Mais do que proporcionar entretenimento travestido de história, as grandes perguntas que ‘não querem calar’ revelam muito mais sobre a personalidade jornalística do que se pode imaginar. Jornalistas passam tanto tempo tentando descobrir o que há por trás dos fatos que não se pode mensurar onde termina o relato íntegro dos acontecimentos e onde começa a mera interpretação pessoal acerca deles. A questão crucial é que, não raras vezes, o segundo se torna muito mais importante para a história do que o primeiro.
Uma vez que o relato nunca consegue transpor originalmente o que o fato em si significou, já que não é possível sentir o cheiro do gás de cozinha ao ler uma matéria sobre um incêndio residencial, tudo o que vem depois está, sutil ou deliberadamente, impregnado da opinião de seu relator. Fato este que nada tem em comum com o tão ultrapassado conceito de imparcialidade, que hoje se resume ao que determina o departamento comercial de um meio de comunicação. Opinião nem sempre se caracteriza pela defesa de um pensamento, pois pode significar apenas um olhar mais detalhista sobre determinado acontecimento.
Os adendos
Um exemplo disso é a controvérsia sobre a ida – ou não – do homem à Lua. A impossibilidade de descrever tal acontecimento, mesmo diante das supostas imagens transmitidas pela televisão, fez com que diversos grupos de pessoas, entre eles numerosos jornalistas, olhassem os fatos mais profundamente. Se a viagem à Lua realmente aconteceu ou não é outra questão. O fato é que ainda existem muitas lacunas sobre ela que não se conseguem explicar, e aí entra a inconformidade jornalística. Enquanto as dúvidas pairarem no ar, certos ou errados os jornalistas continuarão questionando.
O mesmo acontece com outras dúvidas históricas sobre fatos cujas motivações estão aparentemente comprovadas, como o atentado de 11 de setembro e o suicídio de Getúlio Vargas. Provavelmente há um certo acúmulo de informações adicionais – leia-se especulação – no relato de quem levanta suspeitas sobre a veracidade dos fatos. Mas, na maioria dos casos, este tipo de suspeita leva a descobertas que mudam o curso de investigações, conclusões e, até mesmo, da própria história. Não fosse pela curiosidade incontrolável de quem, literalmente, duvida da própria sombra, muitas fraudes passariam despercebidas pela grande massa.
Márcio Seligmann Silva, no artigo ‘A história como trauma’, trata justamente desta impossibilidade de representar verbal, escrita ou imageticamente certos acontecimentos. Segundo o autor, é desta impossibilidade que surgem os adendos às descrições dos relatos. É por não conseguir descrever precisamente o ocorrido que o jornalista acaba, por vezes, encontrando algo que não estava na ‘cena do crime’, mas que se adapta facilmente a ela. Para ele, mesmo que o relato fiel seja viável, ele é, em certos casos, dispensável. ‘A representação extremamente realista é possível: a questão é saber se ela é desejável e com que voz ela deve se dar’, comenta.
Mais dúvidas
Há quem entenda esta forma de descrever os fatos como extremamente negativa para a sociedade, em parte porque, dependendo da forma como é aplicada, a dúvida deixa de ser benéfica. Desta opinião compartilhou o médico-cirurgião Christiaan Barnard, que em 1977 lançou um livro carregado de crítica à imprensa e ao mundo em geral, sobre a forma como os governos e as demais sociedades encaravam a África do Sul, na época.
No livro Conflitos – África do Sul, o médico critica a maneira como os jornais interpretam o cotidiano e o repassam à população.
Os jornalistas já não são mais meros fornecedores de notícias; eles ajudam a fazer as notícias e a moldar a opinião pública. As palavras já não são mais necessariamente o espelho dos fatos; freqüentemente são usadas para pintar uma idéia ou uma imagem que difere completamente da realidade.
Cientes desta visão, que grande parte da sociedade tem sobre o trabalho jornalístico, o que o jornalista deve buscar incansavelmente é provar aquilo que pensa. Ninguém quer que os jornalistas deixem de dar sua interpretação pessoal aos fatos, nem mesmo aqueles que criticam tal atitude, pois neste caso uma onda de monotonia atingiria a comunicação em cheio. É preciso repensar o ‘novo jornalismo’, que sacrifica os detalhes, suprime as palavras e tolhe a criatividade. Quanto mais dúvidas houver acerca de verdades estabelecidas pelas minorias, mais se fomentará o pensamento crítico, tão necessário a esta sociedade inerte.
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Jornalista e editora-chefe da Revista Momento, Não-Me-Toque, RS