Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo quer comunicar-se melhor

A discussão sobre o mau relacionamento do governo com a mídia não deve se concentrar somente na comunicação feita pela Presidência da República. A questão é bem mais ampla do que se imagina. A falta de uma política de comunicação atinge todos os órgãos federais, indistintamente. Cada ministério, cada secretaria adota conjunto de ações que considera importante para o setor.


Sem exagero, diríamos que há uma babel de ‘políticas de comunicação’ no próprio governo federal, cada órgão olhando para seu próprio umbigo – sem coordenação, sem comando. O que menos há na esfera federal – e aí o problema é histórico, anterior a Lula – são diretrizes para que o setor público forneça informações de qualidade, essenciais à população, por meio da imprensa.


Previsão de problemas


Em julho do ano passado, o então ministro-chefe de Comunicação, Luiz Gushiken, encaminhou ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão proposta de criação da carreira de gestor em comunicação pública para dar maior profissionalização ao setor na administração direta. O projeto, no entanto, dormiu por mais de ano. Não caminhou sequer um milímetro.


Mas, na semana passada, o subsecretário de Comunicação Institucional da Presidência, Luiz Tadeu Rigo, retomou as negociações com o Planejamento com vistas a acelerar a tramitação do projeto e, assim, encaminhá-lo o mais rápido possível ao Congresso. A idéia é levar para dentro do governo profissionais experientes, capazes de tocar a área, sem receio de serem demitidos com a saída do chefe – ministro ou secretário.


O projeto, por enquanto, não prevê a reestruturação da atual carreira de jornalistas do Executivo. Os detalhes serão discutidos numa segunda etapa, informam os autores do projeto. Caso não ocorra essa previsão, o governo estaria, em lugar de resolver o problema, criando outros. É como determinada prefeitura ter cargo de dentista, com salário médio de R$ 2.500, e aprovar a criação da carreira de odontólogo com o dobro dos vencimentos.


Universo maior


Pode parecer que a proposta tenha sido apresentada tempestivamente em decorrência do mal-estar que se criou entre Presidência da República e mídia após as eleições. Não foi. Justiça seja feita: a proposta é anterior ao agravamento dessa relação. Há setores (e assessores) no Planalto que se preocupavam com o rumo da comunicação do governo. O projeto da Secom não se resume apenas em contratar assessores de imprensa.


A função proposta originalmente é para gestores em comunicação – que pensem e atuem em publicidade, relações públicas, comunicação interna, planejamento de comunicação, relacionamento com a mídia. Que atuem com comunicação integrada, planejamento e avaliação de comunicação, numa perspectiva de atendimento ao interesse público. O objetivo da proposta, essencialmente, é profissionalizar a comunicação do governo federal. Isso, claro, teria efeito em todas as áreas, inclusive na imprensa.


A comunicação interna e a comunicação com o cidadão – usuário dos serviços públicos – não merecem a prioridade, uma vez que os esforços se concentram na relação governo/imprensa. Ela alcança universo maior – afetando principalmente o cidadão. Daí a necessidade de o projeto em questão – que prevê a troca de profissionais comissionados por concursados – tramitar em regime de prioridade. Não é só jornalistas. Significa trazer também relações públicas, publicitários e outros profissionais para ajudar o governo a fazer comunicação.


Salário digno, o chamariz


A nova gestão do presidente Lula tem a grande chance de dar rumo não somente a sua comunicação pessoal, mas à de todo o governo. Quando um ministério se comunica mal com a mídia – e, por extensão, com a sociedade – é o nome do presidente que está em jogo. A Secretaria de Comunicação da Presidência tem a grande oportunidade de estar à frente de um projeto que revolucionará a área, tal como ocorreu na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.


As duas Casas legislativas, frise-se, têm hoje uma política de comunicação quase perfeita. Nos últimos quatro anos, Câmara e Senado contrataram dezenas de jornalistas por concurso público. Houve salto impressionante na qualidade da notícia levada ao público, ao contribuinte.


Ao adotar essa postura, de respeitar a produção e a disseminação da informação pública, Câmara e Senado conseguiram tirar bons jornalistas das redações de grandes jornais. A melhoria do padrão de qualidade de seus veículos – rádio, jornal e TV – não se deveu, evidentemente, apenas ao concurso. O chamariz preponderante, claro, foi a oferta de um salário digno, capaz de concorrer com os maiores meios de comunicação. O Senado tem hoje programas de relacionamento com o cidadão, atendimento 0800, programa de visitas e outras atividades que não são jornalismo, mas são comunicação da melhor qualidade.


Foco errado


O setor de comunicação, enfim, deixou de pertencer aos presidentes Renan Calheiros e Aldo Rebelo, por exemplo. Esse processo não está mais nas mãos de um ou de outro presidente. Não se altera com a gangorra da troca de comando. Ele não pertence a fulano ou a sicrano. Pertence à sociedade, aos que buscam informações isentas sobre o Legislativo.


A comunicação nos ministérios, por sua vez, não funciona dessa forma por um simples motivo: quando um ministro deixa o cargo, com ele cai toda a equipe de comunicação, já que ela fora nomeada sem concurso. Evidente que os ministros vão continuar tendo a opção de nomear assessor especial para a área, hoje DAS-4 e 5, além de secretárias de sua confiança.


A criação dessa carreira dentro do governo com vistas a fortalecer e profissionalizar também as assessorias de imprensa mudará, obrigatoriamente, o foco desse trabalho. Deixará de ser uma comunicação particular do ministro para se tornar uma comunicação do ministério e suas secretarias. A imagem do ministro atualmente vem em primeiro plano. A do órgão fica subjugada. O ministro vai; a instituição fica.


Critério mais justo


Se, de fato, o governo levar adiante o projeto de criação da carreira de gestor em comunicação pública, com a entrada de gente concursada, o ministro pode sair, mas a política do setor permanecerá. Pode parecer simples, mas essa questão é séria. Afeta o processo do início ao fim, atingindo o cidadão.


Ou o governo cria uma política única de comunicação em todos os órgãos ou continuará se comunicando pessimamente mal com a sociedade. Se o governo estiver disposto a mudar sua forma de se comunicar, repita-se, tem que começar primeiro pelos ministérios e secretarias. É na ponta que estão os gargalos dessa comunicação amadora e ineficiente feita no Executivo federal.


Há a necessidade de que a segunda gestão do presidente Lula comece 2007 com novas diretrizes para a área de comunicação, valorizando os profissionais de comunicação concursados e trazendo outros de reconhecida competência para o governo – via concurso público, claro. O salto de qualidade será extraordinário.


Basta mirar-se no exemplo do Congresso Nacional, que saiu de uma política amadora para o setor, tocado por afilhados políticos, para uma comunicação séria e isenta, sustentada pelo critério mais justo e transparente nos dias de hoje para dar emprego público: o concurso.

******

Jornalista concursado do governo federal desde 1994