Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG e da PUC-MG, o professor João Henriques de Freitas Filho (João de Freitas), autor de 40 obras e do primeiro livro de Bioética no Brasil, acaba de falecer, aos 91 anos. Em março deste ano publicou a 2ª edição revisada e atualizada de Ética para ser feliz – Remédio para a modernidade (Editora Folium, BH, 2009). Freitas, Anis José Leão (UFMG) e o padre Henrique Cláudio de Lima Vaz foram seus consultores, em 1984 e 1985, na redação do projeto que se transformou no Código de Ética dos jornalistas, como se constata no livro de Adísia Sá O Jornalista Brasileiro (Editora da Universidade do Ceará).
Primeira lição de João de Freitas: ‘A ética aparece no tempo em que estamos para assumir uma figura ou praticar uma ação’. E preleciona: ‘Você deve agir e afigurar-se de acordo com o que você é. Qual a figura do homem que ele precisa ostentar segundo a ética? Qual o comportamento do homem, que deve adotar de conformidade com a Ética?’
O autor lembra que o compositor e cantor Milton Nascimento, talvez sem conhecer o psiquiatra americano Rollo May, diz: ‘Eu, caçador de mim’. Destaca ainda que o filósofo grego Diógenes, não se reconhecendo, acendeu um lampião e, em pleno dia, ia à procura de si mesmo, pelas ruas de Atenas. Ao longo dos tempos, como escrevi no primeiro relato do Código de Ética do Jornalista (1985), anotei que o comportamento ético do homem vem se realizando sob a forma de usos e costumes. E a moral não se funda na filosofia, mas no bom senso. Seguindo Freitas, aprendi que, segundo a Ética, o ser humano tem de ser o que ele é porque é assim que ele se torna digno e honrado, merecedor de si próprio.
Bolívar de Freitas, um sábio brasileiro
Para redigir o projeto de Código de Ética, o então presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Manoel Marcos Guimarães (ainda atuante em Belo Horizonte) criou comissão especial, da qual participaram Barbosa Lima Sobrinho, Washington de Mello, Anis José Leão, Ângela Carrato (da UFMG) e tantos outros. Sabemos que os modernos meios de comunicação de massa (MCM) não cumprem o dever de observar o Capítulo V, artigos 220, 221, 222, 223 e 224 da Constituição Federal de 1968, ou, falando seriamente, a mídia não dá preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas com observância dos mandamentos constitucionais. Roberto Muylaert, então presidente da Fundação Padre Anchieta, titular da TV Cultura de São Paulo, escreveu na revista Imprensa (1990): ‘As televisões não estão cumprindo o seu papel, que é mostrar os princípios éticos e zelar pelo nível cultural.’
Autor do primeiro livro sobre bioética no Brasil, João de Freitas, na cátedra da Universidade, se preocupava em preparar os futuros médicos, advogados, cientistas, formandos em áreas da ciência e da tecnologia com os problemas das implicações de sua profissão em favor dos bilhões de pobres que povoam o Terceiro Mundo. Correspondia com os principais cientistas da segunda década do século 20. Previu, com antecedência, os abusos que os usuários de computadores iriam cometer, invadindo a intimidade e derrubando barreiras de confidências, que ele tratava, em seus livros, como os fatores sagrados do ser humano. Sabia, como nenhum outro cientista do mundo, que estávamos antecipando a era da ‘ditadura do computador.’ Como ainda no dia 29/11/2010 os jornais confirmaram que o site WikiLeaks ‘liberou’ informações confidenciais do Departamento de Estado dos EUA, denunciando que diplomatas exploraram as Nações Unidas (EM, 29/11/2010). Vazamento que a repórter Tatiana Sabadini destacou com a manchete ‘Vazamento expõe dados da diplomacia americana’. A repórter conta que Julian Assange, fundador da WikiLeaks, justifica a delação ‘porque faz parte do ofício’.
Sabem quem comprou as transgressões weberianas? The New York Times, Le Monde (França), The Guardian, (Reino Unido), El País (Espanha) e Der Spiegel (Alemanha), Mais de 250 mil documentos confidenciais diplomáticos já foram distribuídos para os jornais. Freitas fez questão de enunciar em seus livros que, longe de Darwin, Santo Agostinho, Spencer, Curvier, Lineu, Lamarck, Saint-Hilaire ou Bufon, um sábio brasileiro (Bolívar de Freitas, catedrático de Direito Internacional Público da UFMG), muito apegado ao gênese, lembrava que ‘Deus criou a natureza dando ordem: seja isto, para fazer aquilo.’
Literato de escol e poeta
João de Freitas, um grande entre os maiores cientistas, gostava de narrar, sobre o filme O Grande Ditador: ‘Nós olhamos para Charles Chaplin (Carlitos), que está no filme, e vemos Hitler, que no filme não está: Chaplin é o existente, que está onde não o vemos; Hitler, o aparente, que não está onde o vemos.’
Espero que os jovens e velhos escribas que têm colunas na mídia escrita leiam a mensagem de João de Freitas. E tomem conhecimento de sua vasta obra publicada com destaque especial para os livros: Metafísica da Universidade (1972); Filosofia da Ordem Mundial (1977, Ed. da UFMG); Constituinte e Liberalismo Filosófico (1986); Bioética (1993), Dignidade e Modernidade – Darwin Freud (2010), Filosofia Neo-Socrática (2000). Em inglês, publicou Toward a New Psycology (2009). Trocou cartas com Francis Collins, autor do livro A linguagem de Deus – Um cientista apresenta evidências de que Ele Existe – São Paulo, Editora Gente. Freitas migrou para a Medicina Legal e Deontologia por sugestão dos consagrados cientistas Luigi Bogliolo e C. Mignone. Literato de escol e poeta, é muito lido o poema Heloísa, que escreveu para sua esposa: ‘Você é feliz com o que sou. Você é feliz porque é a criança que sempre foi.’
Freitas tinha razão quando dizia que o caminho da criatura humana está na filosofia, que elabora sabiamente a Ética, que ministra a conduta própria do homem, ‘espelho onde nos vemos, para a consciência nossa, de nós mesmos.’ Ele deixa no prelo o livro Abecê da Filosofia.
******
Jornalista