Fruto de uma reivindicação histórica de produtores independente e de instituições da sociedade civil organizada, que lutam por uma mídia mais democrática no Brasil e com foco na produção brasileira, as cotas estabelecidas pela nova Lei de TV por assinatura – 12.485/2011 – ainda nem saíram do papel e já estão sendo questionadas na Justiça. Nesta semana, o partido dos Democratas e a operadora de TV por assinatura Sky TV moveram ações contra a lei. A pergunta é: por quê? Por que criticam as cotas?
Talvez, a única razão esteja ligada a interesses econômicos e/ou políticos daqueles que são contrários e que podem estar ligados aos grandes conglomerados de mídia do país, pois se pensarmos na população brasileira, na historiografia do controle dos meios de comunicação que estabelecem há décadas, segundo seus próprios interesses, a cadeia produtiva do setor – a criação, produção e distribuição do conteúdo audiovisual, sem ao menos respeitar os preceitos constitucionais do artigo 221 –, as cotas são um marco democrático no país, um avanço. Mesmo no pequeno percentual e universo da TV por assinatura.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Crianças e adolescentes
Não digo que as cotas é a solução, mas, seguramente, um primeiro passo para romper com a cadeia produtiva de conteúdo audiovisual no Brasil. É verdade que a produção de conteúdo nacional pelas emissoras de TV por assinatura e TV aberta investem na produção brasileira, trazendo histórias e narrativas do nosso povo. Mas é pouco. Ao estabelecer as cotas, a lei traz um novo horizonte de uma produção diversificada com conteúdo e olhar nacional criado, produzido e realizado por produtoras independentes. São outros olhares, propostas, visões, entendimentos, linguagens.
Pela lei, daqui a três anos, os canais – por exemplo, o de documentário, de animação e de filmes – terão que exibir, em horário nobre, 3h30 por semana de conteúdo nacional do mesmo gênero. Além disso, de cada três canais oferecidos pelos pacotes da TV por assinatura, um tem que ser nacional. Como ser contra isso? Reserva de mercado? Se for uma reserva de mercado para uma produção de qualidade nacional, que seja. E será bem-vinda, sem dúvida. Essa mínima proteção ao mercado nacional audiovisual, que deveria ser inclusive cumprida na TV aberta, não é nenhum absurdo, pelo contrário, é estratégia, é formação, é educação. O que já é feito em muitos países e há algum tempo.
Na perspectiva de crianças e adolescentes, as cotas vão ao encontro de um desejo de vários especialistas e defensores da causa. O que de conteúdo nacional audiovisual efetivamente temos para nossas crianças e jovens que vem sendo produzido pelos canais, sejam eles da TV aberta e ou da TV por assinatura? Pense em relação, por exemplo, à animação, aos desenhos animados? Aos programas?
Espectro da censura
Por trás da discussão, está a questão da entrada das companhias de telefonia móvel no mercado de TV por assinatura, concentrado nas mãos de poucas empresas, como a Net e a própria Sky. Talvez, esse seja o principal problema para aqueles que estão contrários à lei, que passou nada menos do que quatro anos em tramitação no Congresso, numa ida e vinda de negociação e lobby de todos os setores.
O que chama atenção no texto do recurso impetrado pelo DEM é que o partido, ao questionar a constitucionalidade do artigo sobre as cotas, fala em nome da liberdade do consumidor. A cota, diz o texto, “fere a liberdade do consumidor, que adquire programação específica que bem lhe agrade. Viola-se o direito à livre iniciativa e a liberdade de expressão, além de restringir o direito de liberdade da comunicação social. A prevalecer os comandos normativos da Lei nº. 12.485/2011, os consumidores terão de comprar programas de produtoras brasileiras, queiram ou não, sob imposição do Estado. Isso implica em reserva de mercado em favor desses grupos, que sequer terão que se preocupar com a qualidade dos programas ou com o interesse do consumidor final”.
Pergunto: quando qualquer cidadão compra, hoje, um pacote de TV por assinatura, ele pode escolher quais canais deseja assistir? Ele pode escolher a grade da programação dos canais que está sendo oferecida? Na TV aberta, isto é diferente? Sim, não pagamos nenhuma taxa ou imposto para assistir à programação da TV aberta, mas trata-se de concessão pública. Quem defende a população da programação da TV aberta? E da TV por assinatura? O DEM fala em nome da população brasileira? Creio que não. Pelo menos, não conheço e não ouvi nenhum setor da sociedade civil se posicionar contra o estabelecimento de cotas. Provavelmente, boa parte da população até desconhece o assunto. Afinal, discussões sobre a regulação, democratização e responsabilidade da comunicação no país quase nunca são publicizadas pela mídia, pelos principais jornais e telejornais. Quando chegam, geralmente é carregado da palavra censura.
“Não fui informado”
Outro questionamento do DEM é que a lei confere poderes à Ancine de regular e fiscalizar e regular os artigos. O partido é contrário, alega que a Constituição Federal veda esta atribuição. Mas cabe lembrar que o projeto, sancionado pela presidente Dilma Rousseff, foi aprovado pelos parlamentares. Foram eles que, representando o povo, aprovaram a redação da lei. Agora, em nome do povo, entram com ação contra o projeto. Daqui a pouco vão trazer à tona, como disse, a questão da censura. Que o Estado brasileiro está ou quer promover a censura, coibir o direito à liberdade de expressão. Creio que este tema já está bastante ultrapassado. O que está em jogo, de um lado, são os direitos a uma mídia plural e uma regulação e fiscalização para que a lei se cumpra. De outro, parece, interesses políticos e ou conjugados com econômicos.
Em troca de e-mail com a revistapontocom, Cesar Maia, filiado ao DEM, que já ocupou o cargo de senador, deputado federal e prefeito da cidade do Rio de Janeiro, explica que “em essência, os Democratas questionam os poderes que foram atribuídos pelo novo marco legal à Ancine”; segundo a inicial, “poderes irrestritos para regular o setor audiovisual de acesso condicionado, transformando o órgão em regulador absoluto de atividades de produção, programação e empacotamento relacionadas à distribuição do serviço de televisão por assinatura, com poderes para editar normas, expedir licenças e aplicar sanções”. Segundo o DEM, a Constituição “veda que uma lei estabeleça princípios de atividades de comunicação e, em seguida, delegue a uma agência reguladora a implementação destes princípios”.
Quanto às cotas, Cesar Maia afirma: “Não fui informado. Não sabia e não vejo razões. Estarei em Brasília e vou questionar isso.”
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[Marcus Tavares é professor e jornalista especializado em Educação e Mídia]