Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Roteiro de um romance policial do capitalismo total

Realizar um romance policial que tenha como enredo o sistema-mundo contemporâneo, a modernidade capitalista, no qual e através do qual, tal como é, todos os signos dançam no presente da narrativa, o signo despótico, com suas variáveis totalitárias, fascistas, pré-modernas, patriarcais, machistas, a lançar guerras por todo lado; o signo de uma democracia de fachada, uma democracia de fantasmas de povos, de farsa de decisões populares, com suas eleições bancadas pelo poder econômico; com suas eleições, nas quais os povos não escolhem ou discutem ou decidem sobre nada que interessa à vida na Terra.

Não decidem sobre o sistema econômico, que deve ser, como se natural fosse, o capitalista; não decidem sobre o modelo de meios de comunicação mais justo, necessário e democrático; não decidem sobre a relação que devemos ter com o entorno natural; a relação que devemos ter com os outros seres que habitamos o planeta. Não decidem sobre o modelo de propriedade, se privada, se estatal, se social; os meios de transporte, o desenho das cidades; a própria moradia, o modelo educacional, de saúde; a alegria, o prazer, a festa. Os povos não decidem nada!

No romance, a guerra contra a vida é total. Por isso que um front dessa guerra será travado nos meios de comunicação, os quais funcionarão como verdadeiras máquinas de guerra desinformativa, a criar circunstanciais heróis, como o atual Julian Assange, criador do sítio WikiLeaks.

Chamarei, no romance, de sistema-mundo contemporâneo o capitalismo total que marca a atual fase de guerra contra a vida na Terra. Total porque sua dominação tem como foco o roubo da mais-valia econômica, erótica, cultural, epistemológica, natural de todo o planeta, de modo que lugar algum mais do globo está livre de suas infindáveis e desdobráveis agressões e genocídios.

O sistema-mundo contemporâneo, o capitalismo tardio ou total, será o próprio enredo do romance, sua epiderme ou fluxo narrativo. Por isso mesmo, o romance capitalismo total que escreverei será ao mesmo tempo laico e religioso. Será cinicamente laico, pois não respeitará nada nem ninguém. Não respeitará valores, culturas, etnias, crenças, identidades sexuais, pois a tudo manipulará, com plasticidade, publicidade, hipocrisia, mentira; e ao mesmo tempo com dureza fascista, uma vez que tudo deve estar a serviço da concentração da riqueza nas mãos de meia dúzias de homens, motivo pelo qual o romance, ou o capitalismo tardio, será ao mesmo tempo cinicamente laico e fanaticamente religioso.

Tudo pelo lucro, eis a laica religião global!

A guerra-gafanhoto

Jamais, em toda história da humanidade, houve um Deus tão despótico, tão autoritário – nem nos piores momentos do Antigo Testamento. Eis o inconsciente fascista do romance que escreverei.

Jamais, em toda história da humanidade, houve um Deus tão metamórfico, sorridente, tão jovial, elegante, diplomático, ora podendo ser um sujeito que tem a cara fascista do sistema, como Bush, ora cara de um jovem, ora a cara de uma mulher, ora de um negro, ora de um gay, num jogo de máscaras a serviço do fundamentalismo da guerra total contra a vida.

Eis o inconsciente falsamente democrático do Novo Testamento do capital global da trama deste romance.

O romance que escreverei será uma ficcional-real guerra total contra a vida. Seu tempo histórico será o próprio impróprio presente histórico em que vivemos, de sorte que, nele, existe um imperialismo total – mas em decadência –, chamado de imperialismo americano.

Porque em decadência, o imperialismo americano, ao mesmo tempo hiper-laico e hiper-religioso, pretende ser o enredo total do romance, de sorte que, por isso mesmo, estará em guerra total contra todas as letras da narrativa, fazendo absolutamente de tudo para que todas as letras do romance escrevam a versão da história que interessa ao imperialismo americano, razão pela qual, no romance, essa guerra total do imperialismo americano também será chamada de guerra-gafanhoto, pois todas as letras do romance, como um enxame, atacarão, por todos os lados, a pauta vazia do papel, com o propósito de escrever o seu – na verdade, o nosso – próprio horror.

A ficção e a realidade

Horror que sempre parece ocorrer alhures, na periferia do romance; na Palestina, no Iraque, no Afeganistão, nas favelas do Rio de Janeiro, no Estado traficante da Colômbia e do México, de sorte que mal percebemos que tal horror cada vez mais nos abraça por dentro e por fora, ao mesmo tempo como suas vítimas e como seus protagonistas, embora, quando, de alguma forma nos beneficiamos do enredo deste horroroso romance, sempre tendemos a dizer que o verdugo é o outro, razão pela qual sempre somos as vítimas.

Guerra-gafanhoto, portanto, é esta que estamos a sofrer e a travar, com suas relações de poder intrincadas e baseadas no esforço-enxame de manter o controle do excedente econômico, erótico, simbólico, comunicacional, cultural, político, e outros que tais, na mão de meia dúzia de psicopatas bilionários que sanguessugam a vida na Terra.

No atual presente do romance que escreverei, a guerra gafanhoto se torna cada vez mais tecnológico-midiática. É por isso que uma tecnologia midiática, como a internet, que não por acaso foi criada pela máquina de guerra americana, começa a ocupar o epicentro comunicacional da guerra total contra a vida, no romance.

Com seu sistema de rede, a internet criará a ilusão, aos viventes infantis humanos, de ser o próprio impróprio mundo real, pois o imitará de tal modo que nela navegaremos como se vivêssemos ou navegássemos na multiplicidade infinda do mundo, em tempo real, com a vantagem de sermos ao mesmo tempo oniscientes narradores do romance-mundo internet, assim como seus narradores-personagens.

Mas sempre com nosso corpo real porque pertence ao mundo concreto, fora da rede total, porque esta, cada vez mais, vai se tornando a ficção total, o que significa dizer que vai se tornando também a realidade total, como parte global da mesma guerra monumental.

A criatura e o criador

Eis que, como estratégia da guerra imperial total, um grupo de supostos talentosos e engenhosos pesquisadores, advindos do centro elitista dos beneficiados da atual fase do capitalismo tardio, de forma aparentemente surpreendente, criam um sitio, uma página na rede mundial de computadores, e passam a divulgar informações sigilosas do epicentro da guerra total contra a vida.

No romance, esta página da Rede Mundial de Computadores será chamada WikiLeaks, pois se apresentará como se fosse semelhante à Wikipédia, espécie de enciclopédia livre e gratuita, em que pesquisadores do mundo todo podem não apenas pesquisar, mas também se inscrever como anônimos colaboradores, seja acrescentando informações aos verbetes já criados, seja criando seus próprios verbetes.

Diferentemente da Wikipédia, a WikiLeaks, porque precisa de credibilidade para conseguir divulgar/espalhar as sigilosas informações do epicentro da guerra total contra a vida, não permite a colaboração de qualquer um, mas apenas de seus ‘brilhantes’ idealizadores e também de alguns grandes jornais de prestígio situados no centro do império da guerra total, como Le Monde, da França, El País, da Espanha, The Guardian, da Inglaterra, Der Spiegel, da Alemanha, além do, como não poderia deixar de ser, The New York Times, jornal da capital publicitário-cultural do país que ora ocupa o decadente epicentro desta guerra total ou guerra gafanhoto.

Estrategicamente, porque precisa conquistar/seduzir os alternativos meios de informação de esquerda, inclusive e principalmente os da internet, refúgio perigoso de uma infinidade de sítios esquerdistas, WikiLeaks começa a ficar conhecido entre os navegantes esquerdistas quando divulga um sigiloso vídeo com soldados americanos num helicóptero, brincando de matar inocentes no Iraque, como se fossem, e são, inocentes bestializadas crianças jogando vídeo game.

Em seguida, WikiLeaks divulga milhares de documentos sobre a guerra do centro do império contra Afeganistão, informações que impactaram também entre os alternativos de esquerda, mas que não mereceram muito destaque da monopólica e bélica imprensa burguesa, que produz, distribui e vende a desinformação de todo o globo, como parte estratégica da guerra total.

Eis que, neste momento do romance da guerra total contra a vida na Terra, desencadeada pelo capitalismo tardio, dito pós-industrial, informacional-bélico-financeiro, WikiLeaks divulga mais de 250 mil documentos sigilosos, captados pelo e do sistema de intriga, fofoca, preconceito, racismo, indiferença, encravado em cada embaixada americana nos países onde elas existem, a fim de promover incessantes golpismos e traições, que são as únicas coisas que sabem fazer ou para as quais foram programadas, as charmosas embaixadas americanas.

Filtradas pelos cinco mencionados burgueses credíveis jornais desinformativos globais, as futricas e estratégias golpistas das embaixadas americanas desta vez alcançam finalmente os jornais de papel, radiofônicos e televisivos de todos os lugares colonizados do planeta: o conhecido planeta todo.

‘O rei está nu’, dizem os ingênuos alternativos de esquerda e os oficiosos mentirosos jornais a serviço da embaixada americana pelo mundo afora, como se fossem, e são, suas avançadas comunicacionais embaixadas municipais, estaduais, federais, regionais, continentais, globais, embora sempre despistadas, com outros nomes, de credíveis burgueses jornais de papeis, de radiofônicos sons e/ou de televisivas sérias imagens de ‘íntegros’ jornalistas bem pagos – não se sabe se pelas embaixadas americanas do entorno territorial, embora possa ser que, no desenrolar da trama do romance, WikiLeaks possa também revelar essas informações.

(Bem pagos traidores jornalistas do mundo todo, uni-vos porque o decadente império não respeita a ninguém! WikiLeaks vem aí!)

As 250 mil fofocas das embaixadas americanas

Em face da decadência e cooptação dos grandes jornais burgueses do mundo todo, caixas de ressonância que são dos interesses da máquina financeira, bélica, multinacional, monopólica da guerra total, vendidos jornalistas de todo o mundo, com falso arrependimento, tendem a se identificar com o novo herói da hora: o destemido australiano Julian Assange, criador do WikiLeaks.

Vendidos jornalistas burgueses, assim, identificar-se-ão com o herói Julian Assange, pois enxergarão nele o que eles mesmos nunca foram, a saber: um suposto íntegro jornalista investigativo, concentrado em divulgar-noticiar o que realmente interessa: os bastidores dos protagonistas da guerra total contra a vida do planeta, princípio, meio e fim de toda forma de corrupção do atual estágio civilizacional-brutal em que vivemos.

Julian Assange é caçado pela Interpol, acusado de estupro na Suécia.

A educada e democrática polícia da Inglaterra negocia com nosso herói a sua rendição, pois existem notícias que Julian Assange se encontra escondido no sul do país do monumental poeta William Shakespeare. To be or not to be!

Nosso herói escreve uma carta se defendendo e denunciando líderes do mundo inteiro, inclusive de seu país, de serem covardes subservientes a serviço dos interesses bélicos dos Estados Unidos da América.

Os grandes cinco jornais desinformativos do mundo burguês passam a selecionar as fofocas das embaixadas americanas, voltando-as, como arma de guerra, contra governos de matiz de esquerda pelo mundo afora, como Hugo Chávez, da Venezuela, que passa a ser novamente acusado de envolvimento com as Farc, contra Evo Morales, da Bolívia; contra Cristina Kirchner, da Argentina; Lula, do Brasil, além de outras tantas verdadeiras fofocas noticiosas contra competidores dos Estados Unidos no sistema de guerra global, como China, Rússia e assim por diante.

Explode então uma perigosa guerra de hackers. Hackers a serviço do Departamento de Estado da guerra imperial total atacam sem cessar o sítio de WikiLeaks, de tal sorte a reescrever as 250 mil fofocas, seguindo orientação direta do Pentágono, da CIA e de uma legião de agências de golpes americanas pelo mundo afora.

Por sua vez, hackers em apoio do ex-hacker Julian Assange invadem os sítios de países aliados do imperialismo americano, além de uma infinidade de outros que eles imaginam ser inimigos de nosso herói, provocando um tremendo susto, porque ameaçam, inclusive, a divulgar informações sigilosas dos bastidores das eleições de líderes globais; primeiro de Lula, do Brasil, mas também ameaçando o próprio Obama, assim como de presidentes e primeiros ministros europeus.

A fofoca toma conta do planeta todo. Multinacionais são flagradas financiando guerras étnicas na África e na América Latina. Existe risco iminente de países do Oriente Médio começarem uma guerra entre si, tal é a futrica que surge aqui e ali dos 250 mil documentos sigilosos das embaixadas Américas.

Os 250 mil documentos são transformados ou metamorfoseados em trilhões de documentos. Todos passamos a falar em bolha informativa das fofocas das embaixadas americanas e o risco de contágio sistêmico dessa bolha. As instituições da guerra total contra a vida na Terra, OMC, FMI, ONU, OTAN, poderes legislativos, judiciários, executivos, famílias burguesas e operárias, sistemas educativos e de saúde, todas elas, são atacadas por uma bolha de fofocas informativas.

O ódio é geral. Freud tinha razão: Édipo é universal, filhos e filhas de todo o mundo odeiam seus pais, e vice-versa!

Resumo da ópera bufa

De repente, um incauto descobre que tudo isso faz parte da guerra total do capitalismo global.

A estratégia da vez é muito simples. Como os Estados Unidos da América, em crise imperial, cada vez mais são identificados como o epicentro do terrorismo total, os americanos mesmos projetaram essa bolha informativa global, a fim de universalizar a confusão.

Todos somos suspeitos. O fascismo é geral!

Conclusão: a guerra total deve continuar. O discurso de Obama, quando foi receber o Prêmio Nobel da Paz, finalmente é confirmado: ‘É preciso controlar/domesticar/submeter a perversa fofoqueira natureza humana. Tem que ter guerra, se quisermos paz.’

O império continua porque todos somos, naturalmente, o mal.

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Professor universitário, Vitória, ES