Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

PLC 116, entre teles e penduricalhos

Em entrevista para o Estado de S.Paulo publicada no domingo (‘Projeto de TV Paga provoca polêmica‘, 5/12) o jurista Ives Gandra Martins destaca o perigo para a liberdade de imprensa que pode estar contido no PLC 116, ora em tramitação no Senado. O projeto (que na Câmara dos Deputados era conhecido como PL 29) trata da regulação dos serviços de TV por assinatura.


O advogado, cujo parecer foi encomendado pela operadora Sky – que lidera, junto com a maioria das programadoras internacionais de TV por assinatura, a oposição ao projeto – sustenta o seu temor no artigo 36 do PLC 116, que dá à Ancine (Agência Nacional do Cinema) o poder de punir, inclusive com o descredenciamento, as empresas que descumpram a lei. Na entrevista, o jurista se refere a ‘uma ditadura semelhante à de Mussolini, Hitler e Stalin’.


O projeto teve seu primeiro debate público no Senado na quarta-feira (1/12). O consenso está longe de ser atingido, mas a grande singularidade é que as questões mais polêmicas caminham para a pacificação.


Sem compromisso


Se dividirmos essa polêmica em dois grandes grupos, o primeiro será o que deu origem ao projeto de lei: a entrada das teles no negócio de TV por assinatura. A questão nasceu ainda nos anos 1990, com o avanço tecnológico que gerou a convergência midiática. O problema com avanços tecnológicos é o mesmo que os com fenômenos atmosféricos, como furacões e tsunamis. Eles podem não ter ética nem justiça, mas também não têm ideologia e nem controle. Exigem apenas adaptação às suas conseqüências.


Dizer que as teles não podem distribuir sinais de TV equivale a insistir que é proibido chover. Seria melhor gastar o tempo tentando entender de que maneira todos podem tirar proveito da água que vai cair.


Durante as discussões sobre a entrada das teles nesse mercado, várias outras questões foram agregadas ao antigo PL 29 – temas que alguns opositores do projeto chamam de ‘penduricalhos’. São questões ligadas sobretudo à cota para exibição de conteúdo brasileiro nas redes de TV por assinatura.


Podem ser penduricalhos na discussão sobre a entrada das teles no mercado de TV por assinatura. Mas nem por isso são menos relevantes. Elas tinham que estar em discussão, se não fosse nesse projeto, em outro – mas calhou de estarem aí.


A instituição de mecanismos de cotas foi moeda de troca para que, na Câmara dos Deputados, a entrada das teles pudesse ir adiante. Mas o que era no início uma postura política acabou se transformando num acordo consensual. Quase ninguém duvida que a instituição de cotas é uma medida benéfica para os usuários e para o mercado.


Entre os que duvidam está a operadora Sky e uma grande parte das programadoras estrangeiras. Mas enquanto a Sky vê transtornos de ordem econômica, as programadoras reagem apenas contra o que consideram uma intromissão no seu conteúdo.


A questão poderia ter sido resolvida desde a lei 8977, de janeiro de 1995, conhecida como ‘lei do cabo’, se a regulação para a difusão do conteúdo brasileiro tivesse como epicentro a quantidade de horas oferecida ao usuário nos pacotes das operadoras. A lei foi omissa nisso – como em muitas outras questões, como esquecer de incluir os serviços oferecidos em MMDS e DTH, fazendo com que ‘TV a cabo’ e ‘TV por assinatura’ se tornassem sinônimos no Brasil.


Muitos outros erros foram cometidos no mercado brasileiro de TV por assinatura – que, como conseqüência, acaba de comemorar a marca de 9 milhões de assinantes num país de 190 milhões de habitantes. Entre o que aconteceu de errado está a crença de que TV por assinatura é um serviço – e que, como tal, não tem compromisso algum com a produção de conteúdo brasileiro.


Propriedade cruzada


Mas não há como imaginar um mercado de televisão que desconsidere o compromisso com a produção do país onde está o assinante. Os erros do passado tornaram mais complicada a regulação que se tenta agora. Vai incomodar as programadoras, mas, como diziam nossas avós, não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos. Ao contrário do que imagina a Sky, no entanto, o PLC 116 tende a ampliar o mercado – e não encolhê-lo. Não fosse assim, as outras operadoras (NET, TVA, Oi) também estariam reclamando.


É indiscutível que o antigo PL 29 cresceu demais, bem mais do que devia. Entre os ‘penduricalhos’, por exemplo, está também o impedimento à propriedade cruzada de TV aberta e por assinatura, o que evidentemente atraiu mais ira do empresariado para o projeto. Dá para entender por que um jurista conceituado exagera tanto para falar sobre ele, mas não há como ver traços de Mussolini ou Stalin na sua essência. Se o PLC 116 tem gorduras, elas não estão no fomento ao conteúdo brasileiro dentro do mercado brasileiro.

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Jornalista