Duas notícias aparentemente contraditórias preenchem nesta semana a agenda ambientalista da chamada grandeimprensa: a aprovação, pelo Senado Federal, do texto-base do novo Código Florestal e a declaração oficial, feita pela ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, de que o Brasil vai assumir como compromisso, com força de lei, um acordo com metas obrigatórias de redução das emissões de gases nocivos para logo após 2020.
Aparentemente, porque ao assumir o compromisso para o pós-Kyoto, o governo brasileiro parece contar com uma eficiência do novo Código Florestal que, da forma como foi alinhavado no Senado, não convence os mais renomados especialistas do país na questão ambiental. Os trechos publicados pelos jornais não revelam todos os detalhes da versão que vai agora à Câmara dos Deputados, com grandes chances de aprovação.
Não é possível fazer apostas seguras sobre como a presidente da República vai agir, a despeito da campanha iniciada por organizações da sociedade civil em favor do veto a algumas das propostas. O texto encaminha para um final favorável aos representantes do agronegócio a longa polêmica que acompanhou a tramitação da lei entre a Câmara e o Senado.
Afrouxamento das normas
Na versão acatada pelo relator, o senador acriano Jorge Viana (PT), foram mantidas 26 das dezenas de emendas apresentadas ao longo dos debates e que também foram aprovadas no plenário. Como foi modificada no Senado a proposta que saiu da Câmara, elaborada pelo deputado licenciado e atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o assunto tem que voltar para análise dos deputados, de onde não se sabe o que vai sair. Mas a imprensa dá como favas contadas que o Congresso vai enviar ao Executivo exatamente a versão negociada no Senado Federal.
O Ministério do Meio Ambiente divulgou um relatório celebrando a redução do desmatamento na Amazônia, exatamente na chegada da ministra a Durban, na África do Sul, para a 17ª Conferência do Clima, a última antes do importante encontro marcado para o Rio de Janeiro no ano que vem.
Não há como dissimular o esforço de convencimento do governo, que foi assimilado quase sem ressalvas pela imprensa tradicional, num momento raro de concordância. No entanto, a sociedade segue excluída dos debates, uma vez que o noticiário sobre o que será votado na Câmara não desfaz as dúvidas que surgiram com o relatório de Aldo Rebelo e ainda criou novas desconfianças, como a posição de parlamentares que tiveram suas campanhas eleitorais financiadas com dinheiro de empresas diretamente interessadas na flexibilização das normas de defesa do patrimônio ambiental.
O impasse continua
Resumidamente, o Código Florestal, criado em 1965 com a consolidação de leis sobre a exploração da terra, estipulou o princípio segundo o qual a terra é um bem de interesse de toda a sociedade brasileira, cuja utilização deve ser regulamentada.
Em sua versão original, progressivamente modificada ao longo dos anos, estabeleceu os parâmetros segundo os quais o uso do solo está condicionado, com limites destinados a preservar os complexos vegetais e bacias hidrográficas nativos, estabelecendo punições e compensações para quem desobedecer.
A lei original foi se tornando obsoleta e ineficiente com o avanço das fronteiras agrícolas e o surgimento dos grandes negócios agropecuários, implantados à força do desmatamento. O desenvolvimento do conceito de pagamento por serviços ambientais soterrou os velhos paradigmas da preservação per se.
Empreendedores rurais e especialistas em preservação ambiental concordam que o Código precisava ser atualizado, mas durante os debates houve de tudo – até mesmo chantagens em torno da governabilidade –, menos informação científica.
Uma das principais demandas dos defensores da mudança era a necessidade de criar incentivos para os proprietários que preservam a vegetação, modelo comprovadamente mais eficiente do que o da punição pelo desmatamento.
O texto que segue para a Câmara pode ser conferido no site do Senado, mas para que o leitor não afeito à questão entenda o que está em jogo, é preciso que conheça as terminologias específicas. Por exemplo, a diferença entre reservas e áreas de preservação permanente, ou a distinção entre atividades de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto.
Apesar de a imprensa aceitar a última versão como sendo resultado de um acordo equilibrado, persiste a divergência essencial, uma vez que os representantes do agronegócio – que comemoraram o resultado da votação no Senado – entendem que foram eliminados entraves à expansão das áreas de produção, enquanto a maioria dos especialistas em defesa do meio ambiente considera que as terras já exploradas são suficientes para dobrar a produção agropecuária brasileira, com o uso de tecnologia sustentável para aumentar a produtividade e a eficiência das pastagens e lavouras.