As reformulações nas normas internas de redação dos jornais New York Times e Washington Post, anunciadas no mês passado, pouco mudaram os valores básicos do jornalismo. A análise é do jornalista e professor Philip Meyer, um pesquisador que, desde os anos 1970, se preocupa com a questão metodológica da apuração jornalística.
Após o caso Jayson Blair, o repórter que inventou reportagens no New York Times, os dois periódicos alteraram suas regras para o uso de informações provenientes de fontes não-identificadas (veja remissões abaixo). Preocupadas com a credibilidade de seus jornais, as novas normas restringem o uso de informações conhecidas no Brasil como off the record.
Um dos pioneiros da RAC (Reportagem Auxiliada por Computador), Meyer acredita que as mudanças propagandeadas pelos dois dos mais influentes diários do mundo não alteraram muita coisa. ‘As novas regras do Times e do Post codificaram principalmente padrões que já existiam’, declarou o professor ao Observatório.
Exigir que pelo menos um de seus editores tenha conhecimento de quem está dando informações em off aos repórteres, diz Meyer, não é novidade. De acordo com o professor, nos anos 1980 o jornal USA Today exigiu esse procedimento de seus jornalistas. Depois de algum tempo, a medida caiu em desuso.
Curiosamente, o próprio USA Today entrou na lista dos diários que assumiram reportagens inventadas. O jornal anunciou que, como o NYTimes, também encontrou reportagens fraudadas do correspondente Jack Kelley (remissão abaixo).
Repórter e editor de vários jornais dos Estados Unidos desde os anos 1950 e hoje professor de jornalismo da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, Meyer entrou para a na vida acadêmica no final dos anos 1960. Em 1973, lançou o livro Precision Journalism (jornalismo de precisão), um clássico da literatura sobre jornalismo. Nele, o autor defende a tese segundo a qual o jornalismo precisa ter uma metodologia de investigação clara, assim como ocorre nas ciências sociais.
Na edição espanhola da obra –o livro até hoje é inédito no Brasil–, a Editora Bosch apresenta Meyer como uma jornalista ‘preocupado com a questão do método’ enquanto a maioria dos jornalistas se dedica apenas a questões de princípios.
Numa época em que a credibilidade do jornalismo, não só dos EUA como no Brasil, é colocada em xeque – sobretudo, mas não somente, devido ao caso Jayson Blair –, as idéias de Meyer parecem bem atuais.
Na entrevista que se segue, o experiente jornalista fala com todas as letras que a fraude de Blair é um sinal de que reportagens mentirosas podem ocorrer em qualquer lugar. Vale refletir sobre isso pensando em nossa imprensa.
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O que mudou na imprensa americana após o caso Jayson Blair?
Philip Meyer – Há mais investigação sobre suspeitas de fraudes cometidas por repórteres. Se um repórter do Times fraudou matérias, isso pode acontecer em qualquer outro lugar, em qualquer época.
O New York Times e o Washington Post mudaram suas regras para o uso de fontes confidencias [aquelas que pedem para não ser identificadas]. O que achou disso?
P.M. – Os valores básicos não mudaram. Por exemplo, a Declaração de Princípios da American Society of Newspaper Editors, de 1975, diz: ‘A não ser que haja clara e urgente necessidade para manter o anonimato [da fonte], fontes de informação devem ser identificadas’. Após o caso Watergate, alguns repórteres esconderam fontes arbitrariamente só porque isso fazia com que eles parecessem importantes. As novas regras do Times e do Post codificaram principalmente padrões que já existiam.
Quais padrões?
P.M. – A relutância para identificar fontes sempre existiu, pelo menos durante minha carreira em jornais (1950-81). E editores sempre foram envolvidos nas decisões sobre as exceções [de quando se deve ou não identificar as fontes]. As novas regras especificaram quando e por quem essas decisões devem ser tomadas.
Quais valores básicos não mudaram?
P.M. – Sobre isso veja meu livro A Ética no Jornalismo [Forense, 1989, única obra de Meyer publicada no Brasil]. Eu não acho que os valores morais do jornalismo aqui [nos EUA] tenham mudado muito nos últimos 20 anos.
Bill Kovach e Tom Rosentiel, em Os Elementos do Jornalismo (Geração Editorial, 2003), defendem o ‘jornalismo de verificação’. Para eles, esse conceito prega um jornalismo com mais investigação e menos ‘afirmação’ (declarações). Concorda com eles? Por quê?
P.M. – O melhor trabalho investigativo expõe suas fontes e métodos para que os resultados sejam verificados por outros investigadores [jornalistas, pesquisadores e seu público] – da mesma forma como fazem os cientistas.
Na sua opinião, há exagero no uso de fontes confidenciais nos EUA?
P.M. – De tempos em tempos, as fontes não identificadas tendem a ser usadas com exagero, como no período pós-Watergate. Isso provoca reações. Quando o USA Today foi fundado, seus editores tinham autonomia para vetar as fontes confidenciais. Desde então, esses padrões têm sido relaxados.
No seu livro The New Precision Journalism (o novo jornalismo de precisão, inédito no Brasil), você diz que o jornalismo precisa ter métodos científicos, como nas ciências sociais. O que mudou na mídia 31 anos após a primeira edição dessa obra, publicada primeiramente em 1973 com o título de Precision Journalism?
P.M. – Duas coisas mudaram. Primeiro, os repórteres começaram a usar computadores. Enquanto isso não faz o trabalho científico deles, incrementa sua capacidade de análise. Mas não muitos repórteres podem escrever no código SAS, um bom padrão para CAR [sigla em inglês para reportagem auxiliada por computador]. A maioria das empresas de notícias não paga o bastante para [atrair repórteres e] elevar o [seu, deles] nível de habilidade.A outra mudança é que os jornais começaram a executar suas próprias pesquisas em vez de confiar nas pesquisas fornecidas por políticos. Eles treinaram redatores para explicar essas pesquisas com maior profundidade e precisão.
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Jornalista