Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As macacas de auditório

O noticiário político da semana, ou pelo menos a forma como as notícias da política são apresentadas pelos jornais, conspira contra a reputação das instituições republicanas. Até que ponto essas informações fragmentadas representam realmente o que são os partidos, como funciona e para que serve o Congresso Nacional, como se organiza o poder público nos estados e municípios?


Se o leitor apenas juntar as páginas de jornais, pode chegar à conclusão de que o Brasil não precisa de três poderes para funcionar.


O maior destaque vai, claro, para o aumento salarial de 62% que os senadores e deputados concederam a si mesmos, estendendo o benefício ao presidente, vice e ministros de Estado. Os textos explicam que o último reajuste havia acontecido em 2007, e que a inflação do período foi de 20%.


Colocado assim, a interpretação quase unânime dos leitores será de que os parlamentares são um bando de párias cujo único interesse é cuidar dos próprios interesses.


Notas falsas


Outra notícia que agitou a imprensa foi a visita do palhaço Tiririca à Câmara, agora transformado no deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva. As imagens mostram repórteres se engalfinhando para se aproximar da celebridade, histéricos como meninas de auditório.


Tais cenas, acrescidas do comentário de Tiririca, que considerou ‘bacana’ a aprovação do aumento de proventos para os parlamentares, contribuem para consolidar a má reputação do Parlamento, mas envolve também a imagem dos jornalistas.


O noticiário se completa com a informação de que a eleição para governador de Roraima teve uma derrama de dinheiro em troca de votos. Gravações de conversas com a participação de representantes do governador eleito, obtidas pela Folha de S.Paulo, revelam que a diferença de 1.700 votos que decidiu a eleição pode ter sido definida pela compra de eleitores.


Há ainda a chuva de notas falsas que marcou a eleição para presidente da Câmara Municipal de São Paulo, e as novas suspeitas no caso do assassinato do prefeito de Jandira, perto da capital paulista.


A máfia na política


A iniciativa dos congressistas, de aumentar seus próprios salários, pode ser colocada na conta da rotina. Para entender do que se trata, não basta citar os porcentuais dos reajustes. É preciso também observar que, com o aumento, os parlamentares e ministros de Estado passam a ganhar mais ou menos o mesmo que um editor-chefe ou diretor de Redação na imprensa nacional. Esse salário, em torno de R$ 26 mil mensais, é também o que ganha, em média, um diretor de empresa. Portanto, o valor não chega a ser um absurdo.


O que a imprensa deveria vasculhar é o ‘por fora’ – ou seja, a quantidade enorme de benefícios e ajudas de custo que multiplicam os ganhos dos parlamentares. Essa é uma das causas pelas quais a atividade política no Brasil é uma forma de ascensão social, motivação declarada da candidatura do palhaço Tiririca.


Ao apresentar dessa forma a rotina do Congresso, a imprensa acaba justificando a frase segundo a qual, seja lá quem for eleito, ‘pior do que está não fica’.


Mas há controvérsias nesse lugar comum. Pode ficar muito pior, sim. Veja-se, por exemplo, o caso do assassinato do prefeito de Jandira, na região metropolitana de São Paulo. Segundo as primeiras apurações da polícia, Walderi Braz Paschoalin, do PSDB, morto por pistoleiros armados com fuzil e submetralhadora, estava envolvido em corrupção. Até aí, nada muito fora da rotina. O leitor já não se surpreende com notícias de violência na disputa pelo dinheiro público.


Mas na quinta-feira (16/12), os jornais paulistas reproduzem uma informação que já havia sido publicada no sábado (11) pelo Correio Braziliense: os quatro suspeitos de haverem cometido o crime seriam integrantes da organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital. Segundo o Estado de S.Paulo, pelo menos um deles seria parente de um vereador do município de Jandira.


O líder dos pistoleiros seria, segundo reportagem da Rede Record, braço direito do ‘empresário’ Ney Santos, apontado como responsável por lavagem de dinheiro do PCC e ex-candidato a deputado federal pelo PSC.


Neste ponto, o noticiário exige uma atenção especial. Tratar como rotina o jogo de interesses e a corrupção na política é quase uma leviandade, mas passar por cima de evidências de que o crime organizado interfere na administração de uma cidade e tenta eleger deputados é falta de interesse jornalístico.


O jornalismo investigativo agoniza.