Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um novo tempo de observadores

A possibilidade de acesso aos mais diversos sites na internet significa o aumento de alternativas para cidadãos do mundo inteiro exercerem uma fiscalização permanente sobre o que é publicado pela grande imprensa e pelos sites informativos que têm surgido nas últimas décadas. Este movimento de resposta interativa está sendo chamado de gatewatching pelo pesquisador Axel Bruns, da Universidade Tecnológica de Queensland, na Austrália.

Em palestra este ano no congresso anual da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), o pesquisador Axel Bruns lembrou que não é possível mais controlar o fluxo de informações da maneira tradicional, como um esforço editorial que ficou conhecido como gatekeeping, a porta de entrada da notícia no jornal, guardada a sete chaves pelos editores. Para Bruns, o gatekeeper é tarefa em extinção em jornais do mundo inteiro. O processo se inverteu e o leitor, telespectador ou ouvinte se transformou em gatewatcher da informação.

É um processo que ocorre praticamente em real-time, com respostas prontas e opinativas, na maior parte das vezes. A multiplicação de canais de informação disponíveis hoje em dia mostra que esta é uma mudança sem volta. E que permite um aumento também das audiências, que se tornam seletivas e voltadas para sites específicos, de acordo com o gosto e o interesse de cada um. São comunidades on-line que compartilham os mesmos temas e transformam os usuários em novos produtores de notícias e informações, segundo o pesquisador.

Pode-se pensar cada uma dessas comunidades como um novo espaço ambiental, que une cidadãos desconhecidos em torno de valores, costumes, culturas. A integração on-line cria um novo conceito para espaço e tempo, fora dos limites físicos. É interessante pensar que hoje, quem vigia os portões não é mais o jornalista editor, mas o leitor que estabelece novo controle sobre o fluxo informativo.

Novo tempo

Em termos linguísticos, uma primeira mudança é a do campo enunciativo, o lugar de fala onde os textos, falares, entrevistas, fatos são enunciados, postos a público. É uma realidade enunciativa diferenciada, não mais física como a página impressa do jornal ou o cenário azul prateado dos telejornais, com suas bancadas e tendo como imagem de fundo uma redação em movimento. Na internet, a notícia é o enunciado que paira sobre um campo enunciativo difuso, sem contornos próprios, com limites impostos pela linearidade da leitura. O texto escrito se impõe ao falado e até mesmo à imagem. As manchetes seguem o modelo impresso, com uma retórica voltada para a atração imediata dos olhos dos internautas.

O que muda mesmo é o processo de observação dos acontecimentos. Acompanham-se os fatos com mais participação, com um novo envolvimento e o apoio de fontes multiplicadas de opinião, que se alternam na comunicação direta. Há abundância de informações, de canais e existe ainda uma proliferação de especialistas, trazendo à notícia da internet o selo de uma informação científica, detalhada.

Este novo tempo de gatewatchers é, sem dúvida, mais rico no que diz respeito à liberdade de expressão. Ele consolida um novo processo de surgimento de agendas sociais, voltadas para as demandas específicas da população, e que correm à frente do agendamento tradicional das empresas jornalísticas. Estas já não têm o monopólio de determinar a agenda de leitura dos cidadãos.

Contra o esvaziamento crescente da agenda jornalística, algumas empresas estabelecem estratégias de divulgação para forçar os acontecimentos, especialmente no campo político. É o que faz a revista Veja, com um agendamento denuncista em torno do ministério do governo Dilma. Ao abrir as páginas da revista a pessoas interessadas em apresentar denúncias contra antigos companheiros políticos ou contra chefes administrativos, a revista cria uma linha editorial que a mantém viva aos olhos da população e dos políticos em geral.

Entretanto, o tempo dos gatewatchers é mais amplo e não se fixa apenas na denúncia da hora. É um tempo de mais democracia, em que os cidadãos encontram espaço de expressão. Esta nova perspectiva subverte a proposta de Manuel Castells, quando afirma: “A investigação sobre a comunicação identifica três grandes processos que intervêm na relação entre as pessoas e os meios durante a emissão e a recepção de notícias: o estabelecimento da agenda, a priorização e o enquadramento”.

Pode-se dizer que o agendamento passa hoje pelas redes sociais da internet, que a priorização se dá na razão direta do envolvimento e dos interesses imediatos dos cidadãos e que o enquadramento não visa destacar as vozes mais influentes e poderosas ligadas ao governo, aos meios políticos e empresariais. O novo cidadão caminha para expressar sua própria opinião e fazê-la valer. Basta ver as manifestações populares que se sucedem nos Estados Unidos, em países da Europa, em países árabes e na América Latina. As faixas simples levantadas por muitos braços falam da angústia de existir, das necessidades humanas contra a pressão dos grandes grupos econômicos e financeiros, e dos políticos em geral. No movimento Occupy New York, uma faixa dizia: “Um movimento muito grande para falhar”. E em outra faixa, o alerta: “Human needs, not corporates greed".

Este é, sem dúvida, um novo tempo. De observadores da mídia, da política e das elites.

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[Célia Maria Ladeira Mota é doutora em Comunicação Social, pesquisadora associada do Programa de Pós-Graduação da FAC/UnB e do Nemp]