‘Creio que os governos dos últimos anos optaram por não investir em radiodifusão pública. Havia neste último governo um desejo manifesto de forma clara, algumas vezes; e outras, implícita de extinguir, inclusive, a Fundação Cultural Piratini’, descreve o professor Pedro Osório . Nomeado como o novo presidente da Fundação, que contempla a emissora pública de TV e rádio do Rio Grande do Sul, Osório pretende reorganizar o órgão de modo que a função pública seja realmente exercida pelos veículos. ‘Há, também, um quadro defasado. Muitas pessoas se aposentaram ou se afastaram e partiram para outras atividades. As condições materiais são muito ruins, tanto em relação a móveis quanto equipamentos. Mas especialmente o que mais preocupa é o quadro do desânimo dos funcionários pela forma com que eles vêm sendo tratados nos últimos anos, especialmente nesta última gestão’, explicou durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line.
Pedro Osório é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Maria. É especialista em Sociologia e mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações – FNDC. É doutorando em Ciência Política pela UFRGS e, durante os últimos anos, atuou como presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini (gestora da TVE/RS).
Confira a entrevista.
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Você já tem um panorama das condições em que vai encontrar a Fundação Cultural Piratini quando iniciar na presidência?
Pedro Osório –Sim. Tenho um levantamento detalhado que foi feito pelos funcionários nas últimas semanas. Além disso, eu, até então, era presidente do conselho deliberativo da Fundação Cultural Piratini e, por isso, vinha acompanhando bem a situação que é muito ruim. É uma fundação que tem duas emissoras as quais, nos últimos oito anos, não tiveram qualquer investimento em equipamentos que estão defasados. A migração para o padrão digital não está em andamento, nenhuma providência significativa, aliás, foi tomada. Mesmo um transmissor que foi adquirido na época do governo Olívio Dutra não foi instalado até hoje por razões que não se sabe bem quais foram.
Há, também, um quadro defasado. Muitas pessoas se aposentaram ou se afastaram e partiram para outras atividades. As condições materiais são muito ruins, tanto em relação a móveis quanto equipamentos. Mas especialmente o que mais preocupa é o quadro do desânimo dos funcionários pela forma com que eles vêm sendo tratados nos últimos anos, especialmente nesta última gestão. É um cenário difícil, mas do qual eu tenho conhecimento pleno.
A que você atribui esse descaso que a Fundação Cultural Piratini sofreu nos últimos anos?
P.O. –Creio que os governos dos últimos anos optaram por não investir em radiodifusão pública. Havia neste último governo um desejo manifesto de forma clara, algumas vezes; e outras, implícita de extinguir, inclusive, a Fundação Cultural Piratini. Ela era considerada um peso e uma despesa desnecessária, pois a comunicação poderia se dar apenas através dos meios privados. Atribuo isso também a determinadas dificuldades financeiras e de gestão. É, porém, evidente que os dois últimos governos não consideraram prioridade considerar emissoras que tenham um caráter público e que possam cumprir um papel diferente das emissoras de rádio e TV comerciais.
O que a TVE representa para o RS?
P.O. –Há uma pesquisa que foi feita há pouco mais de um ano e meio por profissionais de propaganda e publicidade ligados ao conselho deliberativo que indica que os gaúchos, especialmente da área metropolitana, têm um carinho muito grande pela emissora. A Rádio também detém de uma admiração muito grande. Ainda assim, os índices de audiência são pequenos.
De modo geral, há manifestações de carinho e apreço que chegam a todo momento. Estou convencido de que o povo do Rio Grande do Sul tem uma grande consideração pelas duas emissoras. É sempre um motivo de satisfação quando um novo município consegue captar, receber e firmar o sinal da TVE. Ainda que a programação esteja muito precária, ela é diferenciada do que se encontra em outros ambientes comerciais.
Quais foram os caminhos percorridos dentro do PT até essa nomeação?
P.O. –Eu sou filiado ao PT desde os anos 1980. Sempre militei nessa área de comunicação e estive vinculado ao sindicato, lidando com os embates no que se refere à democratização da comunicação. Depois integrei o primeiro governo da Administração Popular como coordenador de projeto especiais na área de comunicação. No segundo governo, quando Tarso Genro foi prefeito de Porto Alegre, eu fui secretário de comunicação. Para além dessa militância junto ao PT, sempre militei na minha atividade acadêmica e junto à sociedade civil, trabalhando pela democratização da comunicação integrando o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação ou o Instituto de Pesquisas em Comunicação, que no momento está desativado. Essa minha trajetória também veio me qualificando no decorrer desses anos para assumir essa função. Creio que o governador leva tudo isso em conta quando indica alguém para tal cargo.
O senhor pertence a alguma ala dentro do partido?
P.O. –Sim, há muito tempo integro o PT Amplo e Democrático. O critério de escolha que tem sido adotado nesse governo está sendo muito relativizado. De forma que a escolha por mim tenha sido mesmo uma opção do governador que, evidentemente, sabe que tendência eu entrego.
Continuará atuando na academia?
P.O. –Espero continuar vinculado à Unisinos. Já conversei com o coordenador de jornalismo sobre isso. O serviço público viabiliza e estimula o exercício do magistério, desde que sem prejuízo para a atividade pública. Eu pretendo continuar lecionando, talvez diminuindo um pouco a carga horária, mas lecionar é fundamental para minha vida.
No RS, quais são os principais entraves para que se consolide uma democratização da comunicação?
P.O. –Os impasses do RS são os mesmos do país com uma característica de que aqui há uma rede muito forte, que é a Rede Brasil Sul de Comunicações. Penso que se constituiu historicamente no Brasil um monopólio das comunicações com características muito próprias, resultantes de determinadas conjunturas e períodos históricos. Os meios de comunicação, em geral, são complemente avessos a qualquer tipo de crítica que se possa fazer, assim como são avessos a qualquer tipo de regulação. Quando falamos em regulação, não estamos falando em censura ou controle de conteúdo. Trata-se de estabelecer algumas ordens que permitam que esses meios de comunicação expressem ou recebam sinais da sociedade para que possam, da melhor forma possível, contribuir para a constituição de uma sociedade democrática e plural para o exercício da cidadania. Então, há uma desconfiança e resistência dos meios de comunicação para um debate sobre regulação.
Um exemplo: nos EUA, que é um país essencialmente capitalista, não existem redes como existem aqui. Não seria viável uma empresa que detivesse o maior jornal, a rádio e a TV de maior audiência. Isso, nos EUA, é proibido porque limita a pluralidade a participação social e impede a competição. Esses assuntos que estão em pauta a partir da Conferência Nacional de Comunicação e confio que aos poucos nós vamos avançando no sentido de democratizar mais a comunicação e estabelecer algumas normas. Isso não significa ser contra empresários ou estabelecer censura. Pelo contrário, significa trabalhar para que haja um número maior de veículos, fortalecer as emissoras municipais e por aí vai.
Quais são os problemas jurídicos que envolvem a Fundação Cultural Piratini hoje?
P.O. –Não tenho conhecimento por inteiro. Não sei que tipo de ação trabalhista, por exemplo, que possam estar correndo lá. Problema jurídico no sentido específico da palavra não há. Há alguns ajustes que precisam ser feitos. Recentemente, uma decisão da Justiça do Trabalho determinou que não se utilize mais o cargo em comissão para funções que não sejam de chefia, assessoramento e direção. Portanto, a fundação não poderá contratar repórter ou apresentador em cargos em comissão, como fazia antes. Isso determinou a demissão de pouco mais de 20 pessoas. Muito provavelmente, a Justiça aprovará a contratação temporária até que se possa fazer um concurso, o que já está determinado.
Já tem planos e ideias de novidades para a TVE e para a FM Cultura?
P.O. –Naturalmente, temos já algumas ideias. Mas a nossa prioridade, no momento, dada a precariedade da programação e a demissão recente de um número significativo de pessoas que ocupavam cargos de confiança, nossa missão principal é manter as duas emissoras funcionando. A rádio, por exemplo, funciona basicamente no computador, pois não há funcionários para mantê-la no ar. Nos primeiros 60 dias é mantê-la funcionando, adequando à realidade que vamos encontrar lá que se tornou mais difícil nos últimos 30 dias. Se a gestão atual já vinha enfrentando muitas dificuldades por conta de recursos e opções que tomou, agora este quadro ficou mais difícil.
Nós devemos fazer um convênio com a Empresa Brasil de Comunicação, retransmitindo parte de sua programação de modo provisório e vamos começar a pensar numa televisão que tenha um caráter público sem ignorar que o Estado precisa se manifestar através desse tipo de emissora também. Não me parece sensato que o Estado recorra apenas à iniciativa privada para expressar as suas opiniões. Portanto, não imaginamos uma TV e um rádio no qual o RS e seus governantes não tenham voz. Evidentemente, não se trata de transformar essas emissoras em assessoria de imprensa do Estado. Longe disso. Queremos uma emissora cuja informação seja contrastada, precisa e plural. E no que diz respeito à formação, que muitas vezes fica esquecida, que possa ser recuperado como ferramenta educacional no sentido amplo e cultural, evitando sentidos degradantes. Precisamos de canais públicos que estejam atentos aos grandes desafios da humanidade.