumulando com as dívidas trabalhistas]. Vale ressaltar que no dia seguinte (01/09/2010) o acesso ao JB Online teve um crescimento de 92% na quantidade de acessos.
No dia 31 de agosto de 2010, foram registrados 340 mil acessos enquanto no dia primeiro de setembro o número de visitas foi quase o dobro: 650 mil acessos. Segundo informações do JB Online, durante os primeiros 15 dias, as notícias veiculadas no site do JB tiveram acesso gratuito. A partir daí o noticiário só pode ser visualizado por assinantes, pois a empresa passou a cobrar um valor de R$ 9,90 por mês, equivalente a 20% da assinatura da versão impressa.
A decisão do Jornal do Brasil, considerada radical por muitos, não parece ser indicador de que esta será a tendência imediatista para o segmento impresso, pelo menos aqui no Brasil. Entretanto, deve ser salientado que o exemplo do Jornal do Brasil, que foi o primeiro jornal brasileiro a disponibilizar conteúdos na internet, é também o primeiro no Brasil a mudar radicalmente de plataforma. Sobre isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em artigo assinado, destaca a ousadia e o pioneirismo do JB. O artigo foi publicado na primeira versão totalmente online do JB:
‘A partir de hoje [01/09/2010], o JB inicia uma nova fase de ousadia. Torna-se o primeiro dos tradicionais periódicos brasileiros a abdicar da distribuição do jornal impresso. Continuará sendo publicado em formato digital, com noticiário acessível na internet mediante assinatura paga. Trata-se de um novo modelo de negócios, voltado para uma nova era da tecnologia e do conhecimento.
Como desbravador de um terreno ainda desconhecido pela imprensa brasileira, o Jornal do Brasil terá um imenso desafio pela frente: encontrar um formato que equilibre a agilidade e portabilidade das novas mídias digitais com a organização e ordenação hierárquica das informações e acontecimentos a serem compartilhados pelos cidadãos em suas relações sociais. Um formato que possa, simultaneamente, beneficiar-se de um custo de produção menor, mas que seja capaz de manter e superar o patamar de qualidade e credibilidade dos concorrentes impressos. O grande segredo dessa aventura é encontrar a fórmula de financiamento adequada ao novo empreendimento e, ao mesmo tempo, estabelecer um vínculo de cumplicidade dos leitores, consolidando uma relação de confiança e fidelidade’ (LULA DA SILVA, 2010).
Segmento impresso começa a se adequar aos novos tempos
Aliás, este é um tema que vem gerando inúmeros debates e opiniões controversas, devido ao fato desta tendência já ser verdadeira nos Estados Unidos. Durante a 9ª Conferência Internacional de Redações (9th International Newsrrom Summit), realizada no mês de agosto em Londres, o editor do New York Times, Arthur Sulzberger, afirmou que, em algum momento ainda não decidido, o jornal deixará de circular em sua versão impressa. Na oportunidade, ele reconheceu que o jornal poderia deixar de circular em sua versão impressa a partir de 2015. Anunciou também que a partir de 2011 o jornal começará a cobrar pelo acesso ao conteúdo de seu site.
Sobre o tema em debate, vale destacar o que foi registrado por Claudia Jawsnicker:
‘Estudiosos como o professor da Universidade do Texas, Rosental Calmon Alves, profetizam o fim do jornal de papel tal como o conhecemos hoje. ‘Não podemos ter medo de canabalizar o jornal. Ele vai afundar´, declarou ele, há um ano e meio, durante a `Jornada dos Dez Anos de Jornalismo em Portugal´. O jornalista Andrés Oppeheimer, ombudsman do diário americano Miami Herald, comunga desta opinião. ‘Os jornais [como são feitos hoje] estão moribundos, estão a caminho da morte´, afirmou durante a 26ª Conferência Anual da Organização de Ombudsmans de Notícias, em 2006, no Brasil. Robert Cauthorn, responsável pela versão online do San Francisco Chronicle, oferece data para o enterro dos jornais: segundo ele, em 2012 os jornais impressos dos EUA se tornarão anacrônicos, passando a circular por apenas três dias da semana. `A internet vai acabar com a imprensa escrita´, vaticina o brasileiro Francisco Camargo, presidente das CLM, empresa de gestão de tráfego da internet.’
Mas o fim do jornal impresso está longe de ser consenso. Para muitos especialistas, jornais impressos e internet são meios de informação complementares, e não inimigos prestes a uma guerra na qual só um deles sobreviverá (CHAPARRO 2005, MEYER 2004). Para Chaparro (2005, p.1), a internet não representa qualquer ameaça ao jornalismo impresso e deve ser tratada como aliada. `Em tempos dominados pelo fascínio da imagem, a internet representa, de alguma forma, o resgate do texto.´ O único consenso entre especialistas e profissionais da mídia é o de que, para sobreviver, os jornais deverão reavaliar e readequar seu papel (JAWSNICKER, 2008).
Se considerarmos que jornais americanos estão começando a adaptar suas coberturas noticiosas ao interesse manifestado pelos leitores, podemos dizer que esta seria uma das tendências, ou seja, o segmento impresso já começa a se adequar aos novos tempos, às tendências dos leitores, para sobreviver. Jornais americanos como o New York Times e o Wall Street Journal já estão adaptando suas coberturas aos assuntos que mais interessam aos usuários que acessam e comentam suas respectivas versões eletrônicas. Os jornais estão se baseando em informações sobre o tráfego na internet para identificar o que mais interessa aos leitores. Nas reuniões de pauta os editores desses jornais identificam e discutem os temas mais visitados (acessados via internet) e que repercutiram em termos de mensagens no Twitter, com o objetivo de pautar suas respectivas coberturas.
Processo de produção de notícias
Em trabalho que realizou sobre as novas tecnologias e a rotina de produção jornalística, Ricardo Fraga (2005), concluiu que pelo menos no caso do jornal estudado, o jornal Estado de Minas, as novas tecnologias causaram mudanças no fazer jornalístico, sem no entanto atingir todos os aspectos da rotina de produção, e, ‘ por isso mesmo, algumas características específicas ligadas ao impresso foram mantidas, como é o caso da qualidade do texto e do aspecto visual’. Fraga registrou também que com relação à Internet, ‘a opinião dos editores, de maneira quase unânime, é que ela acelerou o processo de produção da notícia, seja em função da facilidade e agilidade para entrar em contato com as fontes, para receber e checar dados ou como ferramenta de pesquisa’.
O problema que se apresenta para os jornais vencerem os obstáculos e encontrarem o caminho da sobrevivência na era da competição digital está na identificação de um modelo de negócio que permita manter a qualidade, a credibilidade e uma receita compatível com os custos de produção de informação e apuração de notícias. Segundo Phillip Meyer (2004), que acredita que os jornais impressos vão desaparecer, a sobrevivência só será possível se houver investimentos na qualidade. A julgar pelas palavras de Judith Brito (2010), presidente da ANJ, os empresários e editores dos jornais brasileiros estão conscientes disso:
‘Empresas jornalísticas sérias exigem de seus profissionais – jornalistas altamente qualificados – o uso de técnicas de apuração e o compromisso com princípios editoriais transparente. Tudo isso, a cada dia do ano – o que torna necessária a contratação de centenas de profissionais, no caso dos jornais de maior porte. Conclusão obvia: produzir informação inovadora e de qualidade – aquela que contribui de forma relevante para que os cidadãos possam refletir e ter opiniões próprias num país democrático – custa caro. Nossa prática nos ensinou que os investimentos em qualidade editorial, em investigações demoradas e custosas, não trazem resultados econômicos imediatos para as companhias, mas transformam-se em credibilidade e confiança dos leitores no médio e longo prazos.
Somente empresas jornalísticas financeiramente sólidas podem manter a desejável independência editorial em relação a governos ou a interesses privados, o que lhe permite eleger como prioridade absoluta o direito dos cidadãos de acesso às informações, e assim garantir a publicação de notícias e análises que podem contrariar a interesses políticos e econômicos. Não estamos desconsiderando as experiências isoladas de jornalismo investigativo, provenientes de esforços individuais publicados em blogs, por exemplo, que sem dúvida podem produzir materiais relevantes. O que destacamos aqui é a importância do exercício corporativo contínuo de um jornalismo de qualidade, suportado por uma estrutura empresarial forte e independente, capaz de amparar princípios em bases estáveis’ (BRITO, 2010).
Concordamos plenamente com Claudia Jawsnicker (2008) quando afirma que ‘o redimensionamento do papel do impresso vai além de investimento em análise e interpretação. Os jornais deveriam, ainda, refletir sobre a importância em diferenciar e singularizar a produção e tratamento da notícia, por meio de uma cobertura mais local, focada na comunidade ao qual o jornal atende’. Ela acrescenta como exemplo que
‘alguns jornais têm desenvolvido experiências inovadoras na tentativa de se readequar aos novos tempos. Um modelo de inovação envolve a re-organização da redação, a partir de um trabalho de captação e edição de notícias em conjunto com outras mídias (internet, rádio e TV). No Financial Times, em Londres, foram derrubadas paredes para integrar jornalistas que trabalham na versão impressa e online do veículo. O americano Tampa Tribune, na Flórida, organizou uma multimídia desk – mesa de edição em torno da qual trabalham em conjunto um núcleo de editores de rádio, TV, jornal e web. O Orange County Register, de Los Angeles, inovou no conceito de editorias abertas, compostas por repórteres dos diferentes meios, que, em conjunto, cobrem, desenham e fecham as páginas’ (JAWSNICKER, 2008).
Considerações finais
Segundo a presidente da ANJ, Judith Brito, na abertura do 8º Congresso Brasileiro de Jornais (CBJ), realizado em agosto de 2010, no Rio de Janeiro,
‘os jornais são responsáveis por cerca de metade da produção de conteúdos jornalístico novo, contra 4% produzidos pelas novas plataformas eminentemente digitais. No entanto, estas plataformas replicam as informações em média 4,4 vezes na internet, chegando a 15 vezes nos casos dos títulos de maior credibilidade, em geral sem qualquer pagamento aos produtores de tais conteúdos. (…) A questão está em encontrar um modelo saudável, que permita a continuidade dos padrões anteriores de qualidade na produção de informação e apuração de notícias. (…) Construir um modelo autossustentável de jornalismo independente e de qualidade na era da internet e das mídias digitais é fundamental para toda a sociedade, mais do que para nossas empresas. Sem esse jornalismo, em última instância, não existe a democracia plena. Com as mídias digitais a audiência de nossa produção jornalística atingiu números que nunca tivemos antes. Essa realidade significa um desafio e uma oportunidade únicos’ (BRITO, 2010).
Considerando que as novas tecnologias, principalmente a internet, estão ganhando cada vez mais espaço como veículo e o fato de que o cenário da comunicação está sofrendo acelerada transformação, a tendência, que pode ser prevista, é que o segmento impresso (jornais e revistas) precisa se reposicionar no mercado, pois o jornalismo tem sido afetado pela expansão das redes digitais interativas. Assim, baseado no fato de que a internet modificou a maneira de se consumir informação, o maior desafio dos veículos impressos será o de formar e fidelizar novos leitores (consumidores de informações) principalmente entre os jovens, sem deixar de considerar que com o avanço das tecnologias digitais e da portabilidade, os leitores também se transformaram em produtores e distribuidores de conteúdos informativos.
Considerando que o mundo mudou e que o jornalismo está buscando encontrar novos caminhos que assegurem sua sobrevivência, é necessário que todos se conscientizem que apenas transmitir notícias já não é suficiente, pois o leitor busca algo mais além de declarações, além do jornalismo oficial e do jornalismo declaratório. Para se adaptar ao impacto da internet é necessário que o segmento de jornalismo impresso seja reestruturado sem que necessariamente passe apenas a copiar a linguagem da internet. Como diz o professor e jornalista Carlos Costa, o melhor exemplo de mudança do setor, até o momento, foi o promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo que
‘redesenhou sua apresentação gráfica de modo a ficar mais parecido com a navegação da internet. É importante o jornal acompanhar essa tendência: basta ver como eram os jornais na década de 1920 ou 30, como passaram a se apresentar nos anos 50, quando a tevê e a urbanização do país davam a tônica da importância do visual. (…) A era do impresso como grande meio de comunicação massivo passou. A partir da década de 1990 entramos em outra dimensão, que é a da informação online, via computador e celular. (…) 0 impresso não está condenado a desaparecer, ele terá um lugar especial se atender ao interesse desses muitos leitores. (…) O leitor se tornou mais crítico. O jornalismo dá tiros no próprio pé quando entra na ciranda do show, do espetáculo. Mas entendo que hoje o jornalismo está melhor do que foi no passado, pois não está amarrado às grandes corporações. O blog abre espaços de expressão que antes não eram imaginados. Como diz o professor Sérgio Amadeu, especialista em novas tecnologias da informações, o problema hoje não é ter onde publicar, mas ter quem leia o que se publicou, tamanha é a oferta (de blogs, revistas digitais). O próprio poder de definir o que é notícia foi diminuído, contrariando as teorias do gatekeeper (…): qualquer um pode postar a informação sobre a passeata em seu blog e vira notícia’ (COSTA, 2009).
Da mesma forma que a prática jornalística vem sendo atingida pelas tecnologias digitais, devido às possibilidades de interatividade e participação dos cidadãos, o ensino do jornalismo também já começa a sentir os efeitos, apontando para a necessidade dos cursos de jornalismos repensarem a forma como devem habilitar seus alunos dentro desse novo contexto. Um contexto no qual o profissional de jornalismo já está trabalhando em verdadeiras redações híbridas, graças à convergência midiática, produzindo conteúdos, simultaneamente, para vários veículos (rádio, televisão, jornal, revista, webjornalismo) e em diferentes plataformas.
O grande desafio para os jornais é o de exercer a função central dos sistemas multimídias, produzindo conteúdos e aplicativos para as novas mídias, tendo em vista, principalmente, que o acesso a Internet via celular vai superar o feito por meio de computadores. E isto significa que os veículos que produzem conteúdos informativos terão que se preparar para esta mudança, pois, ao mesmo tempo, que este novo cenário se apresenta cada vez mais fragmentado, aponta também para a adoção de um jornalismo investigativo que apresente narrativas mais bem contextualizadas.
Enfim, o segmento jornal precisa se adaptar e buscar novos modelos de negócios que lhe permita viabilizar sua sobrevivência e operações em novas mídias digitais. Como disse Judith Brito, presidente da ANJ, diante da concorrência, os jornais devem ‘construir um modelo autossustentável de jornalismo independente e de qualidade na era da internet e das mídias digitais’.
QUADRO I | |||
Circulação diária dos jornais pagos | |||
Ano Circulação nacional | Milhões de exemplares/dia (Estimativa da ANJ) | Variação% | Circulação dos jornais afiliados ao IVC em milhões de exemplares/dia |
2009 | 8.193 | -3,46 | 4.200 |
2008 | 8.487 | 5,0 | 4.351 |
2007 | 8.083 | 11,8 | 4.144 |
2006 | 7.230 | 6,5 | 3.706 |
2005 | 6.789 | 4,1 | 3.480 |
2004 | 6.522 | 0,8 | 3.343 |
2003 | 6.470 | -7,2 | 3.315 |
2002 | 6.972 | -9,1 | 3.553 |
2001 | 7.670 | -2,7 | 3.877 |
2000 | 7.883 | 8,81 | 3.980 |
Fonte: ANJ, baseado em dados do IVC – Instituto Verificador de Circulação |
QUADRO II | ||||||||
Perfil percentual de vendas dos jornais diários por ano | ||||||||
Ano | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 |
Venda Avulsa | 41,3 | 39,1 | 39,1 | 41,3 | 44,8 | 48,5 | 49,4 | 50,82 |
Assinatura | 58,7 | 60,9 | 60,9 | 58,7 | 55,2 | 51,5 | 50,6 | 49,18 |
Fontes: IVC- Instituto Verificador de Circulação, e ANJ – Associação Nacional dos Jornais |
QUADRO III | |||||||
Percentual do investimento publicitário por segmento | |||||||
Ano | Jornal | Revista | TV | TV p/ assinatura | Radio | Internet | Outros |
2009 | 14,0 | 7,6 | 60,9 | 4,4 | 4,4 | 4,2 | 4,5 |
2008 | 15,9 | 8,5 | 58,7 | 3,7 | 4,2 | 3,5 | 5,5 |
2007 | 16,3 | 8,4 | 59,2 | 3,3 | 4 | 2,7 | 6,1 |
2006 | 14,7 | 8,6 | 59,3 | 3,5 | 4,1 | 2,0 | 7,8 |
2005 | 16,3 | 8,8 | 59,5 | 2,3 | 4,1 | 1,6 | 7,4 |
2004 | 16,6 | 8,3 | 59,1 | 2,1 | 4,3 | 1,6 | 8,0 |
2003 | 18,1 | 9,4 | 59,0 | 1,7 | 4,5 | 1,4 | 5,9 |
2002 | 20,4 | 10,0 | 60,3 | 1,9 | 4,6 | – | 2,8 |
2001 | 21,7 | 10,8 | 57,7 | 1,5 | 4,8 | – | 3,5 |
Fonte: Projeto Inter-meios/ANJ |
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Jornalista, mestre e doutor em Comunicação pela Universidade do Texas, Estados Unidos. É professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e autor de livros como A História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, política e social (Vozes, 5ª Ed.,2010), O Guerreiro Midiático: biografia de José Marques de Melo (Vozes/INTERCOM,2010), O Contexto Midiático (IGHB, 2009), Mídia Controlada: a história da censura no Brasil e no mundo (Paulus, 2005), entre outros. Participa e contribui regularmente das atividades do Grupo Cepos