No amplo noticiário sobre o relatório da delegada Elizabeth Sato sobre o assassínio do prefeito de Santo André, Celso Daniel, a imprensa registrou as críticas e os apoios, relembrou o caso, discutiu o inquérito. Duas perguntas, entretanto, não foram feitas, e são da maior importância:
1.
Como é que o relatório foi parar nas mãos da imprensa? Nenhuma das reportagens sobre o assunto informa a trajetória que o relatório seguiu, até chegar aos repórteres;2.
O relatório foi assinado em 26 de setembro e as primeiras reportagens sobre ele saíram quase dois meses depois, no fim de novembro. Dia 1º de outubro houve eleições – e seria razoável imaginar que o relatório, ao colocar o assassínio do prefeito Celso Daniel na categoria dos crimes comuns, beneficiasse o partido que foi acusado de defender a tese do crime comum para não sofrer prejuízos eleitorais. Mas talvez este seja um raciocínio equivocado: afinal de contas, estamos no Brasil e a burocracia é lenta.De qualquer forma, o relatório só saiu depois, bem depois, de 29 de outubro, data do segundo turno. Por que terá demorado tanto? E, voltemos ao primeiro item, como é que chegou tão mais tarde às mãos da imprensa? Será descabido imaginar que foi apenas coincidência a divulgação do relatório na época das férias da delegada Elizabeth Sato, que não teve como responder às críticas?
Propaganda oficial, não
O dirigente petista Valter Pomar acha que o governo deve mudar os critérios de distribuição de sua publicidade: em vez de normas técnicas – que, a seu ver, contribuem para perpetuar a situação atual, ampliando a força dos grandes veículos e enfraquecendo os menores – o governo adote normas políticas, com o objetivo de ‘democratizar a informação’. Do outro lado, a reação é imediata: o que o dirigente petista estaria querendo é dar publicidade para os amigos do governo e punir, com o corte de verbas, quem se atrever a administração e/ou o presidente.
Este colunista discorda de ambos os lados: para que torrar dinheiro público em propaganda do governo? Na Rodovia Fernão Dias, há placas com a inscrição ‘nesta estrada há investimentos do Governo Federal’. Há, e muito menos do que deveria; os buracos já devem ter extensão maior do que a área não-esburacada. E, em vez de gastar dinheiro nos consertos, por que desperdiçar na propaganda?
Há situações em que a propaganda é inevitável: empresas estatais, por exemplo, desde que concorram no mercado. Propaganda das empresas estaduais de saneamento, por exemplo, são dispensáveis: ou o caro leitor abre a torneira ou fica sem água. Não tem onde buscar um produto melhor e mais barato. O BNDES não tem concorrente, nem motivo para torrar com propaganda. Ou campanhas educativas, datas de vacinação, anúncio de mutirão contra a dengue. O resto, inclusive slogans tipo ‘Brasil, um país de todos’, é desperdício do nosso dinheiro.
Há muitos e muitos anos, um governador paulista, Carvalho Pinto, simplesmente não fez qualquer publicidade sobre as excelências de sua administração. Deixou o governo, foi cotado para a presidência da República (para as eleições que não houve, devido à intervenção militar), elegeu-se senador. Nunca se cansou de dizer que um bom governo aparece por si mesmo – o eleitor não precisa de alguém que lhe diga isso, especialmente quando é pago com o dinheiro de todos.
Guerra das togas
A discussão entre Maurício Correa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, hoje advogado, e o ministro Joaquim Barbosa foi amplamente descrita pelos meios de comunicação. Faltou dizer que o ministro Joaquim Barbosa pediu vistas do processo, no caso em que Maurício Correa atua como advogado, no dia 4 de maio. Deveria devolvê-lo e dar seu voto em dez dias. Mas só o fez agora, em 23/11, seis meses e dezenove dias depois de pedir vistas.
A propósito, é absolutamente normal, habitual, que os advogados conversem com os ministros a respeito dos casos de seu interesse.
O mistério dos vôos
Se o número de controladores de tráfego aéreo era insuficiente, por que antes a coisa funcionava? Tudo bem, algumas ótimas reportagens mostraram que houve muitas situações de perigo, em que a sorte salvou vôos quase condenados; mas, mesmo assim, o fato é que só agora ocorreu um caso em que a soma de problemas foi maior que a sorte, a perícia dos pilotos e a versatilidade dos aviões modernos.
A vida lá fora
Mas está faltando, sem dúvida, a reportagem que mostre como funcionam os controles de vôo no exterior – especialmente nos Estados Unidos, em que os aeroportos também enfrentam problemas de saturação.
É preciso lembrar, por exemplo, a crise criada pela greve dos controladores de tráfego aéreo durante a presidência de Ronald Reagan, e relembrar como o problema foi resolvido. Falta a reportagem que mostre a convivência entre controladores civis e militares. Falta a reportagem que explique por que ninguém tenta contratar controladores estrangeiros. Não há problema de língua, já que controlador fala inglês. E é possível, quase imediatamente, buscar excelentes profissionais, experientes, em países que, mesmo afastados dos centros mundiais de decisão, se notabilizam pelo bom transporte aéreo, como Cingapura, Malásia ou Coréia. Os chineses não acabam de contratar algumas dezenas de pilotos brasileiros?
E eu com isso?
Meninos, eu vi. Vi o Ulysses Alves de Souza, um de meus chefes de reportagem, pegava alguns assuntos e decretava: ‘Isso não é notícia!’ Vi o Adilson Laranjeira perguntando, gentil: ‘E quem é que vai ler essa droga?’ A palavra, sejamos sinceros, não era exatamente ‘droga’. Vi o Murilinho Felisberto pegar alguma matéria proposta para a primeira página e resmungar baixinho: ‘Desse jeito é que o jornal não vende’.
Os tempos mudaram. Hoje, vamos ver algumas notícias (que devem ser importantes, já que tiveram ampla divulgação):
1.
‘Me sinto mais mulher do que nunca’, diz cantora Shakira2.
Britney Spears quer arranjar um namorado3.
De biquíni e sunga, Piovani e Dado namoram na praia [a propósito, se até Daniella Cicarelli manteve o biquíni, com que roupa os dois deveriam namorar na praia?]4.
Angelina Jolie e Brad Pitt passeiam no Vietnã5.
Grávida, Michelle Alves posa só de cueca para revistaO grande título
Nesta semana, só um – um que dominou todos os outros. O tema é futebol. E o título é:
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Antunes não condena pratica mala preta******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados