Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Sobre amor e medo

O Rio de Janeiro povoava o meu imaginário muito antes de pensar em seguir a nobre profissão de jornalista. Ainda criança, eu e minha família embarcamos em uma aventura: deixamos Fortaleza, de carro, e só paramos quando nos vimos na cidade que, não à toa, leva o nome de maravilhosa. Se valeu a pena? Acho que não preciso responder. Desde então, sempre que penso naquele relevo único, de povo tão “de bem com a vida”, capto a energia vibrante da terra de Cecília Meireles e automaticamente penso em comprar uma passagem aérea para visitá-la.

Mas esse sentimento, profundo, também é contraditório: não me vejo morando no Rio de Janeiro. E não é pela possibilidade de acordar e dar um passeio na orla, muito menos passear à noite pela Lapa. Não, eu não esnobo a beleza do Cristo Redentor. Pelo contrário, me emociono só em pensar nele. Mas admito, sou humana… Sinto medo. Como repórter, preciso ir para onde a notícia me chama. O problema é que nem sempre esses locais são seguros. Morro, traficante, tiroteio, invasão. Essas palavras costumam estar associadas ao Rio.

Antes de seguir, abro espaço para o contraponto. Afinal, essa lição é básica. E, se é assim, constatamos que outras importantes palavras também já subiram os morros cariocas. Vou citar apenas uma – que já vem realizando mudanças profundas na vida de quem vive em comunidades e que não age contra a lei. Sim, tem muita gente boa e trabalhadora no Alemão, na Rocinha e em tantos outros locais vistos apenas como perigosos por muita gente. Falei demais, mas não esqueci da palavrinha “mágica”: UPP. Preciso dizer o significado? Acho que não. De novo.

Que algo seja feito

Apesar do cerco policial à criminalidade, os operários da notícia muitas vezes são vítimas do próprio ofício. E não são atingidos apenas por fatalidades. Afinal, o ambiente hostil pede uma proteção mais eficaz, que muitas vezes não está disponível. E tem mais: as vítimas dessa guerra nem sempre saem nos jornais, nem na televisão, mas deveriam. Só assim, vão deixar de ser estatística e ajudar a sociedade a repensar o modo como a imprensa deve se comportar e até onde deve ir o profissional em busca da notícia. Será que vale a pena?

A última vítima dessa guerra amava o que fazia. Gelson Domingos da Silva, de 46 anos, era um operário da notícia, como eu. Mas diferente em coragem. Ele morava e trabalhava no Rio de Janeiro. Eu moro e trabalho em Fortaleza. E mais uma vez repito, tenho medo. Inclusive aqui, na chamada terra do sol, tenho medo. À esposa, três filhos e dois netos de Gelson, só desejo uma coisa: que sejam como ele, corajosos. Para enfrentar a dor de perder alguém que se ama inesperadamente. À sociedade, o desejo é outro: que reflitamos e, depois, algo seja feito. Afinal, independentemente da cidade, todas, sem exceção, devem ser seguras para o exercício da profissão. Seja ela qual for.

E eu quero, sim, um dia morar no Rio de Janeiro…

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[Rita Brito é jornalista, Fortaleza, CE]