A mídia é como aqueles monstros de filme de terror. Tipo ‘Jason’ e ‘Freddy Krueger’. A diferença é que seus críticos, entre os quais me incluo, não a atacam com tiros, facas, motosserras, fogo, explosivos etc. Nós a combatemos, como diria Luis Fernando Verissimo, a golpes de teclado e jatos de tinta. Infelizmente, o resultado é o mesmo. Quando se pensa que o monstro está neutralizado, ele ataca novamente.
O tema da hora é a Polícia Federal. Temos a famigerada Veja e seus repórteres que se sentem intimidados por estarem na presença de um delegado de polícia. A Folha e seus telefones, cujos sigilos são mais sigilosos que os dos comuns mortais. E, finalmente, temos a manchete que alardeia o fato de que 94% dos presos pela Polícia Federal nos últimos quatro anos estão soltos.
Bem, já que eu sou policial em tempo integral, e crítico da mídia quando não estou fazendo nada de útil, vou tentar levar alguma luz a essas cabecinhas pouco esclarecidas, falando daquilo que eu entendo. Vamos por partes, como diria Jack, o estripador.
E daí?
Comecemos pela queixa da Veja. Os repórteres foram intimidados pelo delegado. Na presença de uma procuradora da República? Essa é ótima. Em qualquer delegacia de polícia neste país, de norte a sul, de leste a oeste, a presença de um representante do Ministério Público na tomada de depoimento de uma testemunha, vítima ou suspeito é garantia de plena validade da prova em juízo. Por quê? Porque nenhum representante do Ministério Público compactuaria com abusos praticados por policiais. Pelo menos aqueles que eu conheci em 13 anos de polícia.
Em continuação, vamos ao assunto dos sigilos muito sigilosos. No caso, o dos telefones da Folha. A repórter, provavelmente uma ‘recruta’, no afã de arranjar alguma declaração bombástica, talvez na esperança de conseguir aquela matéria que ‘derrubaria a República’, liga para o telefone de um indivíduo sob investigação. Em seguida, a autoridade policial quebra o sigilo desse telefone e encontra lá as ligações efetuadas pela repórter, sem saber a quem pertence aquele número. Pede a quebra de sigilo de todos os números encontrados, como é a forma correta de proceder, e atinge os telefones do jornal.
E daí? Qual a ameaça à liberdade imprensa que daí decorre? Absolutamente nenhuma. Foram quebrados os sigilos dos outros telefones que ligaram ou receberam ligação da repórter? Não? Então a gritaria toda é só para produzir manchetes.
Opinião demais
Finalmente chegamos ao caso dos presos que foram soltos. Para quem é do meio jurídico, como policiais, advogados, juízes e promotores, provavelmente a surpresa seja o fato de que essas pessoas tenham permanecido mais de um dia presas. A prisão é exceção da regra. A regra é a liberdade, graças à Constituição Federal e a uma lei do regime militar, editada para beneficiar o extinto delegado Fleury, a qual diz que todo condenado em primeira instância permanecerá em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Transitar em julgado, informo aos leigos, é o esgotamento de todos os recursos permitidos pelo nosso ordenamento jurídico. Calculem aí uns 10 anos.
Há um poema escrito pelo uruguaio José Hernández que se chama Martin Fierro. É um épico dessa América do Sul meridional. Para o que interessa aqui reproduzo, de memória, um trecho: ‘Yo he visto muchos cantores con famas bien utenidas/ pero después de adquiridas no las quieren sustentar/ y cantan sin opinar y si divierten cantando/ pero yo canto opinando, que és mi modo de cantar’. Talvez a grafia esteja errada, mas vamos ao que importa.
O mal da mídia é se comportar de maneira inversa aos cantores criticados pelo poeta. A mídia opina demais. E, na maioria das vezes, sem conhecimento de causa. Já que dispõe de tanto dinheiro para gastar, a mídia devia investir melhor. Pagar a alguns consultores de boa cepa. Talvez, assim, deixasse de desinformar seus clientes.
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Policial civil, graduado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública e Direitos Humanos (São Pedro do Sul, RS)