Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A culpa é dos professores

O gosto pelo privado encontra diversas formas de se manifestar em nossa sociedade e principalmente na mídia. No programa profissão repórter, como é descrito no portal G1: Caco Barcellos e uma equipe de jovens repórteres vão às ruas, juntos, para mostrar diferentes ângulos do mesmo fato, da mesma notícia. Cada repórter tem sempre uma missão, um desafio a cumprir. Será que eles vão conseguir? No Profissão Repórter, você acompanha tudo. Os desafios da reportagem. Os bastidores da notícia.

Na última terça feira (7/12/2010), o programa exibido se intitulou ‘Alunos e professores enfrentam dificuldades em salas de aula’. Também no portal G1:

‘Os repórteres do programa acompanharam escolas diferentes. Os repórteres Caroline Kleinübing e Caio Cavechini percorrem uma escola pública do Rio de Janeiro na qual três professoras pediram licença médica. Motivo alegado por elas: medo e depressão causados pela agressividade e pelo desinteresse dos alunos (…) Em Florianópolis, nosso convidado, o repórter Manoel Soares, da RBS, visita um colégio que fechou as portas depois que a diretora foi atacada com ovos e pedradas por um estudante. Salas vazias, pedaços de pau e placas de vidro apreendidos por seguranças, professores assustados e desmotivados. É este o quadro que ele registra em Santa Catarina. (…) Caco Barcellos percorre escolas do Capão Redondo, periferia de São Paulo, e encontra muitos trabalhadores na sala de aula. Gente que luta para recuperar o tempo perdido e concilia trabalho e estudos em rotinas estafantes.’

As reportagens do programa não trazem nenhuma novidade. Infelizmente, professores sendo agredidos ou sendo obrigados a se afastar do trabalho com licenças médicas não constituem elementos novos no contexto das escolas. A abordagem desses problemas, afora o formato do programa, também não constitui nada novo. Infelizmente, diga-se de passagem, as reportagens se limitam a mostrar os problemas sem emitir uma opinião explícita, mas implicitamente aderem à culpabilização dos professores pelos problemas das escolas.

Maioria dos professores é incompetente

Professores são entrevistados. Uma diretora descreve como foi agredida, outras professoras contam das situações que lhes deram pânico e com quais doenças foram diagnosticadas. Outro professor tem a voz trêmula. Os alunos não respeitam sua aula. Em meio a essas, também é mostrada a professora bem sucedida. Aquela que as crianças respeitam. Que não mora no morro, mas anda lá como se fosse sua casa e recebe o comprimento de antigos alunos. Mostra como age em sala de aula. Como lida com os alunos que atrapalham seu trabalho. É retratada como professora-exemplo. Fica a pergunta que não é feita: por que essa professora consegue e seus colegas não? Os alunos também dizem o porquê:não suportam permanecer na escola. Gabam-se de serem como são. Outros dizem o porquê de permanecem em silêncio e prestarem atenção às aulas.

Na turma de adultos, o professor só tece elogios aos alunos. São esforçados, atenciosos. Fazem o que lhes é solicitado. Barcelos acompanha o cotidiano de dois deles. A empregada doméstica quer ter uma profissão melhor. Já trabalhou como vendedora, mas foi demitida por não ter instrução. O vistoriador de seguros quer crescer na sua área, quer um salário melhor e acredita que conseguirá isso através da escola. Não deram certo na vida escolar regular, mas querem aproveitar a nova chance. Chegam atrasados depois de um longo dia de trabalho, mas sempre vão às aulas. São pessoas que correm atrás do tempo perdido. Tem suas famílias e querem lhes dar algo melhor.

Duas questões chamam atenção. Interessante notar a comparação entre alunos que desperdiçam a trajetória escolar com aqueles que já a desperdiçaram e correm atrás do tempo perdido. Fica uma crítica à obrigatoriedade do ensino a pessoas que o aproveitariam melhor com mais maturidade? Deixemos em aberto. É de se ressaltar também o contraste dos casos dos professores que enfrentam os problemas de indisciplina e de saúde e são obrigados a se afastar de sala de aula, e da professora que consegue lidar melhor com os problemas do contexto educacional. Fica o dito pelo não dito, o silenciado. O fracasso da maioria colocado frente ao, suposto, sucesso de uma só. O que deixa entrever o posicionamento de que a maioria dos professores é incompetente. Das principais causas dos problemas educacionais que geram indisciplina a violência e problemas de saúde, nenhuma palavra. Assim, nas reportagens, a culpa é dos professores.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR