Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Biografia de uma condessa fascinante

Já é antigo o debate sobre a forma como os historiadores apresentam os resultados de suas pesquisas. Em geral, ainda se acredita que os livros e história têm uma linguagem demasiadamente erudita e incapaz de atingir um público amplo (ver, neste Observatório, ‘A crítica da crítica‘). Em contraste, também é considerado que a história desperta cada vez mais interesse e ganham destaque nesse contexto as reportagens históricas, livros escritos por jornalistas. Estes, por sua vez, se gabam de serem donos de uma escrita mais agradável e capaz de atingir a um público maior não especializado. O fenômeno mais significativo nessa direção talvez tenha sido a coleção Terra Brasillis, de Eduardo Bueno, que teve suas vendas alavancadas pela comemoração dos 500 anos de ‘descobrimento’ do Brasil. O mais recente é o livro 1808, de Laurentino Gomes (ver ‘A História do Brasil em grandes reportagens‘), que utilizou o aniversário de 200 anos da vinda da família real como trampolim de vendas e na esteira do sucesso já lançou também 1821… Em meio a esses, não passa desapercebida a historiadora Mary Del Priore que, depois de ganhadora de vários prêmios com obras acadêmicas, se lança no mercado editorial com biografias históricas das quais destacamos agora a da condessa de Barral.

A primeira empreitada de Mary Del Priore direcionada a um público mais amplo foi com O Príncipe Maldito, obra que precedeu o livro ora resenhado. A autora afirma ter vislumbrado a opção de escrever livros de divulgação na década de 1990.

‘Quando me mudei para o Rio de Janeiro, descobri os arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e percebi quantos filões poderiam nascer dali. E, nesse momento, houve uma ruptura naquilo que eu considerava que poderia ser uma carreira, como historiadora, e não como professora. Nunca me senti professora de nada e nem de ninguém. Então naquele período, vislumbrei a possibilidade de fazer livros de divulgação que chamassem a atenção para a questão da história do Brasil. Escrever sobre personagens que fossem desconhecidos usando-os como janelas para o passado’ (RHBN nº 55, p. 53-54).

Imperador apreciava conhecimento e inteligência

No caso da condessa de Barral, Del Priore afirma ter tido a sorte de ‘(…) encontrar documentação inédita, embaixo do nariz de todo mundo. Os diários da Condessa de Barral (…) estavam aqui no Instituto Histórico e Geográfico’ (PRIORE, idem, p. 53). Além das cartas da condessa, o livro é embasado em vasta documentação e bibliografia nacional e internacional, que dão fôlego a sete capítulos sobre as diferentes fases da vida da condessa.

Luísa Margarida Portugal e Barros é o nome com o qual foi batizada a futura condessa de Barral, nascida em 1816. Mary Del Priore encontra motivos variados para chamar a atenção para a vida dessa mulher…

‘(…) Luísa ia revirar o mundo de ponta cabeça. Não só porque teve uma relação muito especial com D. Pedro II, mas porque teve uma relação muito especial com a vida. Devorou-a com apetite. Tomou o destino nas próprias mãos. Verdadeira camaleoa, Luísa se negou a ser prisioneira dos limites de sua época. Preferiu as aventuras do dia-a-dia. Inventora de uma maneira de viver, criadora de uma imagem de si, Luísa modelou seu destino, sempre insatisfeita com o que lhe foi dado. Sua existência, como a de todos os personagens fascinantes da história, foi marcada por ambiguidades. Ela foi `maravilhosa´, coquete e amante. Quando quis, no entanto, foi esposa exemplar’ (PRIORE, Mary Del. p. 14).

Mas o argumento que definitivamente torna sua vida interessante é a relação que a bela Luísa viria a ter com o imperador D. Pedro II. Relação essa que, certamente, não prevaleceria se a mulher casada fosse dotada apenas de coquetterie e graça, considerando o apreço do monarca pelo conhecimento e a inteligência. Seu pai se chamava Domingos Borges de Barros, era filho de senhores de engenho da Bahia. Homem culto, educado na Europa, estudava em Coimbra quando Napoleão Bonaparte tomou o poder na França. Sua mãe era D. Maria do Carmo De Gouveia, antes de se casar com Domingos uma jovem e rica viúva. Sua infância fora terminada na corte francesa, pois Domingos fora nomeado para servir como diplomata e representante do Brasil na França, serviços recompensados com o título de marquês de Pedra Branca.

Historiadora dá uma lição

Entre as fotos e imagens do livro, a de Luísa quando jovem explica bem o interesse que despertava nos jovens. Para surpresa de todos, em 1835 Luísa reivindicava escolher seu destino. Pior para o rico Miguel Calmon Du Pin e Almeida, o Marquês de Abrantes com quem Domingos já havia arranjado um casamento para a filha. Contava contra Abrantes também o fato de ser contemporâneo do pai da moça. Bom para o jovem e pobre nobre francês Eugênio de Barral, que depois de um longo cortejo se casou com Luísa. Em 1837 o casal se muda da França para a Bahia. As relações do Marquês de Pedra Branca tornaram Luísa dama de honra da princesa Francisca de Bragança e depois aia das filhas do imperador D. Pedro II.

Como evitar que o livro se torne mais interessante a partir do capítulo cinco, quando a historiadora narra o convívio da condessa de Barral, na condição de responsável pela educação das princesas, com o imperador? Estaria a biografia da fascinante condessa refém de um caso extraconjugal com imperador? Seja como for, os detalhes da trama são deliciosos. Ao menos para os ávidos por segredos sórdidos de personagens importantes. Tais como a decepção de Pedro II ao conhecer a imperatriz D. Tereza Cristina e a demora do mesmo em consumar o casamento, o que causava apreensão nos cochichos de corredor. Ou também da pergunta de uma das princesas sobre o porquê de, durante as aulas o pai, pensando estar protegido pelas saias da mesa, dar pequenos pisões nos pés da aia. Da correspondência entre o imperador e a condessa, a historiadora monta um quebra-cabeças muito interessante da relação dos dois.

Para além de outros poucos casos que se sabe de D. Pedro II fora do casamento, sua relação com a condessa de Barral se mostrou ser bastante duradoura. Quando não estavam próximos, se comunicavam por correspondência. Por vezes a condessa escrevia ao imperador da forma que somente uma amante podia fazer. Quem mais poderia chamar a atenção de um chefe de Estado pela maneira despojada que teve D. Pedro II nas suas viagens para o exterior quando esse queria ser apenas o ‘cidadão Pedro d´Alcântara’? (CARVALHO, José Murilo. 2007, p. 10) Certamente, a autoridade da condessa advinha da intimidade com o monarca e monarquista convicta que era não conseguia entender os arroubos republicanos do imperador. A afeição entre os dois não teve apenas a duração da juventude de ambos. A despeito do que ele escrevia em 1880 (‘Ah! Se lhe contasse tudo o que imaginei nas lindas noites dos campos do Paraná’) (PRIORE, Mary Del. p. 215), a correspondência da fase final da relação dos dois denunciava mais uma relação regida pelo afeto e pelas lembranças. Principalmente pela distância e o fato de a condessa ser uma viúva com um filho adolescente cheio de brios.

Para aqueles que acreditam que certas minúcias só podem ser conseguidas pelo treinamento de jornalista, Mary Del Priore dá uma lição. A riqueza de detalhes, contextualização e descrição de cenas e costumes de sua obra desmente que historiadores não sabem escrever para um público mais amplo.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR