Lembram-se do programa Porta da Esperança, apresentado por Silvio Santos? Naquele programa, o participante contava seu drama para o apresentador e ficava esperando que seu pedido fosse atendido. Normalmente, quando a Porta da Esperança se abria, lá estava a realização de um desejo. Silvio Santos era o homem capaz de, através da realização do sonho de um simples participante do programa, realizar também os sonhos de milhões de telespectadores brasileiros.
Já no Show do Milhão, programa que marcou época, Silvio é o âncora, aquele que busca a elucidação, que conduz o participante ao erro ou ao acerto. No caso do escândalo financeiro do Banco PanAmericano, Silvio trocou de papel, tornou-se a vítima, o participante que se vê em apuros diante de perguntas às quais não sabe responder, diante de uma situação em que o erro, uma escolha impensada, pode levar à derrota. Silvio perdeu o domínio da interlocução.
O homem que sempre oferece a possibilidade de ser feliz e ter acesso a bens simbólicos, a chance de ganhar uma geladeira, um tênis ou um milhão de reais, que promete a felicidade ao alcance de todos, foi colocado numa posição antagônica, onde passou ele a ter o desejo de ganhar o prêmio. Não é mais o mito Silvio Santos, vendedor de ilusões, mas o empresário Senor Abravanel, pendurado no crediário, esperando o prêmio ser resgatado para pagar as dívidas. O homem que está acostumado a vender sonhos precisou comprar a crédito sua própria felicidade. Pela segunda vez (a primeira foi na ocasião do sequestro), diante do público, o empresário se distanciou do animador e precisou abrir a Porta da Esperança para si mesmo.
Uma solução que conduza ao final feliz
Silvio, que valoriza o espetacular, a interpelação pela emoção, nesse caso da vida real teve outra postura. Preferiu ficar distante nas câmeras e das explicações, mas tomou atitudes fortes: demitiu a diretoria, familiares, afastou amigos de décadas. Ao completar 80 anos, Silvio Santos aceitou o desafio de colocar em risco tudo o que construiu ao longo da vida, não só bens materiais, mas colocou em jogo o próprio mito do homem da sorte, daquele que é capaz de tirar do baú a própria felicidade.
Situação semelhante a esta, Silvio Santos passou na época do sequestro de sua filha e mesmo quando foi refém em sua residência. Naquela ocasião, não deixou de ser o âncora. Manteve a calma, conduziu a negociação com o bandido, com a polícia e com o governador do estado. Com o Panamericano não é diferente. É ele quem negocia, visita o Planalto, corre o risco. Assim como em seus programas de televisão, somente Silvio Santos é capaz de apontar uma solução que conduza à vitória, ao final feliz. Não fosse assim, não seria Silvio Santos. Resta saber se atrás das cortinas da porta da esperança haverá um show do milhão para encher novamente o baú da felicidade.
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Jornalista, doutor em Comunicação, Porto Alegre, RS