Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um tributo ao Jornal do Brasil

A libertação da História das amarras das fontes oficiais alçou o jornalismo à condição de lugar de memória, espaço vivo de construção da realidade cotidiana, de embates políticos, econômicos, sociais, culturais. O jornalista é hoje um cronista das pequenas histórias do dia-a-dia, que no futuro se tornarão matéria-prima dos historiadores e ajudarão as futuras gerações a entender o nosso tempo – ou pelo menos os discursos que o configuram. E este tempo, a despeito dos avanços recentes das Tecnologias de Informação e Comunicação, será mais bem compreendido através da leitura atenta de um punhado de jornais e revistas. Entre eles, o Jornal do Brasil.

Como jornalista com 15 anos de redação nas costas, sempre na chamada ‘cabeça do jornal’ (Geral e, depois, Economia), não me sinto à vontade com o uso da primeira pessoa. Mas tomo a liberdade de adotá-la neste artigo, para não parecer jogador de futebol falando de si, qual um Júlio César narrando seus feitos militares. Deixando de lado o nariz-de-cera, a notícia do fim da edição impressa do JB, em agosto, me atingiu em cheio. Passei metade de minha carreira por lá, ao lado de muita gente talentosa, brilhante, lutando contra a falta de organização interna da empresa, mas desfrutando do tal ‘salário ambiente’, cujo significado só quem trabalhou na redação da Avenida Brasil consegue entender.

Cheguei em 1998, com o Titanic adernando mas com a banda ainda tocando no convés – o time, de alto nível, contava com Marcelo Pontes como diretor de Redação, Paulo Totti e Marcelo Beraba como editores-executivos, e Vera Brandimarte como editora de Economia, entre muitos outros. Saí num dos últimos botes, em 2006, quando o jornal virou berliner e perdeu de vez o que restava da alma original, consagrada pelo design elegante e moderno, que emoldurava reportagens que ajudaram a (re)escrever a História – principalmente no período da ditadura militar e na luta pela redemocratização.

Uma lição e tanto

Reportagem. Essa é a alma do jornalismo impresso, embora cada vez mais a agenda oficial domine a pauta no dia-a-dia das redações. Daí a proposta que levei aos meus alunos de Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa II, da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj): aproveitar o anúncio do fim da edição impressa do JB para fazer um dossiê, uma série de reportagens sobre esse diário centenário.

Apelidamos o projeto de ‘Obituário do JB‘, mas logo vimos que o resultado era um tributo a um dos mais importantes veículos de comunicação do país no século 20. Após uma reunião de pauta, dividida em grupos, a turma ouviu grandes nomes do jornalismo, como Alberto Dines, Carlos Lemos, Wilson Figueiredo, Evandro Teixeira, Miriam Leitão, Orivaldo Perin, Ivanir Yazbeck, professores, especialistas, leitores, jornaleiros, associações de classe etc. Como estímulo à prática do jornalismo em plataformas digitais, foram aceitos trabalhos em texto, áudio, vídeo e fotografia, mas o predomínio foi mesmo das reportagens escritas a quatro, seis, até dez mãos. O resultado foi consolidado de forma colaborativa no blog Tributo ao JB, que convidamos todos a visitar.

Uma vez dados os últimos retoques na edição, acompanhada atentamente pela turma, passamos todos a divulgar o trabalho, despretensiosamente, via mídias sociais. O retorno foi gratificante – em uma semana, caminhávamos para a marca de mil acessos, uma evidência do interesse despertado pelo Jornal do Brasil, a despeito de sua longa agonia. Tivemos a mesma sensação daquele repórter que retoma um assunto esquecido pelos coleguinhas e consegue levantar ângulos inusitados.

São muitas as histórias que não tinham sido contadas, como a da estagiária que virou editora e, diante da responsabilidade, trancou a faculdade; ou o depoimento de Evandro Teixeira, uma lenda viva do fotojornalismo, revelando que demorou a aceitar emprego no JB por duvidar que estivesse à altura de uma equipe formada por nomes como Erno Schneider. Foram marcantes também a visita dos alunos à redação onde sobrevive o JB Digital, num casarão do Rio Comprido que tem à porta um cartaz de ‘aluga-se’, e as posteriores discussões sobre o teor da reportagem – ouvir o outro lado e considerar o uso de informações em off deixaram de ser, para a turma, questões teóricas.

E fica ao menos uma certeza: contar a história do JB, veículo que ajudou a escrever a História do país, é tarefa para muitas turmas de Técnicas de Reportagem. E uma lição e tanto para os futuros jornalistas, que chegam ao mercado de trabalho em meio ao debate sobre as perspectivas do jornalismo impresso.

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Jornalista, professor do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Uerj e doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ