Os comentários dos internautas na mídia digital são ouro em pó para os que nascemos nas redações sem internet. O que mais nos maravilha é a possibilidade de ver as consequências de nossos atos na hora de uma determinada notícia, mas também em longo prazo. Em outras palavras, ver o resíduo que o tratamento da informação deixa nos cidadãos.
Mergulhei nesses dias nos comentários e algumas cartas de leitores que apareceram na sequência do anúncio do câncer de laringe do ex-presidente Lula. Há uma grande quantidade de mensagens de solidariedade, porém o ponto mais mencionado já desde o começo era se Lula não teria que procurar o Sistema Único de Saúde (SUS) para o seu tratamento. Não é do SUS que quero escrever. E um lugar-comum – e isso já foi estudado pela pesquisadora brasileira Janine Miranda Cardoso – apresentar os serviços públicos como ruins e os privados como ilhas de excelência, o que nem sempre reflete a realidade. Porém, meu foco vai estar no último termo: tratamento. É sobre esta última palavra que quero refletir.
Amanhã, vinte brasileiros vão ser diagnosticados com câncer de laringe e iniciar tratamento. Serão 7.000 novos pacientes nos próximos 365 dias. No dicionário, a palavra tratamento tem distintos significados. Em termos coloquiais, poderia se dizer que, em saúde, o tratamento é o que se faz quando a prevenção falhou. No caso de Lula, como de muitos outros, não se sabe se os genes ou o azar são os culpados, porém se sabe, sim, que 86% das vítimas de tumor na laringe não passariam por este sofrimento – nem gerariam despesas para o sistema de saúde – se não existisse o tabaco.
Efeito terapêutico
Concordo plenamente que todos os cidadãos têm direito a exigir melhores tratamentos, porém:
** Por que não estão pedindo maior abrangência dos programas para deixar de fumar?
** Por que ninguém exige campanhas antifumo melhores e maiores?
** Por que ninguém exige impostos mais altos para que os fabricantes de fumo paguem os custos que provocam?
Os internautas estão centrando o foco na doença, mesmo que a prevenção seja também uma obrigação do Estado. Nós, jornalistas, temos nisso uma parcela de culpa, por fazer uma associação permanente entre saúde e consumo de serviços médicos, tecnologias e medicamentos.
O prontuário das pessoas públicas não é apenas de interesse público, como também uma oportunidade para salvar vidas. A dor e o sofrimento são um mal que pode se transformar num bem, e não apenas para que as pessoas que sofrem a mesma doença se contagiem da valentia alheia. O mais importante é prevenir que isso aconteça com outras pessoas.
É preciso transformar a doença de Lula em vida para outras pessoas. Além de tudo, para os pacientes, aparecer como uma figura exemplar tem efeito terapêutico.
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[Roxana Tabakman, bióloga, jornalista e autora de La salud en los medios]