Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Conflito de interesses no Congresso Nacional

Pesquisa realizada no primeiro semestre deste ano pelo Instituto Projor, entidade mantenedora deste Observatório da Imprensa e de suas versões na TV e no rádio, revelou que pelo menos 51 dos 513 membros da Câmara dos Deputados são concessionários diretos de canais de rádio e TV. O mais grave, segundo este estudo, é que muitos destes parlamentares participam das reuniões que tratam das renovações e homologações dessas concessões na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara (CCTCI).


Conflito de interesses? A procuradora do Estado de São Paulo Vera Nusdeo, mestre em direito administrativo pela USP com a dissertação ‘O direito à informação e as concessões de rádio e TV’, acredita que o atual sistema de concessões a parlamentares é absurdo. ‘A meu ver, as concessões feitas diretamente a deputados ou a empresas das quais eles participem de alguma forma é flagrantemente ilegal’, afirma.


Na terça-feira (25/10), o presidente do Projor, Mauro Malin, e a advogada Taís Gasparian entregaram ao vice-procurador geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, documentação que contesta esse sistema de concessões. Mais que um conflito de interesses, as concessões a deputados e senadores ferem o artigo 54 da Constituição Federal, segundo o qual eles não podem ter contrato ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público.


‘Essa representação é extremamente importante e uma grande contribuição no sentido de se combater fraudes à Constituição Federal’, afirma o deputado Orlando Fantazzini (PSOL-SP). Assim como a procuradora Vera Nusdeo, ele também utiliza a palavra ‘absurdo’ para classificar a prática destas concessões.


Voto a voto


Os casos identificados pela pesquisa do Projor se referem a parlamentares que possuem concessões diretas. Segundo a representação entregue à Procuradoria Geral da República, há casos em que as concessões são atribuídas a terceiros – espécie de ‘camuflagem’ que torna mais difícil a verificação dos dados. Mais uma vez aparece o conflito de interesses.


‘Talvez o ideal seja garantir que não só os parlamentares, mas também seus parentes diretos, não possam ser concessionários de emissoras de radiodifusão’, defende a associação civil Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, em mensagem eletrônica enviada a este Observatório na quarta-feira (26/10). ‘Além disso, é preciso encontrar mecanismos que impeçam que contratos de gaveta sejam usados para esconder a verdadeira identidade dos concessionários. E garantir que a propriedade dos meios de comunicação – ou seja, os nomes daqueles que receberam concessões de rádio e TV – seja divulgada de forma ampla, assim como os prazos de vencimento dessas concessões’, continua a mensagem do Intervozes. A transparência sugerida pela associação é endossada por Fantazzini. ‘É preciso uma fiscalização séria, isenta e com controle social’, diz o deputado.


O fato de que estes parlamentares privilegiados com uma concessão pública de radiodifusão tenham acesso às sessões que decidem o futuro dessas mesmas concessões é ilícito, de acordo com os regimentos internos da Câmara e do Senado. Além do mais, a prática é, no mínimo, antiética. ‘Não é possível ter isenção na fiscalização de um concessionário público se o fiscalizador é o próprio concessionário’, ressalta o Intervozes. Nas reuniões da CCTCI, ‘eles concedem para eles mesmos e decidem se eles mesmos vão ter a concessão ou permissão não renovadas – em votação nominal, ou seja, aberta, voto a voto. É um total absurdo’, lembra Vera Nusdeo.


Atitude cívica


Na representação do Projor, dois deputados são citados nominalmente. Corauci Sobrinho (PFL-SP) e Nelson Proença (PPS-RS), respectivamente presidente e membro titular da CCTCI, teriam participado e votado favoravelmente nas reuniões em que foram aprovadas as renovações de suas concessões de rádio.


O Observatório procurou o deputado Nelson Proença, concessionário das Emissoras Reunidas, de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Eis o que declarou o parlamentar:




‘Sou membro titular da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados há 15 anos. Esta comissão permanente do Congresso ocupa-se, majoritariamente, das questões de ciência, tecnologia, telecomunicações e também comunicação social – como, por exemplo, as outorgas de comunicação social (rádio e TV).


Conforme pode ser comprovado pela minha atuação ao longo destes anos, minha participação se dá, por formação profissional, principalmente nas áreas de tecnologia – onde fui relator de matérias relevantes para o país como, por exemplo, a lei de informática e biotecnologia, entre outras.


As renovações de concessões de rádio e TV são meramente homologadas pela comissão, que atém-se às questões formais (documentação, prazos etc), já que todo o trabalho de análise, julgamento e decisão é do Ministério das Comunicações.


Cada renovação tem um relator indicado pela presidência da comissão, a quem cabe este trabalho.


Portanto, a votação no plenário da Comissão se dá sobre o parecer do relator e é feita em bloco, o que significa que vota-se uma única vez todos os relatórios, às vezes dezenas deles e sempre simbolicamente, sem votação nominal com pouca ou nenhuma discussão.


A rádio Alegrete, que tem participação da minha família, foi adquirida há 16 anos, em uma transação privada, e tem 56 anos de existência.


Na sessão que decidiu a renovação em questão, seguiu-se a tradição da Comissão: muitos relatórios votados em bloco, voto simbólico sem discussões e, como eu não fui chamado a me manifestar, não achei necessário, nem me ocorreu declarar o meu impedimento.


Estes são os esclarecimentos que considero devidos.’


Procurado pelo Observatório, o deputado Couraci Sobrinho, concessionário da Rádio Renascença, de Ribeirão Preto, afirmou na segunda-feira (31/10), por intermédio de seu chefe de gabinete Wesley Arantes, que não designou o relator para a sessão em que foi votada a matéria da renovação de sua concessão. Quem o fez foi o vice-presidente, que também presidiu a reunião em questão.


O Projor tem como finalidade estimular o debate sobre os meios de comunicação, com ênfase em seus aspectos éticos e de responsabilidade social. Como organização civil, entretanto, não possui nenhum tipo de poder regulatório para propor medidas legais sobre temas que conteste ou denuncie. Esta é a razão pelo qual o documento sobre o sistema de concessões a membros do Congresso foi entregue à Procuradoria Geral da República.


‘Iniciativas como esta deveriam ser multiplicadas e divulgadas, para que a população – que hoje sequer conhece o mecanismo de concessão de outorgas no país – pudesse democraticamente se sentir representada neste processo’, defende o Intervozes. ‘É uma atitude cívica que busca zelar pela prevalência do interesse público nas decisões relacionadas à radiodifusão no Congresso e garantir que não existam interesses conflitantes no exercício da atividade parlamentar.’