A Polícia Militar do Rio de Janeiro é a organização brasileira hoje que talvez mais sabiamente tenha utilizado ferramentas clássicas de Relações Públicas de relações com a comunidade nos últimos anos. A primeira delas foi as UPP, as Unidades de Polícia Pacificadora, que têm aproximado sistematicamente a sociedade dos policiais. Outra foi o emprego de telefonia anônima pelos canais da ouvidoria, Relações Públicas e Disque Denúncia. Por fim, os cerimoniais, com ritos de passagem, tiveram alto valor simbólico ao demarcar o fim de períodos históricos de soberania e o início do novo poder hegemônico. Foram dirigidos para festejar a reintegração da comunidade ao estado do Rio de Janeiro.
Bastante empregada em guerras modernas como recurso de RP, a ação de panfletagem aérea foi habilmente aproveitada com mensagens disponibilizando serviços de relações com a comunidade, estimulando moradores a denunciar traficantes ou fornecer anonimamente informações privilegiadas. Esse instrumento, por sinal, já foi aplicado nas periferias de São Paulo quando voos rasantes de pequenos aviões despejavam panfletos sobre as casas com mensagens divulgando serviços populares de saúde. A atividade era conhecida como “aviãozada”. No entanto, no Rio, o bombardeio de mensagens foi por helicóptero. O recurso sendo ilegal para fins comerciais tornou-se fortemente coibido pelo IV Comando Aéreo da Aeronáutica. Na Guerra do Iraque essa prática foi largamente utilizada como propaganda ideológica e contrapropaganda com o fim de persuadir insurgentes e guerrilheiros a entregarem suas armas e estimular ou dissuadir a população a determinada causa.
Os resultados surpreenderam
É curioso como outros militares brasileiros têm empregado muito bem como “arma” as relações comunitárias fora do país. As tropas brasileiras da ONU no Haiti, por exemplo, como não dominavam o créole, dialeto local, criaram meios iconográficos como pequenos cartões de visita em que não havia textos, apenas uma ilustração simples com um forte aperto de mão em que cada manga era uma bandeira do Haiti e do Brasil. Tudo isso a fim de demonstrar companheirismo e fraternidade entre as nações. Nas relações comunitárias com os haitianos, o futebol e os esportes estão entre as ferramentas mais regulares de aproximação ou de good will (boa vontade). As visitas de autoridades e de celebridades do tipo open house corporativa fizeram parte dos programas de comunicação do governo brasileiro. Nelas, até o ex-presidente Lula e os jogadores da seleção brasileira viraram atores singulares no processo de relações públicas. Com esses elos, cidadãos haitianos e militares brasileiros tornaram-se gradativamente mais próximos e cordiais.
Já nas comunidades cariocas, as 18 UPPs também empregaram muito bem o futebol e, em alguns casos, modalidades esportivas como judô e boxe e os projetos culturais, cursos para integrar PMs e moradores locais, especialmente entre crianças, que tanto têm sido seduzidas e recrutadas pelo tráfego. Vale lembrar que traficantes também patrocinavam times de futebol da garotada, bailes, churrascos e outros eventos para cultivar a política da boa vizinhança e empatia com sua liderança. As UPPs, além de instrumento policial, são de fato um singular programa de ressociabilização que transforma a farda numa marca com reputação de boa praça e de protetora local e, naturalmente, acentua a confiança. O temor em relação à polícia deve gradualmente ficar mais distante com a perpetuação desse projeto de responsabilidade social. Na comunicação corporativa, o chamado Parcs (Programa Ativo de Relação com as Comunidades) nada mais é do que um projeto contendo diversas iniciativas que criem relação construtiva e de empatia entre as partes no processo de coexistência.
Um outro destaque, o Disque Denúncia (21-2253-1177), embora seja um movimento civil criado pela própria sociedade carioca, acabou viabilizado pela Secretaria de Segurança com seu apoio, parceria e emprego até como um órgão de inteligência. A central telefônica foi instalada em 1995, quando o Rio sofria com a falta de confiança nos organismos policiais. À época, as estatísticas de sequestros eram tão altas que muitos empresários deixavam a cidade maravilhosa para se instalarem em outros estados. A resposta veio de lideranças empresariais e comunitárias com um canal de informação, similar às empresas de telemarketing/marketing direto, que receberia informações anônimas da população sobre atividades criminosas ou pistas sobre bandidos procurados. Para os denunciantes haveria recompensas e garantia do anonimato. Hoje, com o propósito de fortalecer o serviço e estimular mais pessoas a enviar informações para a central, todas elas são recolhidas e repassadas à imprensa. Os resultados surpreenderam todos, segundo o próprio movimento.
Uma guerra de baixa intensidade
O Disque Denúncia, que funciona 24 horas, foi inspirado num movimento similar chamado Crime Stoppers International. Essa ONG multinacional ajuda a coibir, resolver e prevenir crimes, unindo polícias e sociedade. A Crime Stoppers reúne informações enviadas pelo público sobre a segurança da comunidade, as quais encaminha à polícia para que ela tome as medidas apropriadas. Atualmente, a Crime Stoppers colabora com órgãos policiais de 28 países do planeta e, segundo a entidade, a cada 14 minutos ela ajuda a esclarecer algum delito em alguma parte do mundo.
Mais um aspecto singular de Relações Públicas adotado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro são as cerimônias tradicionais com ritos de passagem. Nesse recente episódio da ocupação das favelas do Vidigal, Rocinha e Chácara do Céu, o protocolo do hasteamento da bandeira nacional e do estado do RJ após a ocupação demarca o tempo e o espaço e, em tom solene, a ruptura de comando. Faz lembrar um pouco aquela imagem fotográfica clássica dos fuzileiros norte-americanos ficando sua bandeira na conquista da ilha de Iwo Jima. Imagem que, por sinal, foi muito trabalhada pelas Relações Públicas do governo norte-americano durante a II Guerra Mundial.
O importante hoje é que, para felicidade geral, todos aqueles “principados”, onde os senhores do mal e da guerra foram soberanos históricos por mais de 40 anos, finalmente vieram a ser recuperados e reocupados pelo Estado brasileiro. Os policiais e cidadãos tiveram naquele ato protocolar simples a oportunidade de congraçamento, integração e de compartilhar o civismo e o amor pelo país. O hasteamento do pavilhão nacional significou também o meio de simbolizar o triunfo, coroação e o reconhecimento do trabalho valoroso e de alto risco das polícias e dos fuzileiros navais nessa guerra de baixa intensidade, como um general já definira o conflito nas favelas cariocas. Seguramente tratou-se de um momento de contentamento entre os populares que pode ser um marco de esperança de novos tempos.
Osposts de “Bibi Perigosa”
O mais importante é que esse ato simbólico seja um ponto de partida do qual as favelas deixem de ser ilhas abandonadas e profundamente desassistidas pelo poder público. Para conquistar, porém, os pensamentos e emoções locais, serão necessários pesados investimentos em infraestrutura dos governos municipal, estadual e federal. Apenas as Relações Públicas imagéticas, ainda que significativas para o estado de ânimo de todos, serão insuficientes para fortalecer a confiança dos moradores no Poder Público.
Neste contexto, mais um fato interessante pode ser observado: o papel das relações públicas digitais. Em virtude de o conflito ser uma tragédia visceralmente das classes sociais mais populares e pelas dificuldades naturais de acesso à internet e redes sociais dessa população, essa nova alternativa tecnológica ficou aquém do seu potencial. As últimas estatísticas da Rocinha apontam que a população local tem acima de 100 mil habitantes. Por outro lado, um perfil da comunidade virtual no Twitter, @FaveladaRocinha, por exemplo, reúne apenas 2 mil seguidores, ou seja, 2% daquele universo.
Se as redes sociais na reincorporação ou retomada das comunidades do morro à sociedade carioca não foram tão eficientes e massivas como outros meios tradicionais, a bem da verdade elas ajudaram na captura do líder-traficante “Nem” a partir da prisão do seu tesoureiro, conhecido como Saulo. Segundo notícias na imprensa na época em que Saulo foi preso, em Maceió, dificilmente o bandido seria descoberto por sua discrição. O problema foi o comportamento totalmente escancarado de sua mulher Fabiana, a “Bibi Perigosa”, como é apelido dela nas redes sociais. A polícia chegou até Saulo a partir do monitoramento dos frequentesposts de Bibi no Twitter. O surpreendente é que mesmo após a prisão do maridão a boquirrota continua a mexericar pelo Twitter e até previu que a “paz não terá vida longa na favela”. Esperamos, naturalmente, que esteja enganada.
Referência internacional
Se forem considerados os “furos” jornalísticos no episódio, as redes sociais também merecem forte destaque porque ao que consta, algumas informações, como aquela do derramamento de óleo na rua do Largo do Santinho pelos traficantes com intuito de dificultar a passagem de viaturas, surgiram primeiro no Twitter. Isso deve sinalizar que, a partir das recentes ocorrências, a imprensa tradicional dificilmente poderá furar as redes sociais. Mas é sempre bom ressaltar que as mídias sociais não são jornalismo e, portanto, todos osposts contendo informes, imagens, divagações, dicas ou recados sempre devem ser verificados, filtrados e analisados pelos jornalistas para só então serem divulgados na imprensa como informações legítimas de acordo com a tipologia jornalística.
No quesito relações com a mídia, tudo leva a crer que a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro fez um trabalho bastante satisfatório, principalmente porque não se verificaram reclamações dos profissionais de imprensa sobre acesso aos locais da operação ou censura prévia. Não houve queixas também sobre a disponibilização de informações. Pelo contrário, as entrevistas coletivas com o secretário da Segurança, o comandante da Polícia Militar, a chefe da Polícia Civil, os superintendentes da Polícia Federal e o da Polícia Rodoviária foram frequentes e bem francas. Na cobertura da mega-ocorrência, os jornalistas de imagem, na busca das melhores cenas, puderam arriscar bastante e isso, por sinal, acabou resultando na morte de um repórter cinematográfico dias antes da invasão. É importante enaltecer aqui o trabalho dos PMs que arriscaram suas vidas na linha de tiro para resgatar cinegrafista ferido. Só fico preocupado que essa tragédia não estimule algumas autoridades a normatizar o trabalho de imprensa e assim gerar mecanismos de censura prévia. Os próprios jornalistas devem sempre ter consciência dos seus riscos, de seus limites e recursos, e da viabilidade de sua pauta.
Desse importante capítulo da história brasileira pós-moderna, é conveniente enfatizar o quanto os meios tradicionais das relações públicas e da propaganda institucional poderão auxiliar a força policial no futuro e a dimensão que as redes sociais ainda podem alcançar entre os cidadãos de menor renda. Outro fato a se pensar é que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) estão entre os maiores projetos já criados de relações comunitárias e que não foram concebidas ou elaboradas por um famoso executivo de relações públicas ou especialista em comunicação social. É possível, por sinal, que a UPP se torne também referência internacional para outros projetos em comunidades onde a violência suplante a ordem e segurança do poder constituído.
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[Paulo Sérgio Pires é jornalista, publicitário, professor de Comunicação e gestor de processos comunicacionais]