A morte, no domingo (16/10), do jornalista mexicano Miguel Ángel Granados Chapa, aos 70 anos, “tras una larga enfermedad”, merece muito mais do que o mero registro necrológico. Com efeito, homem de postura discreta, dono de férrea disciplina nas tarefas cotidianas, cidadão culto e íntegro, defensor incansável dos direitos humanos e da plena democracia em seu paíis, don Miguel foi o que os mexicanos chamam de “periodista histórico”, um mestre do ofício de refletir sobre o país e suas mazelas e, na hora de passar tudo ao papel, fazê-lo com invejável sobriedade e precisão.
Dele certamente discordavam, aqui e ali, os poderosos criticados em sua imperdível coluna diária no jornal Reforma, “Plaza Pública”, mas todos reconheciam, e sobretudo respeitavam, além de sua fina escrita, sua inabalável coerência e firme apego a valores éticos e morais, artigos hoje algo em falta num México dilacerado até o âmago pela tragédia do narcotráfico e a perene desgraça da corrupção, em todos os níveis de governo.
Granados, jornalista muito premiado, dentro e fora do México, será também lembrado por seu importante papel na luta por uma imprensa livre e honesta, movimento iniciado em 1976, quando capangas a soldo do presidente de plantão, Luís Echeverría, invadiram as oficinas do jornal Excelsior – crítico corajoso do então regime de partido único, o PRI –, expulsaram o diretor do jornal, don Julio Scherer e fiéis seguidores, entregando a publicação em mãos de jornalistas de débil espinhaço, ávidos por privilégios em troca de silêncio cúmplice, concedidos pela proximidade com Los Pinos – o palácio presidencial ao sul da Cidade do México.
Ceticismo saudável
Já colunista político de renome, Granados saiu com Scherer e outros companheiros de redação e, sem nada planejado naquele triste momento, contribuiu, com sua visão moderada mas nem por isso menos atilada, para se criar ali mesmo, no calçadão da imponente Avenida Paseo de la Reforma, o esboço de um conjunto de novos jornais e revistas, que governo algum, dali em diante, conseguiria pressionar e muito menos controlar: a combativa revista semanal Proceso, a revista literária Vuelta (do poeta e ensaísta Octavio Paz), os jornais Unomásuno e La Jornada.
Sempre independente e produtivo como profissional, Granados, advogado de formação, foi ainda um radialista competente graças ao seu programa matinal de comentário político, também chamado “Plaza Pública”, transmitido durante 30 anos pela Rádio Universidad, da Universidad Autónoma de México (Unam).
Deixa mulher e três filhos – um deles, Tomás, jovem e brilhante intelectual, diretor de Hoja por Hoja, publicação mensal de resenhas e críticas literárias de alto e refinado nível, encartada aos sábados nos grandes jornais mexicanos. No qual, aliás, ele também colaborava com artigos sobre a atualidade editorial.
Muito deve, portanto, a livre, vibrante e crítica imprensa mexicana de hoje, nesse contexto incluída a penosa memória das centenas de colegas assassinados pelos cartéis da droga, ao velho e batalhador companheiro Miguel Ángel Granados Chapa, que do alto de seus 50 anos de atividades, viu, com uma cautelosa ponta de ceticismo, recurso dos bons jornalistas, seu sofrido México melhorar pouco a pouco.
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[Wladir Dupont é jornalista, tradutor, ex-correspondente de Veja no México]