Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blogs entram na guerra contra drogas

O Anonymous, um grupo mundial de hackers ativistas, conquistou uma série notável de sucessos nos últimos tempos: desde ajudar o movimento Ocupar Wall Street até derrubar sites governamentais de regimes repressivos no Egito e na Tunísia. Mas quando, neste mês, o grupo lançou um plano chamado OpCartel, ameaçando divulgar dados roubados para expor 100 colaboradores do Los Zetas, um dos cartéis de drogas mais selvagens do México, a empresa americana de segurança Stratfor, entre outros, advertiu os hackers de que eles não tinham noção das consequências do que pretendiam fazer. Em setembro, os Zetas manifestaram seu descontentamento com um blogueiro que contribuiu para um site anticartel desovando seu corpo decapitado perto de um monumento na cidade fronteiriça de Nuevo Laredo. A cabeça da vítima estava com um par de fones de ouvido e ao lado de seu torso havia um teclado de computador.

Divulgar informações sobre colaboradores dos Zetas, extraídas de bancos de dados da polícia, provavelmente colocaria os suspeitos em uma “lista de alvos de assassinato” de cartéis rivais, alertaram especialistas em segurança. Os geralmente ruidosos participantes do Anonymous estavam divididos sobre o bom senso do confronto, anunciado como uma resposta ao suposto sequestro de um membro do Anonymous no estado mexicano de Veracruz em algum momento anterior a 6 de outubro. “Não vou mais twittar no #OpCartel daqui para frente”, foi a mensagem disparada por um membro apelidado AnonyNewsNet. “Desculpe-me, mas vou fumar um cigarro atrás do outro e/ou ficar me sentindo um covarde.”

Quando o ativista sequestrado foi libertado em 4 de novembro, com um bilhete de seus captores ameaçando matar dez pessoas para cada nome divulgado, a OpCartel foi rapidamente cancelada. “Nós os chantageamos”, diz Barrett Brown, porta-voz informal do Anonymous, observando que os Zetas não costumam liberar as vítimas vivas. “E eles nos chantagearam.”

“Chega, daqui não passarão”

Cerca de 45 mil mexicanos foram mortos desde 2006 e a guerra às drogas custou à economia US$ 120 bilhões em gastos com segurança e investimentos perdidos, segundo a Bulltick Capital Markets, uma empresa de investimento especializada na América Latina, com sede em Miami. Entre as consequências desastrosas estão uma mídia acovardada e uma força policial com poder de fogo inferior à dos traficantes e muitas vezes corrupta.

Nesse vácuo, uma nova geração de jovens ativistas mexicanos está empenhada em enfrentar os cartéis usando mídias sociais e ferramentas de alta tecnologia que se revelaram eficazes em outros movimentos. Nas cidades mexicanas atormentadas pelos conflitos, o Twitter e o Facebook são plataformas de informações sobre as gangues de drogas provenientes da multidão de usuários das redes sociais. Os blogs, que não funcionam em escritórios no mundo real – como os jornais convencionais, contra os quais os cartéis podem lançar bombas – substituíram essas publicações como fontes de informação.

Igualmente importante, dizem os ativistas, é que as mídias sociais oferecem uma maneira para os cidadãos sitiados reagirem. “É uma maneira de dizer 'Chega, daqui não passarão. Mesmo se nos matarem, mesmo que nos sequestrem, não vamos desaparecer'”, diz Javier Valdez, que escreve para o Rio Doce, um site que reporta as atividades de cartéis no estado mexicano de Sinaloa, banhado pelo Pacífico.

Repórteres na espera

O movimento começou com moradores de algumas das piores zonas de conflitos do país usando o Twitter para monitorar em tempo real tiroteios nas rua ou cenas de assassinato. Sites de comunidades começaram a compilar essas postagens como uma espécie de relatório sobre a violência dos traficantes. “Há um comboio de homens armados circulando no Boulevard Colosio. Tome cuidado”, alertou recentemente um redator anônimo no site Nuevo Laredo en Vivo, que monitora as atividades na cidade fronteiriça ao sul de Laredo, no Texas. No Estado de Tamaulipas, onde os jornais locais raramente cobrem as atividades dos cartéis, usuários do Twitter desenvolveram códigos para indicar o nível de confiança das informações que postam: A2 é código para rumores, por exemplo; A4 indica um evento presenciado. “Os usuários do Twitter tomaram em suas mãos uma espécie de jornalismo-cidadão”, disse Rossana Reguillo, professora da Universidade Jesuíta de Guadalajara, em uma recente conferência no estado de Jalisco.

Com o passar do tempo, os usuários de sites têm ficado mais ousados. Os editores do Nuevo Laredo en Vivo recentemente elaboraram relatórios para criar um mapa de locais de venda de drogas e de vigilância operados pelos traficantes. Entre os colaboradores do site estava Maria Elizabeth Macias, a vítima decapitada, que publicava sob o apelido La Nena de Laredo (a garota de Laredo). Colegas suspeitam que os Zetas conseguiram reunir informações online de Macias que permitiram levantar sua identidade real. Para proteger os contribuintes, os editores do blog Borderland, considerado uma das fontes mais confiáveis de informação sobre a violência das drogas no México, dizem que eles próprios não conhecem a identidade de alguns dos principais contribuintes do site. As mensagens são muitas vezes repassadas por meio de intermediários para proteger o sigilo. “Podem ser jornalistas, policiais, políticos e talvez até mesmo membros dos próprios cartéis”, diz um dos editores do blog, cujo apelido é Buggs.

Isso não atenderia aos critérios editoriais na maioria das redações tradicionais. Por outro lado, essas não são situações típicas em redações. Em Tamaulipas, base operacional dos Zetas, sempre que há um tiroteio ou ataque com granadas – ambos acontecem com alarmante frequência –, repórteres esperam um telefonema de um representante do cartel para saber se podem cobrir o incidente, diz Jo Tuckman, autora e analista que mora na Cidade do México.

Preso pela polícia ou morto por um cartel

Editores do site Blog Del Narco dizem ter sobrevivido à política mortal da cobertura da guerra contra as drogas porque não tomam partido. Até recentemente, o site funcionava como um YouTube da guerra das drogas. Usuários postavam vídeos de tiroteios gravados com telefones celulares ou fotos macabras de cenas de assassinatos. O site tornou-se tão popular que também os cartéis começaram a postar nele. Um vídeo – aparentemente um recado a um cartel rival –, incluía uma decapitação. A partir de novembro, os usuários que buscam o blog passaram a ser redirecionados a um site irmão com menos cenas de violência explícita denominado Mil Cincuenta.

Recentes assassinatos indicam que os cartéis estão levando as novas táticas online a sério e os ativistas podem ter cometido um erro de cálculo ao se ocultar sob apelidos e endereços IP para sua proteção. Em setembro, dois corpos foram encontrados pendurados de uma ponte em Nuevo Laredo com um aviso sobre o preço pago por “dedos-duros de internet”. A nota – assinada com um “Z”, inicial de Zeta – citava vários sites, entre elas o Blog del Narco e o Denuncia Ciudadano, que permitem aos usuários reportar anonimamente atividades criminais. Um quarto blogueiro decapitado foi encontrado na mesma cidade, no dia 9/11. Após o confronto com o Anonymous, a empresa americana Stratfor e especialistas em segurança no México advertiram que, com tantos funcionários do governo nas folhas de pagamento dos cartéis, esses provavelmente têm acesso a tecnologias de rastreamento de nível militar usadas pelo governo mexicano. Em pelo menos um caso, segundo o jornalista Valdez, o cartel de Sinaloa contratou um hacker para caçar um informante do governo.

Membros do Anonymous envolvidos na OpCartel dizem não ter desistido da luta, apenas mudado os alvos. As informações sobre colaboradores dos Zetas são fruto de mais de 200 mil e-mails obtidos por hackers em agências policiais mexicanas, que o grupo vem analisando ao longo dos últimos seis meses, segundo um membro do Anonymous que atende pelo nome de Itzela. Ele diz que os dados roubados contêm evidências apontando para pelo menos 70 autoridades nacionais e locais mexicanas envolvidas em atividades corruptas, incluindo detalhes de subornos. “Isso poderá causar muitos problemas para o governo”, diz Jorge Chabat, um cientista político da Cide, uma universidade na Cidade do México. “Haverá pressões para que algo seja feito.”

Mas será que isso conseguirá pressionar – e, o que dirá, prejudicar – os cartéis? “Nessa altura dos acontecimentos, não, eu não acho que isso os preocupe muito”, admite Itzela. “Se nos livramos de um político corrupto, quando seu substituto chegar, eles simplesmente o comprarão também.” Ele diz que o Anonymous foi atrás dos Zetas apenas por causa do sequestro; o verdadeiro alvo do grupo é o governo mexicano. A partir de agora, o grupo, com mais de 30 membros detidos em diversos países, não discute mais quaisquer de suas atividades no México em fóruns abertos. “Precisamos ser cuidadosos”, diz Itzela. “Ser preso pela polícia não é o mesmo que ser morto por um cartel.”

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[Michael Riley é da Bloomberg Businessweek]