O jornal O Estado de S. Paulo anunciou na edição de domingo (4/12/2011) o fechamento de dois de seus mais tradicionais suplementos: o “Feminino”, criado em 1953, e o “Agrícola”, de 1955. Além desses dois, será fechado também o “Suplemento de TV”. Diz a matéria:
“O Suplemento Feminino foi criado quando os jornais não ofereciam opções diversificadas de leitura. Décadas depois, diversos cadernos e seções ao longo de todo o jornal contemplam temas como design e decoração (Casa), saúde (Vida), gastronomia (Paladar), comportamento (Metrópole e Caderno 2) e orientação de consumo (seção Boulevard, no Metrópole). É uma leitora que evoluiu e hoje é atendida em outras partes do jornal, junto com suas filhas e netas.”
Não há dúvida de que a mulher mudou – e felizmente mudou muito – desde o remoto ano de 1953. E certamente daria muito mais trabalho transformar o suplemento num produto de acordo com essa nova mulher do que seguir a orientação do marketing e simplesmente acabar com o produto. Mas será essa a verdadeira razão? Se prestigiar o público feminino fosse tão importante, o suplemento de 26 páginas teria seu formato modificado (para ficar do tamanho dos outros), com uma paginação mais moderna e um conteúdo de acordo com o século 21.
Dizer que a leitora está atendida nas outras seções do jornal é uma boa desculpa, mas não convence. Será que artigos como o de Mary Del Priori – “Uma é a outra?”, publicado no domingo, 4/12, na que é a última edição do suplemento –, discutindo o novo papel da mulher, terão espaço em outras páginas do jornal no futuro? Ao discutir a “coisificação feminina”, a historiadora diz:
“Dando ou não dando, a brasileira continua a construir sua identidade através do olhar do homem, do macho ou do príncipe. É ele quem escolhe a liberada ou a libertina. As que transformam o corpo apenas num mecanismo de proezas sexuais têm que lidar com consequências nem sempre desejadas, como gravidez, DSTs e solidão, quando o corpo não dá mais. Na outra ponta, como demonstra Sarah Sheeva, a tradição não é opressiva. Para muitas, a liberdade sexual é um fardo e elas têm nostalgia da velha linguagem do amor, feita de prudência, tal como viveram suas avós. A pergunta que fica é quando vamos ser nós mesmas, sem pensar em como ou quanto os homens nos desejam? Sem ter que escolher entre ser santa ou p…?”
Tratamento atual
Um suplemento inteiro dedicado à mulher significa profissionais preocupadas, a semana inteira, com os melhores assuntos para o domingo. E, por mais que falem de moda, beleza e decoração, sempre sobra espaço para discutir realizações profissionais, questionamentos do tipo “coisificação da mulher” e, como consequência, espaços que discutem a situação da mulher do ponto de vista feminino, feminista, antropológico e histórico. Um questionamento – como demonstra o último artigo do agora falecido suplemento – necessário e atual.
Se levarmos em conta o número ínfimo de matérias desse tipo nas outras páginas de jornal, as pensadoras da causa feminina vão acabar lamentado o fechamento do suplemento que, com sua diagramação antiga, suas páginas desvalorizadas por anúncios de 1/3 (no pé da página ou nas colunas laterais) e suas matérias de moda e beleza incapazes de competir com o papel couché dos produtos caros das revistas femininas, acabava preenchendo um espaço cada vez mais raro na imprensa.
Se o jornal realmente valorizasse suas leitoras, poderia transformar o suplemento feminino num verdadeiro fórum de debates. E temas certamente não faltariam, a começar pelo papel das mulheres na política (especialmente na era Dilma Rousseff), o atendimento em saúde pública, a questão do aborto, as relações de trabalho, a diferença salarial com homens ocupando os mesmos cargos nas empresas etc. Isso para não mencionar os excessos na área de beleza, moda e decoração.
Falar com a mulher do século 21 não pode ser tão difícil nem tão desnecessário que justifique o fechamento de uma tradição de 50 anos. O problema é ter vontade política para admitir que a mulher mudou e merece um tratamento mais atual.
Puro e simples
Se não dá para competir com o luxo das revistas femininas, daria muito bem para fazer do suplemento um bom contraponto às revistas femininas, mostrando que saúde e beleza devem andar juntas, que a moda deve ser acessível a todos os tipos físicos e classes sociais, e que a casa pode ser bonita, mesmo sem dinheiro para comprar o design do momento.
Do ponto de vista do leitor é lamentável. Mais lamentável ainda porque os jornalistas do suplemento deveriam ter tido a oportunidade de fazer uma edição especial. Encerrar uma história de 50 anos como se fosse apenas mais uma edição é, no mínimo, uma injustiça.
Vamos esperar também que para os profissionais do Suplemento Feminino, e dos outros dois que tiveram seu fim anunciado no domingo, isso não signifique o desemprego puro e simples.
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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]