Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A violência contra jornalistas no Chile

As notícias que chegam do Chile em relação à imprensa não são boas. A vítima mais recente foi o fotógrafo Fernando Fiedler, da International Press Service (IPS), atingido pela tropa de choque. Desde 2010, 12 repórteres de agências internacionais que acompanhavam manifestações foram ameaçados, agredidos, torturados e vítimas de detenções arbitrárias por parte da polícia chilena. Da imprensa local, cinco jornalistas sofreram os mesmos tipos de repressão no período.

De Santiago, o jornalista João Paulo Charleaux conta ao Portal Imprensa a situação no Chile e explica os motivos da atual onda de violência contra jornalistas. Charleaux é colaborador da Folha de S.Paulo, correspondente da Rádio França Internacional e do portal Opera Mundi, na capital chilena.

“Autoridades dizem que casos são isolados”

Que o Chile vivencia protestos há algum tempo é fato, mas a partir de quando a situação da imprensa piorou?

João Paulo Charleaux– Os casos aumentaram a partir de marco de 2010, quando o presidente Sebastián Piñera tomou posse, de acordo com as denúncias apresentadas pelo jornalista Mauricio Weibel, presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Chile.

Quantos casos foram registrados?

J.P.C.– Desde que Piñera tomou posse, foram 12 casos de jornalistas de agências internacionais agredidos e uns cinco jornalistas de emissoras locais. O caso individual mais grave, entretanto, aconteceu ainda em 2008, durante o governo da presidente de centro-esquerda Michelle Bachelet, quando o fotógrafo Victor Salas, da EFE, perdeu o olho direito depois de ser atingido por um golpe de um policial da cavalaria.

Alguém do governo ou da própria polícia tem se pronunciado a respeito?

J.P.C.– Os carabineros do Chile [polícia chilena] são subordinados ao ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, que não se pronuncia oficialmente sobre os casos, mesmo tendo sido repetidamente questionado por escrito. Tanto o comando da polícia – que há um mês recebeu representantes da imprensa para conversar – quanto o ministro porta-voz de governo, Andrés Chadwick, que me recebeu para uma entrevista no Palacio de La Moneda há duas semanas, dizem que os casos são isolados, estão sendo rigorosamente investigados e não obedecem necessariamente a um padrão de comportamento reiterado. Mas a realidade mostra algo bem diferente.

“Os anos de ditadura deformaram o parâmetro de normalidade”

Entidades e organizações intervêm na situação?

J.P.C.– Organizações internacionais que trabalham com polícia e Direitos Humanos, entretanto, são categóricas em afirmar que há excessos evidentes e há, sim, um padrão. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o relator especial para Liberdade de Expressão da ONU estão todos investigando os excessos da polícia contra a imprensa no Chile. Em minha opinião, a situação excede em muito o que seria normal. E na opinião dos quase 20 colegas agredidos em serviço, também.

Por qual motivo a imprensa teria virado alvo de agressões por parte da polícia?

J.P.C.– Principalmente porque registra abusos cometidos pela polícia em contenção de distúrbios e nenhum policial quer ser flagrado cometendo uma ilegalidade. Junto com isso, há o fato de o Grupo de Operações Especiais (Gope) dos carabineros do Chile estar acostumado a empregar a força numa proporção evidentemente superior às ameaças que enfrenta. Alguns dirão que se trata de uma herança da ditadura (1973-1990). É preciso fazer uma análise mais apurada sobre isso. O curioso é que esta mesma polícia tem uma vocação de serviço como nenhuma outra da América Latina tem. É um negócio esquizofrênico.

A população tem demonstrado reação com o fato?

J.P.C.– Agora, não vejo a sociedade chilena mobilizada contra as agressões à imprensa. Isso torna tudo ainda mais grave. Parece que o alarme deles só vai disparar depois de um nível muito alto de violência policial. E, aparentemente, esse nível ainda não teria sido atingido. Em minha opinião, esses quase 20 anos de ditadura Pinochet deformaram o parâmetro de normalidade dos chilenos. Para mim, bastaria um caso de agressão como os que estão relatados na minha reportagem para a Folha de S.Paulo ou para o Opera Mundi para que houvesse um repúdio imediato da igreja, da OAB local, dos partidos realmente democráticos, enfim, da sociedade. Mas, ao que parece, eles não veem assim.

“Ameaças à liberdade de imprensa”

A baixa popularidade do presidente Piñera tem feito com que ele também tenha atitudes contrárias à imprensa?

J.P.C.– Não contra a imprensa, mas contra os que se oponham à polícia e ao que ela representa, para dizer de forma simples. E a imprensa, por vezes, está no meio disso. Diversos analistas corroboram essa tese. Por exemplo, eu diria Patrício Navias, que está longe de ser um analista de esquerda. Eugenio Tironi também diz a mesma coisa. A tese deles é a de que, ao endurecer o discurso da segurança pública e da ordem pública, Piñera tenta recuperar o terreno perdido neste primeiro ano de governo. A direita chega a ter, tradicionalmente, 40% de apoio dos chilenos. Mas o governo Piñera tem entre 22% e 30%, dependendo da pesquisa. Endurecer seria uma forma de recuperar essa diferença entre o eleitorado conservador. Seja como for, considero gravíssimo o fato de o presidente não condenar essas agressões à imprensa publicamente. É uma omissão absurda, que pode ser vista como um elo a mais nessa cadeia de violência.

O Chile possui histórico de cerceamento à imprensa pós-Era Pinochet?

J.P.C.– Alguns fatos: semana passada, houve um atentado à bomba contra o jornal La Tercera, um dos principais do país. Há quase 20 denúncias de agressão a jornalistas no último ano. O atual presidente era dono de uma emissora de TV e de um jornal, ambos importantes e influentes. Isso mostra que há eventos anormais. Encadeados, eles podem formar um quadro não muito saudável para a liberdade de imprensa, mas acho cedo demais para fazer esse tipo de afirmação. O que, sim, deve ser dito, é que não tem se usado a mesma régua para medir ameaças à liberdade de imprensa em países bolivarianos e no Chile, onde o presidente é de direita. A imprensa – a brasileira, sobretudo – não tem razão para ficar melindrada. Todos nós, jornalistas, temos a obrigação de denunciar essas coisas onde quer que elas aconteçam. Se o presidente é de direita ou de esquerda, é problema dele, não nosso. E, certamente, não é um problema para mim.

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[Luiz Gustavo Pacete, do Portal Imprensa]