Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O teatro antipedagógico das manchetes

Estado de S.Paulo e Folha deram chamada na capa das edições de sexta-feira (25/11): “MP pede saída de Kassab e fim da inspeção veicular” no primeiro e “Inspeção de veículos faz promotor pedir saída de Kassab”, no segundo

Tecnicamente, o caminho de promotores que detectam fraudes no contrato com a empresa de inspeção veicular talvez seja obrigatoriamente pedir o afastamento do prefeito Gilberto Kassab.

Mas qualquer leitor com um mínimo de vivência conhece a improbabilidade de perda do cargo nesses casos. Lembrar que Paulo Maluf terminou todos os seus mandatos. José Roberto Arruda caiu no DF porque havia um vídeo incontornável, porque alguém de dentro abriu o esquema.

Denunciar e não punir

Se todos sabem que as chances de deposição do prefeito são mínimas, publicar literalmente o pedido do Ministério Público é alimentar um teatro de natureza política. Tudo bem com a política, mas o binômio denúncia-fácil/punição-difícil deseduca.

De um lado, poucos ignoram o volume ciclópico da corrupção nas três esferas do Executivo. De outro, não se conhecem punições. Caem ministros, secretários estaduais, prefeitos, noticia-se que há processos, mas não punições. Não exatamente cadeia, mas a dolorosa multa pecuniária.

Se a ação contra Kassab prosperar, o processo será lento. Quando sair uma sentença, ele estará no exercício de outro mandato ou aposentado da política. A manchete dos cadernos de cidade poderá ser exibida em programas de televisão do horário eleitoral “gratuito” de 2012. Sempre ajuda a tirar votos do candidato oficialista.

Enredo desgastado

Os adultos de hoje dividem-se entre os que contemplam esses episódios com pequena ou grande indignação, de modo mais ou menos conformista, ou com uma dose maior ou menor de cinismo. No estado atual das coisas, os que gostariam de uma ação mais incisiva são impotentes para ir muito além das conversas no trabalho ou em casa. Manifestações anticorrupção são embrionárias e seus matizes políticos são indiscerníveis.

Os jovens e as crianças de hoje tiram empiricamente a lição de que se pede medida extrema e não acontece nada. Não seria mais sensato que os promotores simplesmente anunciassem a investigação? Ou, se isso não fosse possível, que os jornais dessem o pedido de afastamento com a necessária reserva, sem repetir mecanicamente um enredo tão desgastado?