O programa Observatório da Imprensa na TV de terça-feira 11 (nº 352) foi dedicado a um problema nacional: as favelas. Com índices mínimos de qualidade de vida, em precárias condições de higiene e saúde, essas áreas sofrem com a violência e o narcotráfico.
O apresentador Alberto Dines, após breve abordagem da entrevista do presidente Lula ao programa Roda Viva, na segunda-feira, lembrou que a questão da falta de moradia é crônica, mas o tema das favelas só é discutido pela mídia em situações críticas, como deslizamento de barracos ou guerra do tráfico. Para ele, ‘favela não é obra do acaso, mas do descaso’ – do poder público e também da imprensa. Uma exceção é a série de reportagens que o Globo, do Rio de Janeiro, vem publicando há mais um mês, condenado a omissão das autoridades e ouvindo especialistas e moradores na busca de propostas.
Na matéria de apresentação, os números: 6 milhões de brasileiros vivem em 16 mil favelas, uma realidade que aparece na imprensa sob a ótica da violência e da ameaça à sociedade organizada. O arquiteto Manoel Ribeiro, do Rio, lamentou que a mídia veja a favela como ‘o foco do mal’, postura que gera ‘teorias radicais remocionistas’. Primeiro convidado a falar, o editor de Rio do Globo, Paulo Motta, contou que a série foi motivada pelas freqüentes cartas de leitores reclamando do crescimento caótico das favelas. Para ele, a tese de que ‘favela não é problema, mas solução’ é uma falácia, pois se o chamado ‘asfalto’ (a área urbana organizada) sofre, sofrem igualmente os favelados, sem conforto e reféns dos traficantes. ‘O Rio não pode virar um grande favelão’, disse.
Falando do Recife, Laurindo Ferreira, diretor-adjunto do Jornal do Commercio, informou que 12% da população da cidade vivem em áreas pobres, mas afastadas dos olhos dos turistas. A falta de moradia, contudo, é tema constante das páginas do jornal pela pressão dos movimentos sociais: os sem-teto do Recife são muito atuantes. Luiz Henrique Fruet, editor de Cidade do Jornal da Tarde, de São Paulo, contou que em 2004 viviam em duas mil favelas 1,1 milhão de pessoas. Ele observou que, embora as favelas estejam nas periferias, o fenômeno dos cortiços é evidente no centro, onde populações desfavorecidas começam a ocupar também viadutos, praças e canteiros.
Falsas demandas
Regiane Marques, editora de Cidades de O Tempo, de Belo Horizonte, confirmou que o destaque maior é mesmo dado ao problema da violência, até porque, como no Rio, os morros ocupados estão por toda a cidade: 500 mil pessoas, ou seja, 22% dos moradores da capital estão nas favelas. Para Paulo Motta, o tema deve ser prioridade dos jornais e o debate precisa se dar sem maniqueísmo: muitos viram a série do Globo como uma ‘proposta de erradicação’, criticou. Em favelas grandes, como a Rocinha, disse, justifica-se a remoção de trechos, para a construção de ruas, esgoto e arborização. ‘E as menores devem ser removidas sim, mas não para aqueles conjuntos habitacionais dos anos 60, que não deram certo’.
Laurindo Ferreira complementou: nos projetos de construção de casas populares falta freqüentemente a intervenção do poder público, com ações integradas de educação, saúde e segurança, para evitar-se o que vem ocorrendo no bairro do Coque, no Recife: a incidência de violência preocupa os freqüentadores do Fórum, que fica nas cercanias. Fruet lembrou que a cobrança às autoridades deve ser permanente na imprensa: após matéria sobre o paupérrimo bairro de União de Vila Nova no Jornal da Tarde, intitulada ‘O Iraque é aqui’, o poder público resolveu agir, e vem urbanizando a área. ‘A gente provocando o governo age’.
Regiane defendeu que a imprensa deve mostrar também as iniciativas de êxito das comunidades carentes, o que ajuda a reduzir o preconceito do asfalto em relação às favelas. E Laurindo chamou atenção para um importante aspecto: o cuidado que a imprensa precisa ter com a apropriação político-partidária do debate. ‘O jornal deve lidar com muita cautela para não ser atraído por falsas demandas.’