Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Banal ou legítimo?

Que os jornais brasileiros trocassem a linha editorial voltada para a cobertura da vida coletiva nacional, área propensa a dramas, para a ênfase em páginas de entertainement e superficialidades ligadas a consumismo seria lastimável. Afinal para estas já deveriam bastar a coluna social e o espaço da publicidade paga.

Fiquemos longe dos tablóides ingleses, que tratam qualquer notícia pelo prisma da caricatura, da fofoca e do sensacionalismo. Nesta clave cobrem a vida política nacional, estampam na primeira página algum filho de Lady Di pego fumando maconha ou multado por excesso de velocidade.

É a chamada linha dos factóides de boa vendagem. Embora sem o humor dos ingleses, nela especializou-se um matutino como o USA Today – dos grandes campeões de tiragem na América –, que pasteuriza todas as suas reportagens, evitando que o leitor jamais perca a sensação de inserido no cotidiano do american way of life. Dispensa-se profundidade de análise, bastam platitudes do tipo ‘Chavez, o ditador’, ‘Carnaval fez tantos mortos no Rio’, ‘Fidel Castro, a ameaça ao continente’ etc.

Rejeite-se a imprensa de superfície, inclusive porque a TV já faz esse papel, e a internet talvez ainda melhor. A página inicial do site MSN, que minhas filhas adolescentes deixaram como default de qualquer entrada minha na web, é bom exemplo. Um conjunto de notícias que vai das celebridades às manecas, sempre voltado para insuflar a auto-estima e prover o deus mercado. Tudo ali é notícia feita para agradar ao ego dos visitantes, das cores às formas sensuais e aos textos não intelectualmente exigentes.

Procura de identidade

Figurando no primeiro caderno de um jornal importante como o Estadão, a coluna Bem-Estar poderia suscitar o mesmo questionamento: atenderia ela apenas à necessidade de aumentar-lhe a vendagem? Seria Bem-Estar, estampada logo em seguida às tensões da crise em Brasília, pouco adiante do último atentado devastador no Iraque, mais um espaço semelhante às páginas de erotismo ou dieta presentes em toda edição de Claudia ou Contigo!?

A julgar pela matéria desta semana, ‘Para viver melhor, sete tipos de amigos’, por Simone Iwasso, A19 4/11/05, dir-se-á que não. Afinal, não é só o trágico ou o grave que distingue do assunto banal. E um jornal deve oferecer ao leitor um amplo espectro de cobertura da realidade da vida do cidadão – ali cabe a reportagem de Simone Iwasso. O importante é que o tratamento não seja apenas de superfície, e no caso não há lugar para preocupação, tratando-se de jornal denso como o Estadão. O tema ‘amizade’ até se presta a platitudes de toda ordem, o assunto é fértil na caneta de profetas da auto-ajuda que o recheiam de lugares-comuns e considerações mornas, mas Simone não incorre nesse defeito.

Pelo contrário, a jornalista entrevistou cátedra gabaritada na PUC e até em Oxford. Desses estudos trouxe sete categorias de amizade: em alguma delas cada leitor pôde se reconhecer. Isto incentiva as pessoas a se classificarem social e psicologicamente e, por mais tosca que seja uma avaliação feita a partir de um único artigo de jornal, será ainda uma ajuda na procura de identidade que legitimamente toda pessoa viva persegue. Talvez estimule outros garimpos de alma.

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Dirigente de ONG, Bahia