Chegamos a um ponto em que devemos distinguir entre o perigo e a informação jornalística. A polícia deve saber o que é informação e o que é marketing; devemos ter responsabilidade na execução de nossas tarefas. O jornalismo deverá ter sempre seu espaço e sua liberdade para informar; já a polícia deverá preservar sempre a integridade física dos profissionais da imprensa e demais pessoas independentemente da sua vontade, evocando as normas de segurança, sua função incontestável.
Muitas vezes, no exercício da função policial, ocorrem conflitos com jornalistas por exacerbarem suas atribuições, as quais muitas vezes comprometem o trabalho policial ou colocam em risco sua integridade física e dos demais.
Atualmente, com a disputa frenética de audiência e a exposição descontrolada da intimidade individual, através dos reality shows, a polícia viu um caminho para se colocar em evidência e ocupar um espaço na mídia com o objetivo de melhorar sua imagem, em uma atitude de pura exibição e promoção pessoal dos gestores. Até o momento, ninguém contestou essa postura, mas chegamos ao limite com a morte do cinegrafista Gelson Domingos da Silva, da Rede Bandeirantes de Televisão, na operação que os batalhões de choque e de Operações Policiais Especiais (Bope) realizaram na comunidade de Antares, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro.
Precisamos definir até onde pode ir uma equipe de reportagem na cobertura de operações policiais sem sermos tachados de estar tolhendo o trabalho da imprensa. Essa é a realidade brasileira. O policial é um profissional, tanto quanto os jornalistas ou qualquer outro segmento, e trabalhamos no limite entre a vida e a morte, jogamos com nossas vidas em um tabuleiro indefinido de movimentos em que as regras são uma virtude unilateral, cobradas apenas nos nossos movimentos e na nossa sensatez – tudo isso em um mundo de insensatez e irracionalidade, em um universo onde temos sempre que ser os racionais, inclusive quando aqueles que tentamos proteger nos classificam como irracionais ou argumentam que impedimos o exercício de sua função.
A última barreira
Temos que repensar nossas atitudes e nossa forma de ver o trabalho profissional de polícia. Perdemos um grande profissional na área cinematográfica, assim como perdemos diariamente inúmeros profissionais de polícia pelo Brasil, enfrentando as mesmas condições de trabalho e com os mesmos equipamentos utilizados pelo cinegrafista, ou seja, abaixo das especificações para a situação.
Ficam aqui nossos pêsames e sentimentos de todas as famílias de policiais que perderam em combate ou em emboscada seus maridos, esposas, filhos, netos, pais, tios, avós, sobrinhos etc…
A demagogia é um argumento dos covardes, não cabendo aqui, mas posso dizer para a família, amigos e colegas de Gelson Domingos da Silva, como policial, que sua dor não é exclusividade de vocês; ela é nossa e de cada policial que estava naquela operação, pois acreditem ou não, aquele projétil estava dirigido para um dos policiais daquela operação, os quais são também pais, avós e esposos que hoje, sem desmerecer a morte do digníssimo reporte cinematográfico, não teriam tanta repercussão ou comoção da imprensa. Seriam apenas mais uma notícia, um furo jornalístico.
Creiam, nós ainda somos a última barreira entre a criminalidade e a sociedade e nosso profissionalismo está a serviço da segurança do cidadão e nossas mortes, um fato sem importância.
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[Marcos Souza é investigador de Polícia Civil, BA]