Uma coisa é clara: jornalismo, com o que queira efetivamente significar, só se torna viável com democracia, razão pela qual, no título, não consta o binômio jornalismo / democracia, mas figura sim a expressão ‘prática da democracia’. Assim foi pensado, tendo em mente o fato de nem sempre a ‘prática’ que se justifica em nome da ‘democracia’ ser tradutora de efetivo exercício democrático.
A solidez da democracia
O Observatório da Imprensa das últimas semanas tem sido pródigo em dar visibilidade à questão que rege o presente artigo. Adiante, a observação adquirirá a clareza devida. De início, fique transparente a defesa intransigente pela ‘liberdade de expressão’. Por outro lado, cabe também afirmar que, em grau de relevância maior, deve estar a ‘liberdade de pensamento’. O que confere substância e solidez à democracia é a ‘liberdade de expressão’ como conseqüência da ‘liberdade de pensamento’ que, por sua vez, é precedida pelo livre acesso ao conhecimento. Sob tal prisma, conclui-se que a ‘expressão’ é o resultado final da combinação entre ‘conhecimento’ e ‘pensamento’. Em havendo qualquer distúrbio na estrutura triádica, seriamente comprometida ficará a democracia, bem como desvirtuada haverá de ser a ‘prática’ que, em nome da democracia, se venha a apresentar.
Preocupações não faltam para quem deseje pensar a realidade brasileira. Sem dúvida, porém, uma delas – ao menos no que me diz respeito – se refere ao fato de, progressivamente, observar a associação entre a livre expressão de idéias e a agressividade discursiva, beirando esta, por vezes, a violência. A pretexto da liberdade de comentar um artigo, ou de manifestar discordância quanto às posições de um articulista, sobrevém avalanche de discursos com marcada retórica quase bestial. Principalmente entre internautas a característica se acentua, seja pela rapidez induzida pela ferramenta, seja pela possibilidade de reação imediata, o fato é que algumas dezenas de textos chegam a causar estarrecimento quanto a como é compreendida a relação entre a ‘liberdade de imprensa’ e a ‘liberdade de prensar‘.
Não se constrói democracia com retórica de extermínio. Somente a qualificação argumentativa robustece a vigência democrática. Quando o argumento se faz acompanhar da violência, está-se mais próximo da estratégia fascista do que da prática democrática. A discordância prevê fronteiras a serem reconhecidas e, entre estas, situa-se o respeito à voz da diferença, capaz de preservar o aprimoramento do pensar dialético.
A frágil democracia brasileira fica evidente sempre que, para rebater-se a diferença, se apresentam a desqualificação e a desmoralização. É hora, pois, de aprendermos todos a lição que, em democracias consolidadas, há muito foi assimilada. Se insistirmos na armadilha da ‘(des)razão dogmática’, estaremos a um passo da democracia desfigurada. A democracia é, antes de tudo, um estado mental, razão por que ela precisa mais de reflexão do que de desmedida excitação. A democracia da intensidade, quando se faz parceira do discurso da ferocidade, conduz ao estado vertiginoso da insensatez. Ainda temos tempo para reavaliações. Mas não muito.
******
Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA – Rio de Janeiro).