Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um breve apanhado da história do Brasil

Última Hora, populismo nacionalista nas páginas de um jornal, livro escrito por Antonio Hohlfeldt e Carolina Buckup, traz em suas páginas não só a história do jornal como também um breve apanhado da história do Brasil contada pelas capas da edição gaúcha do periódico.

Última Hora, um jornal nacionalista, populista e, por vezes, sensacionalista, nasce da convergência dos interesses de Getúlio Vargas e Samuel Wainer. Getúlio voltaria, vitorioso nas urnas, ao comando do país; todavia, era uma figura enfraquecida social e politicamente. Somando-se a isso, desde sua campanha a imprensa insistia em ignorar a Vargas, exceto quando fosse para criticá-lo. Samuel Wainer, então repórter dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, era praticamente o único a acompanhar o presidente e foi em uma dessas coberturas, alertado porWainer sobre o bloqueio da imprensa, que Getúlio sugeriu-lhe a criação de seu próprio jornal. O jornalista, que enfrentava cotidianos embates com Chateaubriand, aceitou a proposta. Assim, após alguns meses captando recursos, entre bancos e apoiadores do projeto varguista, entre eles Juscelino Kubitschek, no dia 12 de junho de 1951 vai às ruas do Rio de Janeiro a primeira edição de Última Hora, levando em suas páginas uma carta de felicitação de Getúlio Vargas para que não ficassem dúvidas sobre a que vinha o novo jornal.

Por optar pela análise da Última Hora sul-rio-grandense, o livro de Hohlfeldt e Buckup deixa de aprofundar-se no que diz respeito ao papel do jornal no segundo governo de Getúlio Vargas. Última Hora teve importância fundamental na legitimação, diante da população, das propostas getulistas, entre elas a criação da Petrobras, como nos aponta a capa da Última Hora carioca do dia 6 de dezembro de 1951: “Vargas convoca o povo para a campanha de libertação”.

A oposição a Meneghetti

Surgida em fins do governo de Juscelino Kubitschek, em 15 de fevereiro de 1960, a Última Hora gaúcha demonstrou discreto apoio ao presidente que, segundo os autores, era, na linha de descendência, o mais próximo a Vargas, além, claro, pela dívida de Samuel Wainer com ele. O diário chega a tempo de cobrira inauguração de Brasília, com a capa de 21 de abril de 1960: “Brasília – capital do século 20”.

A relação do jornal com Jânio Quadros foi, a princípio, de moderada expectativa, tendo acompanhado de perto, e com certo entusiasmo, os primeiros passos da montagem do novo governo, como a formação do Ministério. Expectativa essa, frustrada com as primeiras ações do governo, entre elas o anúncio do congelamento dos salários e revisão dos turnos de trabalho dos funcionários públicos federais, gerando um distanciamento entre Última Hora e a nova gestão. A reação do funcionalismo e a crescente inflação foram pautas recorrentes do diário durante a administração de Jânio até os últimos meses, quando a crise política e as ameaças de golpe tomaram conta das manchetes do jornal, até o desfecho com a renúncia do presidente.

O livro ainda traz um panorama da relação da edição regional gaúcha da Última Hora com os governos estaduais de Leonel Brizola e Ildo Meneghetti. O primeiro, o periódico apoiou, mas sempre de forma crítica. Brizola enfrentou inúmeros movimentos grevistas, quando o jornal se colocou como oposição à esquerda do governo, ao lado dos trabalhadores. Entretanto, Última Hora não economizou apoio às iniciativas do governador que demonstravam o ideário nacionalista nos moldes varguistas, como no episódio da encampação da empresa de telefonia CNT. A Meneghetti, o jornal fez oposição desde o início da gestão, que começara com a negativa do governador em pagar um recente aumento concedido por Brizola ao funcionalismo estadual. Sua proximidade com o Ibad, organização anticomunista, e com Carlos Lacerda, governador da Guanabara e um dos principais inimigos dos nacionalistas, suscitaram o enfrentamento entre Meneghetti e o jornal.

A “grande aventura” de Wainer

Ainda que de forma superficial, tendo em vista a participação fundamental da Última Hora, os autores abordam o episódio da Campanha da Legalidade, encabeçada por Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que tinha como objetivo garantir a posse, após a renúncia de Jânio Quadros, do vice-presidente João Goulart. Já no dia 26 de agosto de 1961 o jornal passou a ser porta-voz, inclusive em edições extraordinárias, do movimento que se criava em resposta à tentativa de golpe contra Jango. A redação de UH tornou-se núcleo de resistência pela democracia sob o constante patrulhamento da Brigada Militar, apoiadora da Legalidade, a fim de garantir a circulação do periódico. Os principais momentos que culminaram no controverso sucesso da campanha estamparam a capa do jornal: “Terceiro Exército não recebe mais ordens de Dennys!” (30 de agosto), sobre o decisivo apoio do Terceiro Exército a Jango; “Delírio em Porto Alegre – Jango chegou: Brasil já tem presidente” (2 de setembro) e enfim “Legalidade foi traída” (4 de agosto), sobre a condição para a posse de João Goulart, o regime parlamentarista.

Em outubro de 1961, as manchetes do jornal alertam, quase diariamente, para as conspirações e ameaças golpistas. Jango assume declarando guerra à inflação e à estocagem de alimentos, além de já projetar as reformas de base de seu governo, o que recebe amplo apoio e divulgação nas páginas da Última Hora. Na política externa, João Goulart reata com a URSS (“Povo nas ruas aplaude reatamento com a Rússia~~ – 25 de novembro de 1961) e dialoga com os Estado Unidos de Kennedy, mantendo a soberania brasileira (“Jango aos americanos: só a autodeterminação trará paz e liberdade!” – 4 de abril de 1962). Dentro do país, durante todo seu governo, o presidente enfrenta uma forte crise política e constantes atentados terroristas. Como uma tentativa de estabilizar o país, no dia 09 de janeiro de 1963 acontece o plebiscito que decide entre parlamentarismo e presidencialismo, vencendo o segundo. “JK a UH: Povo fez reparação histórica a Jango” (10 de janeiro). Nesse ano, com seu poder ampliado, Jango intensifica as iniciativas pelas reformas de base, como a reforma agrária e as encampações de multinacionais, ações que fazem emergir os interesses golpistas, culminando no que expressam, em tom derrotista, as capas de 1° e 14 de abril de 1964: “São Paulo e Minas rebelados para derrubar Jango” e “Cassação de mandatos nos Estados: comando divulga hoje a lista”, respectivamente.

Como nos mostra o livro desde seu título, Última Hora era um jornal claramente aliado aos interesses populares, da classe trabalhadora e aos ideais nacionalistas, enfim, tudo a que se opunham os militares golpistas que passaram ao comando do país. Nesse contexto, a edição gaúcha sobreviveu apenas algumas semanas – no dia 26 de abril o jornal já não pertencia mais a Samuel Wainer, tinha outra linha editorial e assim seria pelos seis anos seguintes, quando a Última Hora foi vendida a Maurício Sirotsky, dando origem, posteriormente, à sua antípoda Zero Hora. A Última Hora nacional enfrentou muitas crises durante a ditadura, inclusive com o exílio de seu fundador, mas sobreviveu em seu projeto original até 21 de abril de 1972, quando foi vendida a Maurício Alencar. Assim se encerrava um importante capítulo do jornalismo brasileiro. O nome Última Hora ainda estampou as páginas do jornal até julho de 1991, quando este faliu, mas o projeto nacionalista acabara ainda em 72, junto com a “grande aventura” de Wainer, como ele mesmo chamou.

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[Bruna Andrade é estudante, Porto Alegre, RS]