Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Da poesia da bola à novela dos campos

Como num enredo de telenovela, procuram-se mocinhos e bandidos. Quem foi o culpado, o vilão da história? O assassino do sonho de milhares de colorados? Os heróis da América perderam a batalha da conquista do mundo e o dia depois de amanhã é igual a tantos outros em que o favoritismo não se confirma, em que a expectativa dá lugar à frustração, em que o inesperado vence as análises e estatísticas e mostra que, sim, o imprevisto faz parte do futebol. Logo após a derrota, um amigo gremista, numa divagação para além da rivalidade, disse: é preciso colocar o futebol no seu devido lugar. Pensei: ele tem toda a razão.

Não é de hoje que o futebol deixou de ser apenas movido pela paixão para passar a ser um fenômeno de espetacularização, no sentido que propõe o pensador francês Guy Debord, com doses dos conceitos de imagem, representação, aparência, aparição, ilusão. A realidade representada, construída, parece fazer doer ainda mais a realidade do campo. Assim como enaltece sobremaneira as importantes conquistas. Ou podíamos, então, pensar a partir do conceito que a pesquisadora em telejornalismo Iluska Coutinho desenvolve, que mostra o quanto o jornalismo de televisão, por exemplo, tem feito uso de dispositivos da dramaturgia. A cobertura pré-Mundial muito teve de novelesco, a começar pelas narrativas da saga dos gaúchos que acompanharam o seu time até o local da partida, junto a outros ‘capítulos’ que se sucederam até o dia do jogo. E foi assim com a eliminação brasileira (e argentina) na Copa do Mundo, com a memorável batalha dos aflitos, a derrota do tricolor na libertadores de 2007 ou a segunda conquista da América pelo Colorado, entre outros exemplos deste momento histórico da sociedade contemporânea, no que tange à evolução dos dispositivos tecnológicos e os meios e formas de comunicar.

Sem querer fazer uma análise mais aprofundada, à qual estas poucas linhas nem se prestam, tampouco emitir juízos de valor analisando o certo e errado nas coberturas esportivas, me pego imaginando se as narrativas já eram assim antes de atingirmos esse potencial comunicacional e novas formas de viver e contar o futebol. Meus vinte e vários anos não me permitem lembrar como a imprensa noticiou a derrota na Copa de 50, mas bem lembro das coisas que li do poeta da bola, Nelson Rodrigues, quando ele conta que o repórter futebolístico era um poeta que dava ao fato seu encanto – ‘o que nós procuramos nos clássicos e nas peladas é a poesia dizia ele – quando considerava já ter tudo, em termos de técnica, na época: jornal, rádio e TV. Hoje temos muito mais, mas temo que, mesmo com tanta tecnologia à disposição e alguns bons colunistas, a vontade de mitificar, explicar, analisar, de dizer o que é certo e errado de punir, de glorificar, se transforme em excessos que não nos permitem ter olhos para a poesia que é o velho, bom e apaixonante futebol.

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Jornalista, mestre em Comunicação