Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imagem deturpada de cidade mineira

Preste atenção nesta história. A cena se passa num longínquo pontinho esquecido do mapa brasileiro, fora dos limites cariocas e bem além de onde o Cristo Redentor, de cima do Corcovado, possa enxergar. Entre matas fechadas, está um lugarejo, onde vivem pessoas pacatas, de sotaque caipira, uma economia de subsistência, casas medidas por hectares, e onde carroças circulam livre e calmamente nas poucas ruas asfaltadas.

A vila só se liga ao resto do mundo graças a alguns postos telefônicos e a uma estrada, a qual, volta ou outra, certa ponte se quebra, impedindo o acesso da ida e vinda.

Foi exatamente ali que caiu um avião. Mas não se trata do vôo 1907, o do Boeing da Gol, que vitimou 154 pessoas em Mato Grosso, dia 29 de setembro. Na aeronave de nossa história estava apenas Duda, personagem da novela das sete da TV Globo, Cobras & Lagartos.

Pobreza, preguiça e índios

Ele não morreu no acidente, mas, um ano após superado o estado de coma – internado no único ambulatório existente num raio de tantos quilômetros inimagináveis, com uma estrutura precária onde só existem merthiolate, soro caseiro e dezenas de macas amontoadas – e se vendo seqüestrado por uma enfermeira doidivanas, finalmente consegue colocar a mão num telefone para discar pedindo socorro, informando onde está.

– Alô, sou eu, o Duda. Escuta, cara, não tenho tempo, eu tou em Montes Claros, Minas Gerais…

Em rodas de conversas do Quarteirão do Povo, passando pelos pátios dos colégios na hora do recreio e até bares da Avenida Sanitária, o município de Montes Claros apontado em Cobras & Lagartos foi o assunto. O capítulo em questão foi exibido na terça-feira, 7 de novembro (e que você ainda pode assistir clicando aqui).

Apesar de a obra se tratar de uma ficção – e que ‘qualquer semelhança de nomes, lugares e/ou pessoas é uma mera coincidência’, ainda que merchandisings como o da Avon e do Banco do Brasil apareçam no meio do enredo – fica difícil não crer que o Norte de Minas esteja preconceituosamente retratado como uma região pobre, abandonada e sem progresso, assim como a Bahia está para a preguiça e o Acre está para terra de índios.

Que sirva de informação

Eu não sei em qual lugar do mundo está neste momento o autor da novela, João Emanuel Carneiro. Nem de qual livro de geografia ele tirou o nome de Montes Claros para compor sua história. Talvez, ele esteja em um apartamento de cobertura em frente à praia de Copacabana ou outro ponto do planeta gozando do advento da comunicação sem fronteiras e enviando os últimos capítulos da trama via e-mail ao diretor Wolf Maya.

Também não imagino a ação que o prefeito Athos Avelino tomará diante da imagem da cidade deturpada apresentada em horário nobre da TV a todo o resto do Brasil. Mas o que dirão, por exemplo, Wanderlino Arruda, Reginauro Silva, Diogo Dourado, Maurício Veloso, Paulo Narciso, Ruy Muniz e tantas outras pessoas que defendem esta cidade com garras, unhas e dentes?

Que sirva de informação aos empregados da TV Globo do Rio de Janeiro que a nossa ‘Princesa do Norte’ possui atualmente quase 350 mil habitantes, é a quinta maior cidade de Minas Gerais e o segundo entroncamento rodoviário do Brasil. Tem uma economia diversificada, um comércio vibrante, inúmeras instituições de ensino fundamental, médio, técnico e superior, modernos hospitais e equipe médica capacitada, e que cresce de forma acelerada assumindo a liderança no processo de desenvolvimento regional.

Por que não consertar?

Nunca fui de acompanhar novelas. Até porque os dias de minha semana – divididos entre compromissos no jornal, rádio, site, academia, festas, sanduíches do Trimanos, pizzas do Papaula, e outras tarefas e prazeres – andam tão corridos que não sobram tempo nem paciência para vivenciar teledramas. Poucas foram as que assisti: Tieta, Vale Tudo, Roque Santeiro, Celebridade e a trilogia mexicana das Marias Mercedez, do Bairro e Marimar, da qual a protagonista era a bonitona Thalia.

Confesso que o humor de Cobras & Lagartos, que ressuscitou o horário das sete da TV Globo, cativou minha audiência. Primeiro, assistia para aguardar o início do Jornal Nacional, depois atraído pela beleza apaixonante da atriz Mariana Ximenes, e, quando vi, já estava envolvido na história de Foguinho e companhia. Este personagem, inclusive, que dá ao ator Lázaro Ramos o título de melhor representação dramática nacional em 2006.

Minha aprovação pessoal para esta trama até então era geral. Mas a surpresa foi imensa ao ver o nome de Montes Claros ali de forma tão absurda, que ninguém da cúpula da emissora possa ter interferido. Se eles alteram até mesmo a verdade em notas jornalísticas, como a edição do debate entre Lula e Collor em 1989, por que não consertar algo que está errado numa novela que também mostra o real entre dramas e risos?

Viva o padrão burro e bairrista de qualidade da TV Globo.

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Jornalista (Bem na Net), Montes Claros, MG