Li o excelente artigo de Cláudia Antunes (‘O longo prazo acabou’), na Folha de 16/4, e todo o meu descontentamento com o que a mídia tem falado e mostrado sobre a violência eclodiu: achismos, palpites, exploração política, desconhecimento do que se fala e por aí vai.
Uma noite dessas, quando começou a confusão da Rocinha, reuniram umas cinco pessoas famosas na Band para discutir a violência. Meus deuses, como dizia a Irene Ravache na boca de uma de suas personagens: só deu lugar comum e demonstração de horror. Nenhuma discussão esclarecedora, nenhuma sugestão. Um vazio absoluto. O pior é que a maioria do que tenho lido e ouvido trata a violência como causa, quando a violência é efeito.
Lidar com a violência exige planejamento. Um planejamento à antiga. Daqueles em que se fazia um amplo diagnóstico da situação, descrevendo-a, procurando-se as variáveis geradoras, determinando-se os alvos a serem alcançados e, só então, estabelecendo-se os caminhos a serem percorridos para atingir os alvos propostos. Lá pelos anos setenta isto era chamado de administração por projeto ou por objetivo, se a memória não me falha.
De lá para cá administramos o Estado brasileiro como se fosse uma casa de loucos. Como Cláudia Antunes disse em seu artigo, ‘resolver aqui qualquer problema social visto de forma isolada – da violência urbana aos conflitos no campo – é como soldar os vagões de um trem em movimento, levado célere para o abismo por todas as demais variáveis.’ É preciso que nos resolvamos a pensar o que queremos para o Estado brasileiro.
A violência, assim como a fome, o desemprego, a falta de moradia, as mortes no trânsito, o baixo índice de aprendizado nas escolas etc., deve ser vista como efeito do modo como administramos o Estado-Brasil, os estados, os municípios, as câmaras legislativas, os tribunais, as escolas, as igrejas, as famílias, as empresas, os botequins, a internet, os clubes de futebol, as federações de tênis, as delegacias, a mídia. São também efeitos do modo como administramos nossos passos de pedestres, nossos atos de motoristas, nossas relações afetivas etc.
Para o futuro
Não há lógica em ignorar a causalidade. Causa e efeito são inseparáveis. A casualidade não existe; apenas comprova nossa ignorância de grande parte das leis da natureza. Ignorar que toda causa produz um efeito e que todo efeito tem uma causa é útil apenas para crianças que querem fugir do castigo, para espertos querendo ‘tirar vantagem’ e para os donos da verdade.
Neste momento, os governantes, os políticos, os ‘especialistas’, os policiais, os profissionais, os brasileiros pobres, ricos ou mais ou menos, deveríamos parar de dar palpites erráticos de como resolver a situação e começar a formar grupos para estudar os problemas de nossas pequenas comunidades e começar a traçar planos para resolvê-los. Isto nós sabemos fazer e é mais produtivo do que dar palpite. Da soma desses planos, eduziremos um plano de desenvolvimento do Brasil e dos brasileiros.
Utopia? Eu diria que é um sonho realizável. Mas é um plano que exige que cada um de nós faça a sua parte. Não existe ‘A Violência’; o que existem são As Violências de cada dia; as violações das regras a cada conveniência; as descortesias de cada dia; os egoísmos de cada momento.
E, me perguntarão todos, os governantes? Que governem, que estudem o país, os estados, os municípios e ajam dentro de um plano global de ordenação do caos institucional. Isto é da competência deles. Poderão também dar uma olhada em nossos planos e nós nos deles. O trabalho em conjunto faz bem a qualquer país. Mas exige maturidade e capacidade de adubar, molhar, podar, esperar para que a planta cresça e dê frutos, com acompanhamento de perto pela imprensa – pois não se trata de serviço público? Não é trabalho para ganhar votos nas eleições deste ano, ou para vender um produto no intervalo. É trabalho para o futuro, para durar.
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Psicóloga, Brasília