Bolar um bom título, capaz de fisgar o leitor e docemente obrigá-lo a ler a matéria, costuma ser um tormento para jornalistas. A isso se deve, aliás, parte dos cabelos brancos na cabeça do sujeito que se vê na foto acima. Colecionar títulos, porém, pode ser um prazer, e, para quem é obrigado a fazê-los, um consolo.
No ofício há um bocado de tempo, vi engordar uma coleção formada por preciosidades e por barbaridades (nenhuma delas, vou avisando, de minha autoria). Quanto a estas, meu colega e amigo Carlos Brickmann bem podia reunir em livro as antipérolas que há anos vem publicando em sua coluna semanal no site Observatório da Imprensa.
Eu poderia falar de títulos felizes – como este de Guilherme Cunha Pinto no Jornal da Tarde: “Morreu Picasso – se é que Picasso morre”. Ou aquele outro, de Marco Antônio Lopes na Playboy, para uma reportagem sobre atores de filmes pornô: “Gente que faz”. Ou, ainda, o de Fernando Paiva, incumbido, na redação da Elle, de botar título num artigo sobre o palpitante tema da… farinha de trigo. Eu estava lá e vi nascer a preciosidade: “A jóia do trigo”.
Enigma perene
Mais alguns? Vamos lá. No Jornal da Tarde dos primeiros tempos, em reportagem sobre se ainda havia quem acreditasse no chamado Bom Velhinho, o afiado redator Carmo Chagas cravou esta maravilha: “Papai Noel existe. Está até morrendo.” Na IstoÉ, nos anos 80, um disco supostamente repetitivo foi avaliado como “Déjà-Lee”. “Cuidado, tinta fresca”, advertiu Cassiano Elek Machado no topo de reportagem da piauí sobre falsificação de quadros a óleo. Em 1970, no primeiro número da inesquecível Bondinho, revista recheada de estimulantes ousadias jornalísticas e comportamentais, um título conseguiu descrever a sensação vertiginosa de escorregar num brinquedo que era então novidade: “Tobogã, lá vou eu sem mim”. No dia em que a seleção brasileira enfrentaria em casa um adversário vindo do outro lado do mundo, o Correio Braziliense recomendou: “Abre o olho, japonês!” Ante a inesperada derrota, foi preciso ajoelhar no milho na edição seguinte: “Japonês abriu o olho”.
A lista de bons títulos, benza Deus, é extensa – mas desconfio de que você gostaria mais de visitar a outra ala da coleção, a das barbaridades. Inclui clássicos manjados como “Cachorro fez mal à moça”, sobre a senhorita que baixou no hospital depois de comer um cachorro-quente vencido, ou “Violada no auditório”, sobre a célebre noite de 1967 em que, num festival de música, Sérgio Ricardo arremessou o violão na plateia que o vaiava.
Feliz ou infelizmente, há muito mais nessa divertida galeria de horrores jornalísticos. Me lembro de ter lido na capa de um suplemento agrícola: “O porco, esse desconhecido”. Como não li a matéria, pois o título já me bastou, nosso irmão suíno continua a ser, para mim, um enigma que grunhe.
Pé esmagado
Na minha adolescência belorizontina, saiu notícia num jornal de Minas sobre a doença que mataria um dos maiores romancistas brasileiros. O título, em uma coluna, empilhava cinco palavras, e uma delas, por acidente ou dolo, mudou de lugar, daí resultando um desastre que, de quebra, lançou dúvida sobre a natureza da enfermidade: “José Lins enfermo do Rego”. O mesmo jornal, anos mais tarde, ao informar sobre o estado de saúde do homem forte da então Iugoslávia, saiu-se com esta: “Morte de Tito é questão de tempo”.
“Quando menos se espera, chega o Natal”, anunciou um jornal de que já não me lembro. Numa chamada de capa sobre Caetano Veloso e o carnaval, o redator da revista Visão Espírita não teve dúvida: “Atrás do trio elétrico também vai quem já ‘morreu’”. No alto de uma entrevista com a escritora lésbica Cassandra Rios, por muito tempo vítima da censura, a revista TPM lascou: “A perseguida”. Nos anos 90, a imprensa de São Paulo serviu ao leitor bizarrias como “Fala entre sexos é dificultada pelo cérebro”; “Sanguessuga cruza em hipopótamo”; “Sexo reduz expectativa de vida de verme”; “Pássaro tem pênis falso e é o único a ter orgasmo”.
Minha barbaridade predileta, porém, foi obra do falecido Notícias Populares, por ocasião do acidente em que Nelson Piquet teve um pé esmagado. Para reconstituí-lo, os médicos usaram tecido retirado das nádegas do piloto. Você adivinhou: “Piquet dá a bunda para não perder o pé”.
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[Humberto Werneck é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]