Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ano positivo para a comunicação brasileira

Na avaliação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o ano de 2010 foi favorável à comunicação brasileira. Embora o governo federal não tenha implementado nenhuma resolução da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), não ficou apático em relação ao setor. Realizou importantes movimentos, como o seminário internacional de legislação comparada sobre comunicação e o lançamento do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), atendendo a demandas defendidas também pelos movimentos sociais.

Do ponto de vista do movimento por uma comunicação mais democrática e das ações do governo federal, o ano de 2010 foi uma espécie de ‘ressaca’ da Confecom, acredita o coordenador-geral do Fórum, Celso Schröder. ‘Passamos o ano todo discutindo, avaliando e cobrando as resoluções decididas lá. Não temos consequências concretas quanto às políticas públicas, mas a Confecom não foi negada. Vivemos a decorrência dela em um ano atípico em virtude do processo eleitoral’, avalia o também presidente Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Tal período, no entanto, não inviabilizaria algumas ações imediatamente à Confecom, como a constituição do Conselho de Comunicação Social. ‘Com o aval que a Confecom deu, aprovando-o por unanimidade numa esteira de mobilização inédita no Brasil, o conselho já poderia ter sido instalado’, afirma Schröder. O que teria evitado, de acordo com ele, o recrudescimento das ações dos setores conservadores antirregulação e o uso eleitoreiro do debate (leia).

A expectativa do dirigente para o próximo ano é que o novo governo fortaleça o Ministério das Comunicações, como vem sinalizando, construa o novo marco regulatório e tonifique o setor público da comunicação brasileira. Com tais políticas, o país dará passos decisivos para saldar o déficit de democracia que tem com o setor.

Nesta edição, o e-Fórum faz um balanço dos principais temas que nortearam a comunicação brasileira em 2010.

Novo marco regulatório

A regulação da mídia pautou a comunicação brasileira nos últimos meses. A criação da comissão interministerial para formular um novo marco regulatório e a realização do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência das Mídias (confira) demonstrou a disposição do governo federal de enfrentar o assunto.

Ao trazer experiências de países com tradição democrática, o governo quebrou o discurso de que regulação e regulamentação são incompatíveis com a liberdade de expressão e configuram censura. Os países desenvolvidos do mundo, sem nenhuma exceção, possuem marcos e agentes regulatórios. ‘Isso garante a democracia na comunicação dessas nações’, reforça Schröder. Todavia, é preciso vencer a resistência do próprio Executivo e das empresas de comunicação em discutir a regulação no que tange ao conteúdo (confira).

A comissão que desenha o novo marco deve ter como guia também as resoluções da Confecom. De posse da proposta de marco regulatório, é necessário que o governo instale imediatamente um processo consultivo de audiências públicas, validando o conceito de participação social.

Parlamentares precisam esclarecimento

Paralelamente a esta mobilização, a próxima leva de parlamentares que assumirá em 2011 precisa ser esclarecida quanto à necessidade de um marco regulatório para as comunicações (confira aqui e aqui).

Em balanço feito pelo FNDC, em maio de 2010, contatou-se que tramitam mais de 200 projetos sobre temas de comunicação na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Esse número, que inclui as propostas apensadas, pode ultrapassar a casa dos 300 se forem contabilizados os projetos que estão em outras comissões. A maioria das proposições antecede à 1ª Confecom. Do debate surgiram 672 diretrizes para a formulação de um novo marco legal das comunicações. Nos quatro meses posteriores ao encontro foram apresentados na Câmara dos Deputados 25 novos projetos, mas ainda não se vê, entre a maioria dos parlamentares, empenho pela implementação das propostas da Confecom (leia).

Fórum Brasil Conectado

A implantação do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) deve combinar o interesse público no oferecimento do serviço com a criação de uma infraestrutura de acesso. Para o FNDC, é preciso propor uma agenda democrática, apoiada em políticas públicas de comunicação que imponham às operadoras responsabilidades e contrapartidas sociais. Essa concepção sobre o PNBL norteou as contribuições da entidade nos encontros do Fórum Brasil Conectado (FBC).

Instância criada para acompanhar, discutir e propor ações e diretrizes ao PNBL, o FBC, realizou três encontros em 2010 (confira). Na primeira reunião realizada no dia 23 de junho, em Brasília, o comitê gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID), coordenador do Fórum, informou quais seriam os primeiros passos da execução de uma política nacional de banda larga (leia).

O segundo encontro ocorreu nos dias 23 e 24 de agosto (veja). Nele as discussões forram norteadas por dois eixos centrais. O primeiro dizia respeito à implementação e a forma como a Telebrás deveria oferecer o serviço de banda larga. O segundo abordava as condições de infraestrutura e de oferta que devem pautar o Plano. Os debates foram divididos em 11 sessões temáticas. Confira aqui as proposições iniciais do FNDC para cada tema. Durante o evento foram divulgadas as 100 primeiras cidades que integrarão o Programa (leia). Já no terceiro encontro, que aconteceu em 30 de novembro, foi apresentada uma prestação de contas das ações do PNBL e ocorreu o amadurecimento das discussões do segundo FBC.

Universalização de serviços de comunicação

A entrada da Telebrás no mercado de banda larga e as exigências do plano de metas para a universalização do serviço de telecomunicações estremeceram as relações entre as empresas de telefonia e o governo federal. Em dezembro, após negociação com o governo, as telefônicas aceitaram retirar as ações judiciais que moviam contra o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III) e a Telebrás. No fundo do embate está a mudança no modelo de negócio, provocada pela evolução tecnológica e pela assimilação do Estado do papel estratégico das comunicações para o país (leia).

A universalização dos serviços de comunicação é tão importante para a sociedade quanto foi a expansão do sistema nacional de energia elétrica, por exemplo. Com a convergência tecnológica acelerada pela digitalização dos meios, o acesso às comunicações se tornou imprescindível a todos, para que estejam incluídos socialmente, e precisa estar inserido no princípio de bem público. Qualquer iniciativa que pretenda universalizar os serviços nessa área, do ponto de vista do FNDC, deve considerar um projeto estratégico nacional de digitalização (saiba mais).

Mídia atuou como partido político nas eleições

Se dependesse dos grandes veículos de comunicação, o resultado da eleição presidencial brasileira deste ano certamente seria outro. Ainda em março, a presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e executiva da Folha de S.Paulo, Maria Judith Brito, reconheceu que os meios de comunicação estavam fazendo o papel oposicionista (político) no Brasil, ‘já que a oposição está profundamente fragilizada’. A declaração mostrou que essa imprensa assume um lado, contrariando o jornalismo dito ‘isento’ propalado pelos meios de comunicação do país (leia). O que se viu foi o agendamento de temas com prioridade e interesse eleitoral. Tal postura motivou a manifestação do FNDC em defesa da democracia e do controle público sobre a mídia, no mês de setembro (veja).

A campanha contrária à candidata do presidente Lula, no entanto, não surtiu efeito. Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil, venceu no primeiro turno e foi eleita no segundo com 56,05%. Para a professora e pesquisadora em Comunicação e Política Maria Helena Weber, isso de dá porque no contexto atual da política e da opinião pública a questão da vivência ganhou destaque. Segundo ela ocorre uma mudança geral do país e as pessoas que usufruem dos benefícios das ações políticas do governo hoje opinam favoravelmente sem nem mesmo circular na internet ou ter acesso aos meios de comunicação (confira).

PL 29 e as deliberações da Confecom

Há quatro anos tramitando no Congresso Nacional, o projeto de lei que unifica as regras para o mercado de TV por assinatura deve ser votado no próximo ano, mas segue polêmico. Aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em maio, o PL 29 foi encaminhado ao Senado Federal, onde passou a ser denominado PLC 116. Em análise na Comissão de Constituição e Justiça da casa, já obteve emendas e foi fruto de audiência pública no início de dezembro.

Embora haja uma tentativa de entendimento para a aprovação da nova lei, o debate evidenciou as divergências quanto às cotas de produção nacional e às novas atribuições da Agência Nacional de Cinema (Ancine). A liberação de novas outorgas para a TV a cabo, sem a alteração da Lei do Cabo e a provação do PLC 116, feita pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tornou o cenário ainda mais turbulento. Para o FNDC, é preciso que o PLC 116 incorpore as deliberações da Confecom (leia) e cuide para que ao abrir o mercado de TV por assinatura às empresas de telefonia não faça uma simples transferência de hegemonia (confira).

Seminário discute 70 propostas

Representantes de movimentos sociais e da comunicação, integrantes da Comissão Nacional Pró-Confecom (CNPC) participaram em Brasília, no início do mês de julho, do seminário proposto pelas deputadas Iriny Lopes (PT-ES), pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e Luiza Erundina (PSB-SP), pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, e entidades da sociedade civil. O encontro estabeleceu critérios de importância para as propostas da Confecom. Foram priorizadas 70 proposições para serem implementadas com mais celeridade.

Em junho, a declaração do ministro-chefe Franklin Martins, da Secretaria da Comunicação Social do Planalto de que as resoluções terão de ser conduzidas pelo próximo governo desagradou o movimento social que participou intensamente do encontro (confira).

Telebrás pode operar rede pública

Recentemente, a Secretaria de Comunicação Social do governo federal apresentou ao Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) um estudo, ainda preliminar, sobre a possibilidade de usar a Telebrás como operadora da rede pública de TV digital (saiba mais). O operador visa a estabelecer a digitalização dos canais públicos de televisão, especialmente aqueles geridos pela União, e será implementado pela EBC (confira). Emissoras educativas e culturais também avaliam a possibilidade de ingressarem na rede que o governo federal vem preparando (leia).

Em 2009, a EBC pôs em consulta pública os requisitos para a contratação da empresa que fará a implantação, operação e manutenção da infra-estrutura da Rede Nacional de Televisão Pública (RNTP) (veja). O Ministério das Comunicações publicou a Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital, oficializando a criação do operador de rede em fevereiro daquele ano.

EBC renova Conselho Curador

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) renovou três membros do Conselho Curador da entidade em abril de 2010. O processo ocorreu após consulta pública para a formulação de uma lista tríplice que passou pela apreciação do presidente da República (saiba mais) . Na avaliação do FNDC, embora positiva, a metodologia da consulta pública foi limitada por não considerar o direito de escolha da sociedade (confira). Passaram a integrar o referido conselho o engenheiro elétrico Takashi Tome e os jornalistas Ana Veloso e Mario Augusto Jakobkind.

Rádios comunitárias sofrem perseguição

O movimento de rádios comunitárias continua sofrendo formas de criminalização por parte do Estado. Após a tentativa de condicionar a concessão de outorgas ao não exercício sem autorização do serviço de radiodifusão comunitária em outubro (leia), o Ministério das Comunicações passou a exigir certidão criminal de todos os diretores das emissoras. Conforme o coordenador geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e integrante da Coordenação Executiva do FNDC, José Nascimento Sóter, a autorização para o exercício da radiodifusão comunitária é concedida às entidades e não às pessoas que as formam. Na prática a nova medida torna coletivos quaisquer delitos cometidos pelos integrantes das associações (confira).

Lei do Direito Autoral

O Ministério da Cultura colocou em consulta pública, de 14 de junho a 31 de agosto, o projeto de modernização da Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/98). O processo teve de 1049 participantes, sendo 118 instituições, gerando um total de 8.431 manifestações e contribuições ao texto que será encaminhado ao Congresso Nacional. O advogado Marco Tulio De Rose, entrevistado deste e-Fórum em 20 de agosto, especialista no assunto, acredita na gestão coletiva e estatal sobre os direitos autorais e observa que cabe aos juristas encontrar uma forma de tornar mais efetiva e simples a proteção econômica da lei em relação ao autor (saiba mais).

Marco civil da internet em construção

Em abril foi colocado em consulta pública o anteprojeto do Marco Civil da internet, elaborado em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). O número de visitas à página do Fórum da Cultura Digital Brasileira foi superior a 77 mil e houve mais 2,3 mil comentários. A primeira fase desse processo, encerrada em dezembro do ano passado, contou com mais de 800 contribuições.

O texto final deve ser encaminhado ao Congresso no próximo ano. Na opinião do FNDC, é preciso que a plataforma e o conteúdo sejam diferenciados na proposta de regulação da rede (confira).

Sistema Brasileiro de Rádio Digital

A portaria publicada pelo ministro Hélio Costa em 31 de março, às vésperas de sua saída do Ministério das Comunicações, criando o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), trouxe um rol de diretrizes a serem observadas durante a construção do sistema. O documento contém premissas básicas para a digitalização da radiodifusão sonora no país, como, por exemplo, proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequências. O Minicom, entretanto, não definiu tecnologia e nem chegou a estabelecer, efetivamente, políticas para o setor (confira).

Atentas ao desenvolvimento do SBRD, entidades ligadas ao movimento pela democratização da comunicação manifestaram sua posição em Carta Aberta (leia). Elas alertam que a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão rigorosos, ou de forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá trazer sérios problemas e não atender à realidade brasileira.

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Da Redação FNDC