Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O certo e o errado do hacktivismo

Manifestantes são uma turma cansativa. Bloqueiam as ruas e atrapalham o trânsito, custando tempo e dinheiro às outras pessoas; exigem a atenção da polícia, com gastos de verbas públicas, talvez ajudando criminosos. Mas os países decentes permitem protestos desordeiros e até deslocam forças da ordem para protegê-los. Esse é o preço da liberdade política, negociada por muitos anos e sujeita a verificações e balanços.

A questão agora surgiu no ciberespaço, com protestos online pró e contra o WikiLeaks, um site que denuncia erros e mentiras. Destrinchar quais as atividades que merecem proteção e quais merecem uma ação legal é uma tarefa espinhosa – e os detalhes da acusação, ainda mais (veja artigo).

Dois extremos do espectro são claros. O boicote de consumidores é uma opção individual. Nada há de errado em manifestar desaprovação às empresas que rejeitaram o WikiLeaks, como Visa, Mastercard, Amazon ou PayPal, deixando de negociar com elas. Mas usar a internet, por exemplo, para prejudicar o fornecimento de energia elétrica ou o serviço de bombeiros – como aconteceu na Estônia, em 2007 – é crime.

Ataque de ‘negação de serviço’

O problema está na zona que fica no meio desses extremos, em particular junto aos hacktivistas, que são os principais atores de ambos os lados. Sua técnica preferida é um ataque de ‘negação de serviço’ (DOS, denial of service) a partir de um computador ou de vários computadores distribuídos em rede (daí, o acrônimo DDOS – Distributed Denial Of Service). Isso implica bombardear computadores que estão usando o site que é alvo do ataque com um volume de tráfego superior ao que comportam.

Em consequência disso, o website se torna difícil de acessar, ou simplesmente sai do ar. Isso abala a vítima e assinala ao mundo a força dos perpetradores do ataque. Não provoca danos físicos, mas pode causar problemas e sair caro. [Ver ‘Extradition and WikiLeaks: Courting trouble‘.]

Em muitos países, os ataques DDOS são ilegais. Na Grã-Bretanha, por exemplo, eles podem render pena máxima de dez anos de prisão. Isso não os torna necessariamente errados: a desobediência civil, ilegal durante o período em que a Inglaterra ocupou a Índia ou igualmente ilegal nos Estados Unidos em relação à segregação, tem uma história longa e digna. Essas táticas até podem ser úteis contra regimes autoritários (ainda que sejam mais frequentemente utilizadas pelos governos contra seus opositores).

A comparação mais próxima a um ataque DDOS no mundo não-digital seria uma imensa manifestação de pessoas sentadas ou um piquete em torno de um edifício que tornasse impossível a entrada ou saída. Na maioria dos países, a polícia reagiria a esses casos abrindo um caminho até a porta e detendo manifestantes se estes reagissem com violência, mas permitindo que o protesto se concretizasse. Há quem também argumente que os ataques DDOS são uma expressão legítima de contestação. Caberia aos governos ter computadores suficientemente grandes e sofisticados para enfrentar esse tipo de ataque; se necessário, poderiam ajudar os serviços comerciais essenciais – como bancos e empresas de energia elétrica – a resistir aos ataques.

Mais hooligans que heróis

Porém, numa sociedade livre, a base moral para desobedecer à lei pacificamente deve ser a atitude do indivíduo arcar com as consequências, argumentar no tribunal e lutar por uma mudança na legislação. Portanto, os manifestantes só merecem proteção se puderem ser identificados. Alguns países (como a Alemanha) até proíbem os manifestantes de usarem máscaras.

No ciberespaço, por sua vez, os manifestantes são normalmente anônimos e não identificáveis. A natureza desconhecida e sigilosa dos ataques DDOS desqualifica sua proteção; seus autores anônimos mais parecem hooligans acovardados do que heróis. Isso também cabe aos que atacam o WikiLeaks – um aspecto que deveria ser considerado pelos políticos norte-americanos que pedem represálias contra Julian Assange. Esquadrões de justiceiros, tanto no mundo digital quanto fora dele, distribuem, na melhor das hipóteses, a justiça bruta. Isso jamais substituirá o que deveria ser.