Prever se o iPad será mesmo o aparelho queridinho nos próximos dez anos ou se um e-reader (aparelho para leitura digital) tem condições de desbancar os tablets parece dúvida sem resposta no terreno da tecnologia. Mas o crescente consumo de conteúdo digital, ao contrário, é consenso. O e-book (livro eletrônico), especialmente, está transformando tanto a indústria de dispositivos móveis como livrarias, editoras e distribuidoras brasileiras.
A Xeriph, espécie de depósito virtual de 5,5 mil e-books que conecta editoras a livrarias, recebia um ou dois títulos virtuais por semana em dezembro de 2010, ano de sua criação. Hoje, são mais de 100. As editoras parceiras, no mesmo período de comparação, saltaram de 20 para 170 – aproximadamente 90% do total de editoras envolvidas na produção de e-books no Brasil. Esse avanço pode ser visto com nitidez nas livrarias, que agora incorporam em seu quadro de funcionários equipe dedicada apenas aos livros digitais. Na Cultura, o volume de e-books vendidos dobra a cada três meses e a receita desse setor chega a 1% do faturamento total da companhia, R$ 300 milhões no ano passado.
“Como caminhamos, a participação dos e-books nas vendas totais será de 5% em 2013”, diz o coordenador da equipe de e-books da Livraria Cultura, Mauro Widman. A concorrente Saraiva, sem revelar valores, também mostra progresso. Sua loja de livros virtuais ocupa a 60ª posição entre as 103 lojas físicas no quesito vendas, acima até da loja da Rua Augusta, endereço movimentado em São Paulo.
Apesar do crescimento constatado, estimar quanto a venda de e-books movimenta no país, no momento, é difícil. Na maior parte das livrarias e editoras, a participação marginal do e-book em relação ao faturamento total do negócio cria a política de não abrir os valores. Isso deve mudar quando o Brasil chegar perto dos Estados Unidos. Em 2010, a receita do setor editorial com livros virtuais foi de US$ 878 milhões no país, segundo a Associação de Editoras Americanas.
Milagre
O acervo brasileiro de e-books tem cerca de 7 mil títulos, incluindo produções nacionais e estrangeiras, apontam estimativas do mercado. O da Amazon, pioneira no segmento, tem 950 mil títulos. Seria medíocre a posição do Brasil, se não analisadas as particularidades do setor.
Duda Ernanny, presidente da Xeriph e da primeira livraria digital do país, a Gato Sabido, diz ser um milagre a empresa ter uma pequena margem de lucro. “Ainda não há uma boa base de leitores digitais no país, nosso acervo é pequeno, os direitos autorais para obras virtuais não estão inclusos em antigos contratos com escritores e os aparelhos são caros.”
O iPad, lançado há um ano a R$ 1.650 na versão mais simples, foi o responsável pelo estímulo dos e-books no Brasil. Mas e-readers, como o Kindle, não pegaram por aqui. Afinal, o que compensa mais: um aparelho de R$ 800,00 que serve para ler livro ou um de R$ 1.700,00 para também navegar na internet, tirar foto, gravar vídeo e muito mais?
Esse fator colabora com a projeção de mais de 400 mil tablets vendidos em 2011, de acordo com a empresa de pesquisa IDC. Para a indústria, seriam 400 mil bibliotecas em potencial. O problema, por ora, continua sendo o pequeno acervo. “Em vez de muitas obras para poucas prateleiras, hoje temos muitas prateleiras para poucas obras”, diz Hernanny.
Pouco a pouco
O movimento nas editoras mostra que as prateleiras vagas no ciberespaço serão preenchidas pouco a pouco. A Zahar, uma das primeiras a produzir livros digitais no Brasil, hoje tem 450 e-books em seu catálogo, o equivalente a 1% de seu faturamento. Sextante, Objetiva, Record, Rocco, L&PM e Planeta devem terminar este ano com 1,2 mil livros digitais, distribuídos pela empresa que criaram em conjunto, a Distribuidora de Livro Digital. Sua previsão de faturamento é de R$ 1,5 milhão.
Na Campus Elsevier – braço da secular editora holandesa Elsevier, que já publicou teses do físico Galileu Galilei –, a atenção se volta para os livros virtuais. São 500 e-books, com a expectativa de mil para o fim do ano que vem. O presidente da empresa, Igdal Parnes, garante ser o maior acervo do Brasil. O processo de inserção dos e-books no mercado é lento, diz o executivo. “Em termos de produção editorial, ele não é necessariamente mais barato. O e-book não demanda impressão, mas exige infraestrutura tecnológica para armazená-lo. E a parcela de dinheiro referente ao direito autoral é maior quando o livro é digital.”
Nesse caso, o autor fica com 25% do dinheiro recebido pela editora com o valor de capa. Quando o livro é físico, 20% vai para o autor. Além disso, não é simples transformar o arquivo do livro (o encaminhado à gráfica) em e-book. O melhor formato para leitura de livros em aparelhos eletrônicos é o e-pub, cujo custo é de R$ 209,00 por conversão. Ou seja, isso pesa para editoras que querem milhares de livros em e-pub. Essa seria a principal razão para a predominância de livros em PDFs no acervo brasileiro.
Brasileiros ainda têm dificuldades com eletrônicos
Independentemente de entraves ou vantagens, permanece em questão se os adeptos do livro clássico adotarão com naturalidade o digital. Ainda há uma resistência por parte dos brasileiros, decorrente, sobretudo, da dificuldade de lidar com os aparelhos eletrônicos, sinal de que faz sentido a ação da Livraria Cultura de vender e-books nas lojas físicas (o leitor ainda leva para casa a capa do livro em forma de cartão). Além disso, tem graça ler a versão digital de um livro se ela não oferecer nada além da impressa? Recursos multimídia têm sido explorados em algumas obras, como A Mágica da Realidade, de Richard Dawkins, Os Três Porquinhos e A Menina do Narizinho Arrebitado. Mas a maioria, e os mais vendidos, ainda são reproduções fiéis do papel.
Para o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vinícius Vilaça, isso em nada ameaça o livro de papel. “É o mesmo pensamento daqueles que diziam que a revista acabaria com o jornal de papel”, diz. “Vejo que a juventude, pessoas mais ocupadas, estão se valendo mais de e-books para a leitura. Não sei se dá prazer, perde-se o cheiro do livro. Mas levo isso como uma fatalidade da modernidade. É assim que estamos evoluindo.”
A ABL promove o debate “O futuro do livro: papel ou chip?” no dia 14 de dezembro, na sede da instituição, no Rio. A entrada é franca e o evento será transmitido ao vivo pelo site da ABL.
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[Nayara Fraga, do Estado de S.Paulo]