Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os “gargantas rasas” do Brasil

As notícias que levaram à queda de ministros do governo Dilma Rousseff têm cheiro de “prato pronto”. Há méritos da mídia em publicar, com algum destemor, o prato pronto, mas continuamos como d’antes na terra de Abrantes: a mídia, eletrônica ou impressa, está longe de demonstrar que recuperou o antigo brilho investigativo. Enxergar nesse noticiário indícios de “saúde dos jornais” é o típico erro acadêmico, vindo de quem nunca frequentou uma redação de verdade.

Os jornais no Brasil estão enfermos. Vivem do prato feito, como aquele que a enfermeira deposita na cabeceira da cama do hospital. Operam sempre em média bandeira, ou seja, nos limites do prato feito: não conseguem ir além dos documentos que lhes são entregues de mão beijada pelos “gargantas profundas”, ou melhor, pelos “gargantas rasas”, no caso do Brasil.

W. Mark Felt, falecido em dezembro de 2008, aos 92 anos de idade, foi a principal fonte onde beberam os repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, que desvendaram o escândalo de Watergate e produziram a renúncia do presidente Richard Nixon. Felt fora diretor do FBI durante o esquema de espionagem montado pelo Partido Republicano na sede do Partido Democrata durante a campanha pela reeleição de Nixon. Howard Simons, editor do jornal, apelidou a principal fonte do jornal de “Garganta Profunda”, fazendo uma alusão ao famoso filme pornô lançado em 1972.

Eleger prioridades

O Brasil também está cheio de “gargantas profundas” – ou melhor, de gargantas rasas – e a sociedade deve a eles –e quase tão somente a eles – a queda de ministros do governo Dilma Rousseff. Podem ser chamados de “gargantas rasas”, em contraponto ao “garganta profunda”, porque não têm interesse na apuração de toda a verdade. Têm interesse apenas na deposição do ministro. Param por aí. E a mídia – isto é o que existe de dramático nesses casos – para junto com eles. Não continua no caso, não aprofunda as informações. Contenta-se também em alardear a façanha de haver derrubado mais um ministro. É pouco. É muito pouco.

Em seu programa de entrevistas nas madrugadas da Globo, Jô Soares, durante o desenrolar do mensalão, reunia um grupo de mulheres, jornalistas especializadas em política, para comentar e debater os fatos da temporada. O grupo ficou conhecido como as “meninas do Jô”. Era sempre patético quando elas, uma virada para a outra, se perguntavam: “De onde será que veio o dinheiro do mensalão?”, como se jornalistas não tivessem por obrigação descobrir.

De lá para cá, nada mudou. De onde veio o dinheiro do mensalão ? Quais eram os clientes de Antônio Palocci? Quando algum garganta rasa não se dispõe a colaborar, a mídia ignora. Está certo que se ela fosse aprofundar todos os casos de corrupção, não faria outra coisa na vida, mas isto não explica a cobertura burocrática, apática e sintomática dessa crise que se abate sobre os jornais. É preciso eleger prioridades e o compromisso com os leitores não termina quando cai o ministro, mas apenas quando o ministro corrupto vai para a cadeia e devolve aos cofres públicos o dinheiro que desviou.

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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]