A opinião já está dada e O Estado de S. Paulo, mais uma vez na sua história, é denunciante, júri e juiz no seu editorial ‘A greve dos controladores’. São contumazes as expressões ‘greve’, ‘insubordinação’ e o inadvertido ‘controlador de vôo’. Não adianta dizer que se controla menos aeronaves se se tiver menos gente capacitada para tanto, e que foram retirados do efetivo um número expressivo de controladores de tráfego aéreo do setor.
Infelizmente, eles são insubstituíveis durante certo tempo, até que se treinem outros especificamente para a localidade Centro de Controle de Área – que os seus repórteres chamam inapropriadamente de Torre de Controle, a partir do Relatório Preliminar do Cenipa apresentado em novembro depois de dois meses de intenso aprendizado nesta área técnica.
Sou assinante de O Estado de S. Paulo e controlador de tráfego aéreo, simultaneamente. Tive o prazer de fazer duas disciplinas com o professor Oliveiros Ferreira, já aposentado. Se lhe apresentasse esse editorial e minhas considerações a respeito, da maneira mais isenta possível, aposto que ele teria vergonha do legado deixado nesta empresa.
Escrevi ao Observatório da Imprensa [ver remissão abaixo], sobre os vilipêndios praticados pelos veículos de comunicação na cobertura deste episódio. Houve, decerto, abusos, mas O Estado de São Paulo superou-se a si próprio. Só tenho a lamentar, pois sendo de alta conta em nossa sociedade, o jornal mostra o tipo de sociedade que representa – o tal quarto poder – pelas informações que veicula, entre qualidade e precisão. É lastimável. Mesmo!
Abaixo, trecho (em inglês) de documento da International Civil Aviation Organization (Icao) – mais ou menos o que acontece na prática. Mesmo fora do contexto mais amplo da Recomendação da Icao, indica que as atitudes tomadas não são de pressão para atendimento de reivindicações que, sabemos, não é fácil de se atender e, muito menos, imediatamente. Como as pressões, quando feitas, impõem
***
Doc. Icao 9426_p2
1. 2. 4. 6 The traffic handling capacities of ATC systems may be inadequate as a result of insufficient staffing of existing facilities, in terms of either the number of personnel or their qualifications. Inefficient ATC procedures may also limit ATC capacity, e. g. inadequate liaison and/or lack of letters of agreement between States, especially those relating to transfer of control of aircraft between adjacent States. Furthermore, lack of ATC equipment such as primary and secondary surveillance radar and electronic data processing equipment may cause difficulties in coping with the growth of air traffic.
***
A greve dos controladores
Editorial do Estado de S. Paulo, 16/11/2006
Os controladores de vôo não estão fazendo uma greve branca para garantir a segurança das operações aéreas no País. As normas, que agora eles dizem ser arriscadas, foram seguidas durante anos e nesse período a aviação civil brasileira foi considerada uma das mais seguras do mundo. Além disso, os procedimentos que os grevistas adotaram não aumentam a margem de segurança dos aviões. Nos aeroportos mais movimentados do mundo, os aviões decolam com intervalos de um minuto ou pouco mais. Aumentar esse intervalo para 30 minutos só produz um efeito: atrasa as decolagens. Como esse processo cria um efeito cascata, no final do dia o passageiro que for atendido com quatro horas de atraso pode se considerar um felizardo. Muitos estarão sujeitos a esperas de até 12 horas e, em vários casos, as companhias são obrigadas a simplesmente cancelar vôos. Enquanto isso, multidões se aglomeram nos aeroportos e as empresas aéreas e os passageiros acumulam prejuízos.
O que os controladores de vôo querem, de fato, é a desmilitarização da profissão, reajuste salarial e a redução da carga de trabalho. Nada mais, nada menos. Como, na grande maioria, são militares e estão todos sujeitos à disciplina e aos regulamentos militares – ou seja, não podem fazer greves nem participar de movimentos reivindicatórios -, fazem a tal operação-padrão, apresentando-se como paladinos injustiçados da segurança dos usuários do transporte aéreo. Aliás, nesta última etapa da greve branca, iniciada no final da semana passada, eles já não falam em operação-padrão, mas em um ‘novo padrão de segurança’.
O governo, que continua achando que está às voltas com um movimento trabalhista – e não com um problema de segurança nacional, que é do que se trata –, não sabe como lidar com a situação. O ministro da Defesa recusa-se a reconhecer que existe uma greve e que ela é ilegal, qualquer o nome que tenha. Na segunda-feira de manhã, quando mais de um terço dos vôos registrava atrasos de duas a quatro horas, o ministro Waldir Pires afirmava candidamente: ‘Não houve nada. Quantas vezes temos atrasos de duas, três horas? São atrasos de vôos, de empresas. ‘ E à tarde, após reunião de autoridades na Casa Civil, o governo emitiu uma nota acaciana, que só revela desorientação. Por ela os brasileiros ficaram sabendo que serão tomadas ‘todas as medidas necessárias para sanar no menor espaço de tempo possível o problema dos atrasos dos aeroportos’.
Quais medidas? As autoridades não sabem. Tanto que o ministro da Defesa foi autorizado a convocar um grupo de trabalho para fazer um diagnóstico da situação e propor soluções para a crise. Como deu-se à tal comissão um prazo de 60 dias (!) para concluir seu trabalho, preparem-se os passageiros que não puderem cancelar suas viagens para amargar em aeroportos superlotados as festas natalinas e uma boa parte das férias de verão.
Quem não está desorientado, nesse episódio, é o Comando da Aeronáutica. Na primeira etapa da greve branca, a ordem foi restabelecida horas depois que o comando militar convocou e aquartelou os controladores de vôos. Mas, vencida aquela emergência, o governo voltou a insistir numa solução ‘política’ para um problema de insubordinação e de quebra de hierarquia. Mais uma vez, o Comando da Aeronáutica deve de dar um encaminhamento ‘militar’ para a questão, convocando e aquartelando 220 controladores do Cindacta 1, responsável pela área onde estão as principais rotas e o maior movimento de aviões do País.
Desta vez, para evitar a exploração propagandística feita pelos controladores – que alegam ter sofrido maus-tratos e arbitrariedades no primeiro aquartelamento –, o Comando da Aeronáutica pediu a um procurador do Ministério Público Militar que verifique se há abusos de autoridade e sobrecarga de trabalho.
Por seu lado, o Tribunal de Contas da União, que tem competência para tal, fará uma auditoria, em regime de urgência urgentíssima, no Ministério da Defesa, no Comando da Aeronáutica, na Infraero e na Anac para esclarecer os motivos da crise.
Seria também muito útil que o Comando da Aeronáutica instaurasse os devidos inquéritos para apurar as responsabilidades individuais num caso flagrante de desrespeito aos regulamentos militares.
******
Controlador de tráfego aéreo, São Paulo